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Engenheiro especializado em Planejamento Energético e Ambiental.

Melhorar e acelerar o passo: chuvas grandes e cidades inundadas

São enormes e muitos os prejuízos de cada evento causando inundações, alguns irrecuperáveis como as mortes

Já virou regra: bastante chuva e cidades inundadas.

Um certo sentimento de “naturalização” toma conta de parte da população em relação a esta situação, apesar de todas as angústias. Será mesmo que não pode ser diferente?

São enormes e muitos os prejuízos de cada evento causando inundações, alguns irrecuperáveis como as mortes.

As pessoas precisam ser retiradas das regiões inundadas e mantidas em abrigos. Produções urbanas e agrícolas e negócios são  paralisados ou prejudicados. A saúde de muitos fica afetada, inclusive psicologicamente. Escolas precisam parar. O transporte perde caminhos. E assim estamos apenas citando algumas evidências.

E quando as águas baixam é hora de tentar retomar a vida, de reconstruir. Como sabemos, ainda falta muito para resolver o que foi destruído em maio de 2024. Então, como ficamos, vamos acumulando prejuízos a cada mais uma chuva prolongada?

Muitos desejam retornar às suas casas, mas se a região não possuir um sistema de proteção contra cheias e nem terá, o melhor é as pessoas e os meios de produção atingidos serem reassentados em regiões mais seguras. Mesmo tendo recursos financeiros, este é um processo demorado.

Estradas, pontes, escolas, hospitais, fábricas, estabelecimentos de comércio e serviços precisam ser reconstruídos.

Vale a pena realizar uma contabilidade entre o somatório de todos os prejuízos e comparar com o que seria necessário investir e aperfeiçoar para amenizar em grande parte as perdas. Chegaremos à conclusão que é menos caro ter cidades mais seguras, saudáveis com melhor qualidade de vida do que  arcar com os repetidos prejuízos públicos e privados dos eventos climáticos. É muito melhor prevenir do que remediar.

É muito melhor prevenir do que remediar

Medidas, obras e reconstruções estão sendo feitas, muitas inadequadas. Mas, há necessidade de mudanças estruturais, com soluções efetivamente sustentáveis. As mudanças tem que ser dirigidas pelos governos, especialmente as gestões locais.  

A origem dos desastres climáticos, que atingem todo o Mundo, conforme já vimos, é o excesso da emissão de gases de efeito estufa, o que gera o sobreaquecimento do planeta, desorientando a natureza e, por conseguinte, a perda de condições climáticas equilibradas. Em 2024 já ultrapassamos um limite crítico de sobreaquecimento de 1,5ºC, e que neste ano já superou a marca de 1,63ºC.

Conforme já alertado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), os eventos climáticos serão mais frequentes e poderão ser ainda maiores, especialmente no Rio Grande do Sul. Este é o “novo normal” que teremos daqui para frente.

Os eventos climáticos serão mais frequentes e poderão ser maiores

A situação do sobreaquecimento precisa ser estancada por todos, para não piorar ainda mais este “novo normal”, o que exige medidas que devem nos preparar melhor, combinadas com novos modos de produção e de vida.

Vamos repetir: a principal política pública fundamental local para o enfrentamento dos eventos climáticos é o tão secundarizado saneamento básico. Tratamos de água potável, incluindo a coleta e os respectivos mananciais, da coleta e tratamento de esgotos, da coleta e tratamento de lixos, da drenagem urbana, incluindo a fundamental recuperação dos arroios e a proteção contra cheias. Estas atividades realizadas integralmente e em conjunto com o meio ambiente,  a começar com a devida manutenção e aperfeiçoamento das estruturas já existentes, são o melhor investimento possível. Apenas para citar um aspecto: A cada Real investido, poupa-se três Reais em saúde.

