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Vereadora de Curitiba pelo PT, assistente social, educadora popular, Freiriana, promotora legal popular e servidora pública licenciada. Foto Diretoria de Comunicação Social / CMC

19 de agosto expõe a urgência: rua não é escolha, é efeito de políticas insuficientes e exclusão

A situação de rua não é uma escolha, é uma consequência do sistema que exclui

O dia 19 de agosto foi instituído como o Dia de Luta da População em Situação de Rua. Nesta mesma data, em 2004, ocorreu o Massacre da Sé, na Praça da Sé, em São Paulo. Na ocasião, um grupo de pessoas em situação de rua, que dormia nos arredores da praça, foi brutalmente atacado com golpes na cabeça. Sete pessoas morreram e outras seis ficaram com sequelas irreversíveis. As investigações apontaram que cinco policiais militares e um segurança particular foram responsáveis pelo crime. No entanto, o Ministério Público considerou as provas insuficientes, e o caso permaneceu impune. Desde então, o 19 de agosto é lembrado como o Dia Latino-Americano de Luta da População em Situação de Rua, reforçando a importância da visibilidade, da memória e da luta por direitos dessa população.

Um retrato da realidade brasileira

No Brasil, há mais de 335 mil de pessoas que estão em situação de rua, número que vem aumentando no decorrer dos anos. A informação tem como base um levantamento feito no início de 2025 pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais. A região sudeste concentra mais de 60% do percentual do país. Em São Paulo, a cidade que lidera o ranking, há 96.220 em situação de rua. Em seguida, Rio de Janeiro, com 21.764. Em terceiro, Minas Gerais, totalizando 14.454 nesta situação. Curitiba aparece em 9º lugar, com 4374 pessoas em situação de rua.

Protagonismo político das mulheres em situação de rua: 1ª Conferência das Mulheres em Situação de Rua e suas Diversidades

No dia 15 de agosto de 2025, Curitiba sediou a 1ª Conferência Livre das Mulheres em Situação de Rua e suas Diversidades, realizada no anfiteatro da Universidade Federal do Paraná. O encontro reuniu participantes de diferentes cidades do estado, além de entidades sociais, representantes da Defensoria Pública, parlamentares e integrantes da administração municipal.

Com o lema “Mais Democracia, Mais Igualdade, Mais Conquistas para Todas”, a conferência discutiu temas centrais da vida cotidiana, moradia, segurança, saúde e trabalho, e elaborou propostas que serão levadas para a 5ª Conferência Nacional de Direitos das Mulheres.

Ao se organizarem coletivamente, as participantes reafirmaram a urgência de políticas públicas que reconheçam suas especificidades e denunciaram que não haverá democracia plena enquanto a população feminina continuar sendo submetida à violência, à insegurança e à negação de direitos básicos.

Políticas públicas: falta ou insuficiência?

Em Curitiba, a Fundação de Ação Social (FAS) acompanha desde 2004 as transformações da assistência social no Brasil, marcadas pela implantação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e pela estruturação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Com essas mudanças, a população em situação de rua passou a ser reconhecida como público prioritário da proteção social especial de alta complexidade.

No contexto local, a FAS adequou-se às diretrizes nacionais e, em 2005, conquistou a habilitação para gestão plena, o que lhe conferiu maior autonomia no planejamento, execução e cofinanciamento de serviços socioassistenciais. Essa conquista possibilitou a criação e o fortalecimento de serviços especializados, como abrigos, casas de passagem e equipes de abordagem social, integrados a outras políticas públicas, incluindo saúde, trabalho e habitação.

Apesar desses avanços, ainda é possível questionar a efetividade dessas políticas: a existência de serviços não garante necessariamente sua capacidade de atender plenamente às necessidades da população em situação de rua, revelando lacunas e limitações que exigem reflexão e aprimoramento contínuo.

Curitiba conta com apenas três Centros POP, somando 220 vagas e 1640 vagas em abrigos, frente a uma população em situação de rua que supera as 4 mil pessoas. Esses números revelam o caráter limitado e emergencial das ações, que contrastam com os princípios estabelecidos pela PNAS/2004 e pela NOB-SUAS/2012, que defendem a universalização do acesso e a integralidade da proteção social. Assim, a política pública, embora formalmente estruturada, não alcança efetivamente a totalidade das pessoas em situação de rua, mantendo-as em uma condição de exclusão e violação de direitos.

Exclusão institucionalizada

A análise da situação da população em situação de rua em Curitiba revela um cenário de contradições: avanços institucionais e a criação de serviços especializados convivem com a insuficiência de vagas, a limitação de recursos e a manutenção de barreiras de acesso. A situação de rua, longe de ser uma escolha individual, é resultado de desigualdades estruturais e de um sistema que historicamente exclui.

O Dia 19 de agosto, lembrado em memória do Massacre da Sé, não apenas reforça a importância da visibilidade dessa população, mas também denuncia a persistência da impunidade e a urgência de políticas públicas mais abrangentes, integradas e efetivas. Garantir direitos, ampliar o acesso a serviços e promover a inclusão social são passos indispensáveis para transformar essa realidade.

Apenas a existência de políticas públicas formalmente estruturadas não é suficiente: é preciso que estas se traduzam em ações concretas, capazes de atender às necessidades reais das pessoas em situação de rua, rompendo o ciclo de exclusão e assegurando dignidade, proteção e cidadania.

*Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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