Nas atuais condições, a candidatura de Lula à reeleição está na disputa e pode vencer, mas não há prognósticos possíveis
Não importa o tamanho da montanha, ela não pode tapar o sol.
Provérbio popular português
- Lula fez um discurso excessivamente confiante, senão imprudentemente otimista, na convenção do PSB. O argumento deste texto é que o governo Lula está enfraquecendo, não o contrário, por cinco fatores principais: (a) as pesquisas de opinião, quando consideradas em perspectiva desde o segundo semestre de 2024, indicam um desgaste crescente do governo, uma elevação da desaprovação para um patamar acima de 50%, e uma possível derrota da reeleição de Lula no segundo turno, mesmo que o candidato não seja Bolsonaro, que está alterando os cálculos da oposição; (b) o afastamento preventivo de um bloco mais coeso no centrão em torno de União/Brasil/Progressistas, MDB/Republicanos e PSD, que unem praticamente toda as alas da direita que estão com ministérios no governo, mas passaram a considerar viável uma disputa com Bolsonaro sobre quem deve substituí-lo, apostando em Tarcísio de Freitas; (c) o giro de frações poderosas da classe dominante, especialmente agro e capital financeiro, para uma oposição mais frontal ao governo que se explicitou na inacreditável votação da anistia na Câmara dos Deputados, na denúncia incendiária na mídia do escândalo do INSS, a instalação de um grupo de trabalho de reforma administrativa para acabar com a estabilidade do funcionalismo, entre outros momentos grotescos como as provocações contra Marina Silva na audiência no Senado; (d) a impotência do governo Lula de sair da defensiva na disputa ideológica e política, apesar do projeto de isenção do IRPF para quem ganha menos de R$5.000,00 por mês, o imposto de 10% para quem ganha mais de cinquenta mil, o Gás para todos, o Pé de meia, o Mais Professores, e a ampliação do Farmácia Popular, além do apoio ao fim da escala 6×1, entre outros, cujo destino permanece incerto, senão inviável; (e) a teimosia de Bolsonaro que insiste não só em manter sua pré-candidatura, mesmo com a provável condenação e eventual prisão, mas se preserva no direito de decidir quem ocuparia o seu lugar na hora da substituição, explorando a possibilidade de lançar alguém do seu clã familiar, esposa ou filho.
- Os dados sobre o crescimento da economia permanecem positivos, com o PIB do primeiro trimestre sendo vigorosamente turbinado pela safra recorde do agro, ainda que em tendência de desaceleração. Mas o governo Lula subestima as dificuldades tanto no Congresso, onde está à mercê do centrão, quanto nas ruas, onde o mau-humor dos trabalhadores das camadas médias não diminuiu. A rigor, o governo parece estar à deriva, em zigue-zagues. Não é possível discernir qual é a tática para sair do impasse, e menos ainda qual seria a estratégia para garantir a reeleição. O episódio do anúncio e recuo do aumento alíquota do IOF tem sido uma ilustração das dificuldades. Galípolo fez questão de deixar claro que não tinha acordo. As limitações impostas pelo arcabouço fiscal que impõe o déficit zero obrigou o governo a um contingenciamento (corte) de mais de trinta bilhões no orçamento e, para evitar restrições ainda mais severas, lançou a “bomba” do IOF, uma proposta justa, subestimando a oposição. A reação do mercado foi brusca, súbita e violenta. Em disputa estão o custo do crédito, depósito na previdência privada acima de cinquenta mil e, sobretudo, os investimentos no exterior. Na mesma semana em que Lula decidiu elogiá-lo, Motta associado a Alcolumbre deixou claro que não seria aprovado, reafirmando que já existe um “semiparlamentarismo” de emergência na prática. A busca de uma saída pela aprovação de uma reforma na previdência dos militares, ou um aumento de impostos sobre as bets, ou redução de isenções fiscais, como um limite para despesas médicas na restituição do imposto de renda das pessoas físicas são propostas improváveis. Agora se anuncia a busca de um consenso.
