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Viviane Sarmento é doutora em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), professora adjunta da Universidade Federal do Agreste de Pernam...

Nada sobre nós sem nós: o PL 1.584/2025 sem a participação das pessoas com deficiência

O projeto apresenta retrocessos sobre inúmeras leis e políticas duramente conquistadas pelos movimentos das pessoas com deficiência

Recentemente, o deputado federal Duarte Júnior (PSB do Maranhão) anunciou, em caráter de urgência, a proposta de substituir a Lei nº 13.146/2015 – a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) – pela criação de um novo Código Brasileiro de Inclusão, escrito como projeto de lei nº 1.584/2025. Isso acarreta em uma mudança legislativa brusca, que nasce sem quaisquer esclarecimentos e que ameaça uma série de leis conquistadas pelos movimentos sociais das pessoas com deficiência ao longo de anos.

Melhor explicando, juridicamente teríamos a revogação de uma legislação de 10 anos, já consolidada e organizada através da ampla participação dos movimentos sociais das pessoas com deficiência, sendo substituída por um novo código que tem por objetivo simplificar o ordenamento a partir de sua efetivação.

Entretanto, na prática, o projeto apresenta retrocessos sobre inúmeras leis e políticas duramente conquistadas pelos movimentos das pessoas com deficiência. A proposta para “simplificar o ordenamento” traz, no novo texto, concepções biomédicas e de laudos que impulsionam tratamentos assistenciais, que são ponto de críticas e enfretamentos dos movimentos sociais desde a década de 1970.

O PL 1.584/2025, apesar de detalhar alguns aspectos técnicos em relação às acessibilidades – algo que poderia ser revisto na própria LBI -, o documento representa retrocessos no reconhecimento da autonomia, na estrutura de proteção legal civil e ainda fragmenta aspectos importantes da Lei de Cotas. Essa é a avaliação de diversas frentes de militâncias de pessoas com deficiência.

Além disso, o texto do “novo Código Brasileiro de Inclusão” não integra as exigências de fomento cultural da Lei Rouanet, uma vez que é obsoleto no que diz respeito aos mecanismos de fiscalização, sanção e à falta de acessibilidade em projetos culturais. Seguem os retrocessos quando o projeto também não menciona políticas de moradia – sobre as quais a LBI contém um capítulo específico – e ainda, conforme já citado, reforça a avaliação médica como critério central, ficando ainda mais claro seu caráter assistencialista.

Segundo o Coletivo Feminista Helen Keller, outro aspecto importante e que cabe destaque é o fato de o deputado impor essa mudança de forma acelerada e, principalmente, sem diálogo com as pessoas com deficiência, justamente o público diretamente afetado e prejudicado pela medida. Isso fere o direito constitucional de participação democrática e escancara a exclusão de vozes que deveriam estar no centro do debate.

Em fotografia, centralizado até a altura do peito, falando em um microfone e olhando na direção lateral à fotografia, aparece Duarte Junior. Ele é um homem branco, cabelos lisos pretos, olhos castanhos, usa um paletó azul, com camiseta branca internamente e gravata cinza. Ao fundo a bandeira do Brasil, ao longe uma parede branca. Fim da descrição.
Deputado federal Duarte Júnior (PSB do Maranhão), autor do projeto de substituição da Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Foto: Zeca Ribeiro / Câmara Federal | Zeca Ribeiro / Câmara Federal

Apesar das inúmeras mobilizações nas redes sociais e em audiências públicas de diversos movimentos de pessoas com deficiências, os defensores deste projeto construído apenas com a retórica de “construção coletiva”, eles sequer se mostram acessíveis e disponíveis para ouvir, o que reafirma a falta de diálogo com as pessoas com deficiência e pelas pessoas com deficiência.

O que está em questão é a proposição urgente de uma mudança legislativa sem a participação popular, acarretando na desconstrução de uma Lei que há mais de 10 anos tem representado a pauta das pessoas com deficiência.

Obviamente a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) precisa de ajustes e esclarecimentos – inclusive já previstos pelos próprios movimentos sociais -, mas a necessidade de mudanças específicas não justifica sua revogação em detrimento de um documento construído sem a transparência necessária, colocando em risco a garantia de humanidade e existência de um segmento já esquecido e cujo protagonismo é apagado tanto por conservadores como por progressistas.

Nesse contexto, repito os questionamentos dos coletivos e entidades (listadas abaixo) que repudiam profundamente o documento: “para que tanta pressa, deputado? Que interesses movem essa proposta, se ela não pode ser discutida abertamente com quem será impactado?”.

Associação Brasileira de Assistência à pessoa com Deficiência Visual (Lamara)
Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça)
Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Rio de Janeiro (ADVERJ)
Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (Aba)
Coletivo Comédia Sentada
Coletivo Feminista Hellen Keller
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
GT de filosofia DEF na Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof)
Instituto Caue
Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI)
Movimento Brasileiro das Mulheres Cegas e com baixa visão (MBMC)
Parada do orgulho PcD
Quilombo PcD
Urece Esporte e Cultura
Em apoio: Movimento Sem Terra no Agreste Meridional de Pernambuco

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