No meio ambiente é possível, nada difícil e caro, implantar florestas urbanas, que melhoram imensamente a qualidade do ar e do solo, como já provou Medellin, hoje reconhecida como a “cidade da eterna primavera”

Segundo a Constituição Federal e a legislação, o saneamento básico  é da competência dos municípios. Quais dos 5570 municípios brasileiros tem alguma prioridade nesta área, com metas e, no mínimo, uma estrutura de fiscalização?

O extraordinário exemplo municipal existia em Porto Alegre, tendo tornado-se referência internacional no Saneamento. Todas as atividades estavam sob gestão municipal pública e eram bem executados com muitos investimentos. Isto durou até começar a ser implementada uma das regras fundamentais do neoliberalismo: sucatear as respectivas estruturas para tornar os serviços inaceitáveis e então “justificar” a sua eliminação ou  privatização. Em 1973 o município reconheceu a essencialidade de ter um órgão de 1º escalão para cuidar da drenagem urbana e criou o DEP. Após “devidamente” sucateado, foi extinto em 2017. O resultado péssimo, entre outros, foi a cidade completamente inundada e profundamente prejudicada em maio-2024. Continua fazendo a mesma falta. Os elementares problemas decorrentes da falta de manutenção das comportas externa e das comportas das Casas de Bombas não foram e não tem perspectiva de solução adequada. No Sarandi um dos diques foi refeito, porém em altitude inferior à necessária. Em Ipanema e no Lami estão sendo erguidas muretas para proteção contra cheias, que irão piorar as cheias.

Sucatear para extinguir ou vender: o caminho dos desastres

Já o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), também completamente sucateado, “precisa ser entregue parcialmente à iniciativa privada, porque é incapaz de cumprir as metas do Marco Legal do Saneamento (99% de água potável e 90% de coleta e tratamento de esgotos até 2033)”. Ora, se o Dmae, que não precisa render lucros não consegue realizar estas metas, uma empresa privada que somente subsiste com lucros conseguirá cumprir as metas?

O que precisa? Refazer o Dmae, através de um contrato de concessão, que reponha sua capacidade operacional e defina-lhe metas. Bem antes de 2033 poderá cumprir o Marco Legal do Saneamento.

Refazer o Dmae público para cumprir seu papel

A ampla maioria dos 5570 municípios não tem condições financeiras e ainda não possuem uma estrutura adequada para cumprir o Saneamento adequadamente. União e Estados precisam participar.

A União destinou R$ 6,5 bilhões, após maio-2024, para obras urgentes de drenagem e proteção contra cheias. Nenhuma obra está em execução. O Estado, que assumiu a responsabilidade, sequer é capas de apresentar os respectivos projetos de engenharia. Por que? Porque também extinguiu a Entidade que cumpria este e outros papéis fundamentais: a Metroplan.

A responsabilidade é dos municípios, mas Estados e União precisam participar

O Estado também está liquidando os 24 Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas, que cobrem todos os rios do Estado, e tem a finalidade de planejar as atividades de recuperação e manutenção destas águas e regiões envolvidas.

A nível federal é essencial a recriação de um órgão para planejar, projetar e construir as obras estruturantes do Saneamento, algo como um DNOS atualizado.

Sistema centralizado para previsões e alertas climatolóligos e climáticos

As Defesas Civil precisam evoluir mais, com melhor estruturação e integração com outros órgãos. Precisamos de um sistema centralizado de captações de imagens e seus respectivos processamentos para as previsões e alertas climatológicos e climáticos.

Programa permanente de reassentamento de áreas de risco

Em relação às áreas alagáveis sem possibilidade de solução em relação às cheias, não é possível a cada chuva maior sair procurando outras moradias. Neste caso cabe um programa permanente, de reassentamento de áreas de risco, incluso na política habitacional, com sustentação federal, estadual e municipais. Os locais liberados devem ser transformados em áreas verdes.

Reduzir gases de efeito estufa? Veículos elétricos resolvem. E relembramos a principal possibilidade de redução da emissão de gases de efeito estufa no meio urbano, qual seja a substituição dos veículos a combustão, responsáveis pela geração de até dois terços dos mesmos, por veículos elétricos.    

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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