- Nas atuais condições, a candidatura de Lula à reeleição está na disputa e pode vencer, mas não há prognósticos possíveis. Uma das chaves da estratégica é explorar a possível divisão da oposição ao governo Lula. Na extrema-direita, o bolsonarismo está sofrendo desgaste com o início do julgamento do núcleo central golpista, a investigação contra as peripécias de Eduardo Bolsonaro nos EUA, e a previsível fuga de Zambelli para Itália. Mas se enganam aqueles que subestimam a resiliência dos neofascistas. O bolsonarismo é um movimento de combate contrarrevolucionário permanente. Não haverá rendição. A aprovação do PL da Devastação no Senado foi avassaladora, e confirma que se está trabalhando para a construção de uma Frente Ampla que vai da centro-direita até o extremismo bolsonarista. As pré-candidaturas de governadores, Leite ou Zema, Caiado ou Ratinho Jr. são movimentos exploratórios, iniciativas de ocupação de espaço e afirmação de carreiras pessoais, mas uma pré-candidatura de Tarcísio de Freitas é de outro calibre. Tarcísio já fez os cálculos de risco, e deixou claro que seria uma aventura se lançar contra a vontade de Bolsonaro. Sem apoio de Bolsonaro, ou pior contra Bolsonaro ninguém na direita poderá derrotar Lula. E não existe ainda, nem remotamente, acordo com Bolsonaro, que insiste em manter sua candidatura. Quem pensa que se trata de um blefe não está entendendo que Bolsonaro não aceita a prisão, e pode mesmo lançar um familiar e dividir a oposição. Irá manter a pré-candidatura enquanto puder para arrancar a garantia de uma anistia. Quem duvida que Bolsonaro possa arrancar este acordo do centrão, até com um amplo consenso da burguesia, não entendeu contra quem estamos em luta. A contradição inescapável é que só haverá, como em 2022, uma dissidência burguesa no apoio a Lula, se Bolsonaro ou um herdeiro do clã for candidato.
- O primeiro desafio da esquerda é aprender as lições do que já vivemos e do que estamos assistindo mundo afora. Nas eleições portuguesas a esquerda foi massacrada. O PS insistiu em “forçar a barra” com uma comissão de inquérito apostando em um desgaste lento de Montenegro, desprezando a possibilidade do PSD responder com eleições antecipadas. O PCP nunca sequer cogitou a possibilidade de uma candidatura com o Bloco de Esquerda. O desfecho foi uma vitória de Montenegro, e a ascensão do Chega de Ventura ao estatuto de segundo partido. Nossa aposta deve ser a construção de uma Frente de Esquerda com um programa que tenha um núcleo duro de reformas que possam despertar entusiasmo nos setores mais avançados dos trabalhadores e da juventude. O que é impossível sem propostas de mudanças estruturais que despertem uma maior confiança das massas populares e levantem os ânimos. Há uma dialética complexa diante de nós, porque a redução lulista da estratégia à Frente Ampla – uma aliança inviolável com uma fração burguesa para defender o regime democrático-liberal contra os neofascistas – permitiu vencer em 2022, mas impediu o governo de governar. A vitória eleitoral da Frente ampla está se transformando em derrota política da esquerda. O paradoxo é que sem a unidade eleitoral com dissidências burguesas não teria sido possível derrotar Bolsonaro, mas o seu custo é o impasse tático em que estamos mergulhados. A armadilha da Frente Ampla é que a moderação do governo é a antessala de uma possível vitória eleitoral da extrema-direita com Tarcísio. Infelizmente, o provável desenlace do PED do PT será uma vitória da CNB, talvez em primeiro turno, num contexto em que a esquerda petista, inexplicavelmente, não conseguiu se unir nem nas chapas para o Diretório Nacional, nem para a defesa de um candidato comum para a presidência, apesar da disposição de Rui Falcão.
- Ainda há tempo para evitar o pior. A linha da esquerda mais combativa passa pela capacidade de transformar a luta pelo plebiscito popular em uma campanha com audiência de massas. Vai ser preciso muita agitação e organização para aprovar a taxação dos super-ricos, o fim da escala 6×1 e mobilizar pelo Sem Anistia, Prisão para Bolsonaro. Este esforço será insuficiente se não formos capazes, também de, apoiadas na juventude que se prepara para o Congresso da UNE, incendiar nossa base social a ir às ruas contra o genocídio na Faixa de Gaza. Mas a questão decisiva do ponto de vista estratégico é o problema do desfecho das eleições de 2026 que começa a ser decidida aqui e agora. O PT permanece o partido majoritário na esquerda. Deve vingar no PT a perspectiva que inspira Lula de subordinar a Frente de Esquerda à Frente Ampla, a qualquer custo. Essa opção será muito perigosa. O contrário seria mais justo. Acontece que ser maioria não é o bastante para demonstrar quem tem razão. Apenas evidencia qual é a candidatura que tem maior apoio. O apoio que uma proposta tem não prova nada, absolutamente nada, sobre a correção da política defendida. Ter força é muito importante, mas ter razão é mais. Uma luta se desenha no horizonte. Uma parcela da esquerda, a mais moderada, vai silenciar diante de Lula. Outra, a mais radical, vai apresentar um candidato ou, mais provável, várias candidaturas contra todos. São duas táticas obtusas. O melhor caminho será a disputa por um programa de esquerda para a construção de uma Frente de Esquerda com Lula, admitindo alianças táticas, mas disputando a hegemonia.