Outono de Carne Estranha, romance premiado do escritor marabaense Airton Souza, é um relato ficcional, com altos traços de realidade, sobre a crise humanitária que foi Serra Pelada, entre o final dos anos 1970 e início dos 1980.
Segundo o autor, a obra é inspirada nas memórias do seu pai, que atuou como garimpeiro na região, e também da sua mãe, mais uma das migrantes atraída pelos relatos de fartura e abundância que levaram o Brasil à febre do ouro.
A inquietação para o livro veio de uma percepção do escritor de como major Curió, que foi designado como gestor do garimpo pela ditadura, não foi devidamente reconhecido como um torturador nas diversas produções que contam a história de Serra Pelada.
“Isso me levou a escrever essa história e fazer esse recorte para também mostrar essa face horrenda ou esse modo de poder exercido por esse personagem real e que no romance é ficcionalizado”, explica em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quinta-feira (17), quando se completam 29 anos do Massacre de Eldorado do Carajás.
Para Airton Souza, mesmo separados por quase duas décadas, os dois episódios são intimamente ligados e indissociáveis. Cerca de 50 quilômetros separam a Curva do S, onde a polícia executou os 21 sem-terra, da Serra Pelada.
Mas, para além da proximidade geográfica, o que liga os dois acontecimento é a perpetuação da violência e o “estado de barbárie”, que segundo Airton Souza segue predominante na região sudoeste do Pará.
“Isso é barbárie, a região vive esse isolamento não só geográfico, mas o isolamento de todos os níveis que você possa imaginar. Isolamento cultural, social, histórico. E isso é proposital. É proposital justamente por conta das riquezas que a região tem. Isso tem a ver com essa apropriação dessas riquezas também.”
Confira a entrevista na íntegra:
Conversa Bem Viver: Você relaciona esses dois episódios, Serra Pelada e o Massacre do Carajás?
Airton Souza: Esses dois episódios, realmente, fazem parte de um contexto histórico da região sudoeste do Pará e eles estão intimamente ligados. Um tem a ver com o outro.
Sobretudo quando se descobre o garimpo, já no final da década de 1970 e início da década de 1980. Esse povoamento exacerbado da região vai provocar, no final das contas também, o nascimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST] na região.
Vai ampliar a luta pela terra por conta dessa grande quantidade de pessoas que vão vir à região. Então são dois episódios que estão intimamente ligados.
Antes de desenvolver mais essa sua ideia, conta pra gente qual a sua relação com Serra Pelada. Como ela fez parte da sua vida?
O meu livro Outono de Carne Estranha é parte da minha experiência com o garimpo de modo indireto, porque meu pai foi garimpeiro de Serra Pelada e minha mãe fugiu de casa no Maranhão também por conta das notícias do garimpo, ela era uma menina de 17 anos de idade.
O garimpo é uma espécie de ferida que atravessou a minha família inteira, atravessou a nossa casa o tempo todo e a maneira que eu encontrei pra mostrar essa ferida aberta foi escrever um romance.
O garimpo assombrou a nossa casa a vida toda.
O livro faz esse relato da Serra Pelada a partir da história de dois garimpeiros que têm um relacionamento homoafetivo. Por que você escolheu esse recorte?
O recorte parte, principalmente, da experiência dos meus pais. Mas tinha uma coisa que me incomodava muito, que continua me incomodando na história do do Brasil, principalmente ligada ao garimpo de Serra Pelada.
Que é a nuance de esconder os principais personagens que criaram o horror na região.
Então você tem várias produções sobre o garimpo, incluindo livros, incluindo filmes, documentários, matérias de jornais e em todos os casos tem uma figura muito emblemática que fica escondida por trás de toda essa produção e que deveria ser, na verdade, a figura de linha de frente.
Que é o major Curió. Então eu tinha essa inquietação, porque eu não conseguia enxergar nessas produções sobre o garimpo esse sujeito que era a representação do poder governamental na região sudeste do Pará.
Então isso também me levou a escrever essa história e fazer esse recorte para também mostrar essa face horrenda ou esse modo de poder exercido por esse personagem real e que no romance ele é ficcionalizado.
Então provavelmente é uma das primeiras produções ligadas à arte que você vai ter a representação desse sujeito.
O major Curió é a representação do Estado na região. Então ele é a representação do poder. E todas as mazelas que vão surgir e que vão se perpetuar na região, elas devem justamente essa relação de poder entre o Estado e a sociedade.
E eu precisava contar essa história para mostrar como essa máquina de poder agia na região, a partir de execuções, de tortura, a partir de ameaça, de ocupação dos espaços e de ocupação do discurso também.
A chegada do major Curió em Serra Pelada acontece nos últimos anos de ditadura militar, próximo a chamada transição democrática, mas ainda era ditadura. Te parece que tudo que aconteceu, todas essas cenas de horror e tortura, só aconteceram porque ainda vivíamos ditadura militar?
Essa é uma boa pergunta e tem uma resposta também muito boa. Provavelmente, aconteceria da mesma forma.
Porque a região de um modo geral ainda é uma região isolada. E não me refiro ao isolamento territorial, ao isolamento geográfico.
Mas há um isolamento feito dessa região que parte também do pensamento, da intelectualidade.
A nossa região é vista ainda como um espaço selvagem. Então, provavelmente, mesmo que a gente tivesse diante de um governo democrático, essa história também teria se dado nesse contorno de violência.
Porque se você pegar os índices de violência que acontecem no Brasil e fazer uma comparação por região, você vai ver que nós vivemos em uma na região de barbárie, numa região muito, muito problemática.
Não há um exemplo maior para mostrar para você como o Massacre do Carajás. Nós estávamos em um momento democrático, de retomada da democracia, já tinha havido eleições e mesmo assim você tem o Estado brasileiro assassinando 21 trabalhadores sem-terra, assassinados ao vivo, sendo transmitido ao vivo pela TV.
Isso é barbárie, a região vive esse isolamento não só geográfico, mas o isolamento de todos os níveis que você possa imaginar. Isolamento cultural, social, histórico. E isso é proposital.
Isso é proposital justamente por conta das riquezas que a região tem e que isso tem a ver com essa apropriação dessas riquezas também.
Te ouvindo, fiquei com a sensação que você está dizendo que a violência legitimada durante a Serra Pelada foi o combustível para que Carajás fosse possível…
É isso. Eu sempre enxerguei os dois episódios muito intimamente ligados. Depois que o garimpo surge, todas as lógicas que vão acontecer na região se dão a partir disso.
Então, eu nunca consegui desassociar essa ideia. A partir disso está vindo um novo romance meu que se passa no contexto do Massacre de Eldorado do Carajás, ele termina naquela cena do Massacre.
Importante comentar que toda essa barbárie foi implantada na região antes de tudo disso, a partir da década de 60, com a abertura das rodovias. São coisas que foram criando esses mecanismos de violência de modo mais efetivo.
A partir de tudo isso, como você define seu sentimento sobre o garimpo? É ódio, raiva?
Na verdade, eu nem sei explicar, porque é uma mistura, é uma mistura de sentimentos
Até por conta de eu ter nascido nessa região… eu devo isso também ao garimpo, em parte.
Dizer que eu sinto ódio, sinto raiva, seria um pouco raso da minha parte, porque foi o espaço também que configurou a relação amorosa entre meu pai e minha mãe. Foi o que gerou um aspecto de sobrevivência, não só para eles, mas para os filhos também deles.

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