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Vicente Rauber

Um ano passou das enchentes no RS: como estamos?

Gaúchos(as) resistiram mais do que podiam, 183 perderam a vida, milhares perderam tudo o que tinham

Há um ano, em maio de 2024, ocorria a maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul e, relativas a inundações, do Brasil. Em 2023, em setembro e em novembro inundações também significativas já haviam atingido a Bacia do Guaíba, principalmente os municípios do Vale do Taquari.

Nos anos recentes, em todos os continentes, com intensidade e frequência antes nunca vistas, ocorreram eventos climáticos extremos: excesso de calor, secas, queimadas e tempestades, gerando mortes, imensos prejuízos econômicos e sociais e devastando ainda mais o ambiente natural.

Na Amazônia, maior reserva de água doce do mundo, tivemos duas secas como nunca antes, com rios completamente secos,  peixes mortos e pescadores sem trabalho e sem comida. Queimadas intermináveis na Amazônia e Cerrado, entre outras regiões. Estas felizmente reduziram em 70% em 2024. O gigante e poderoso (inclusive militarmente) United States foi incapaz em deter as queimadas na internacionalmente famosa Los Angeles, que devastaram matas e regiões urbanas inteiras, incluindo mansões de famosos artistas holliwoodianos,  provocando a fuga de seus moradores. Tudo em plena época de “Oscar”, até Fernanda Torres teve que abandonar o hotel onde estava hospedada.

Antes, temperaturas, chuvas e secas não ocorriam de forma extrema e tão frequentes, porque estavam condicionadas pela natureza ainda razoavelmente equilibrada. Agora este equilíbrio da natureza não mais existe e tudo pode ocorrer. No final de abril, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) emitiu alerta que novos eventos extremos devem ocorrer mais frequentemente, novamente devendo o RS ser o estado mais atingido.

O equilíbrio da natureza não mais existe

O Planeta está sobreaquecido, porque a camada de ozônio foi aumentada pelos gases de efeito estufa (GEEs), emitidos em decorrência de nossos modos de produção e de vida. Assim, há maior retenção das ondas solares de calor, provocando um aumento da média da temperatura, já  ultrapassada em 1,5ºC em 2024, e que continua aumentando neste ano, já tendo alcançado o aumento de 1.63ºC. A emissão dos GEEs precisa urgentemente ser estancada e reduzida, conforme já descrevemos em artigos anteriores.

O evento de maio de 24 demonstrou o quanto são desprezadas e até sucateadas as vitais atividades do saneamento básico, em especial a drenagem urbana e a proteção contra cheias, enfim os cuidados com as águas.

Gaúchos(as) resistiram mais do que podiam, 183 perderam a vida, milhares perderam tudo o que tinham, ainda lutam para se reerguer. A solidariedade local, brasileira e até do exterior foi algo extraordinário.

Apesar desta catástrofe, as riquezas produzidas no Estado aumentaram em 4,9% em relação a 2023, superiores à média nacional de 3,4%. Este aspecto tem relação com a destinação de R$ 111,7 bilhões da União para a Reconstrução do RS, montante parcialmente aplicado no ano passado, ainda com recursos a aplicar.

O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) está disponibilizando mais R$ 10,4 bilhões através do Fundo do Clima, especialmente para pequenas e médias empresas, até porque grande parte delas ainda não conseguiu recompor-se.

Muitos(as) gaúchos(as) ainda não conseguiram reaver uma moradia, seja onde residiam ou em lugar  mais seguro. Pequenos e médios produtores rurais precisam recuperar os solos.  Falta a reconstrução de estradas e pontes, entre outras infraestruturas.

Em relação às previsões de tempo e alertas à população temos avanços. No entanto, falta completar  o Estado com mais medições e uma coordenação geral de um órgão qualificado (como já existem a nível nacional) para realizar as interpretações das imagens, também com a participação de climatologistas, profissionais capazes de fazer previsões de mais longo prazo, além de um ano.

Sem avanços na proteção contra cheias

Em relação as atividades de drenagem urbana e proteção contra cheias, não há avanços. A lição não foi aprendida. Até agora nenhuma obra desta área em relação aos R$ 6,5 bilhões destinados pela União está sendo executada. Diagnósticos, viagens internacionais, desconsideração com os profissionais e conhecimento locais e anúncios (muitos descabidos) não faltam.

Para uma gestão adequada das águas, o Estado precisa dar condições de funcionamento aos importantes 24 Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas, que cobrem todo estado em seus rios, e recriar um órgão metropolitano (a própria Metroplan), já que a natureza desconhece limites municipais, os problemas são integrados em toda a região, especialmente os do saneamento.

Em Porto Alegre, o seu Sistema de Proteção robusto e capaz de suportar a elevação das águas até 6,0m (chegaram à cota de 5,37m) não funcionou porque as comportas externas e as integradas às Casas de Bombas estavam deterioradas sem a sua manutenção ordinária. Estas comportas devem mesmo ser malditas, porque agora 8 delas devem ser eliminadas. Comportas existem para dar acesso às atividades portuárias e todas as demais entre o Guaíba e o Sistema de Proteção. No mínimo, para eliminá-las teria que ocorrer uma consulta e debate com as Entidades e população envolvida. Algumas tiveram alguns reparos, as demais estão pendentes. Nas Casas de Bombas existem ações pontuais. O Plano elaborado pelo então ainda existente Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), em 2016, para o qual a União destinou recursos a fundo perdido e que foram perdidos, agora o próprio plano deve estar perdido.

No Sarandi, um dos diques foi recomposto até a cota de 5,5m, quando o necessário é de 6,5m, existindo agora a promessa de conclui-lo posteriormente. Porque a obra foi dividida? Para a recomposição do outro dique, a população está sendo expulsa ao invés de ser-lhe oferecida outra moradia.

Em Ipanema, junto ao passeio está sendo construída uma mureta de concreto armado “para proteger o bairro das cheias”. Esta mureta, por ser um elemento isolado, possibilita que as águas atinjam o bairro antes e depois dela, não impedindo em nada as cheias e ainda, após as águas baixarem, dificultará o escoamento da inundação.

“Está sendo construído um novo sistema”

Durante e após a inundação, a Prefeitura proibiu a palavra manutenção e divulgou inúmeros fakes: “a culpa é do Governo Federal”; “outros municípios também alagaram” (esquecendo que não possuem um sistema completo e suficiente como o de Porto Alegre) e outros tantos. Agora, o mais recente fake é que, com estas obras citadas, “está sendo construído um novo sistema”.

Vamos torcer muito para que nova inundação de grande magnitude não ocorra logo!

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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