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Conversa Bem Viver

‘Se puder, não vou escrever sobre a enchente’, conta autora que viveu tragédia e desistiu de morar no RS

Nathallia Protázio vivia há 5 anos em Porto Alegre quando a enchente chegou em sua casa e a fez nunca mais voltar

Nascida no interior de Pernambuco, Nathallia Protázio estava há cinco anos em Porto Alegre (RS), ganhando dinheiro como farmacêutica, mas aproveitando das possibilidades da cidade para fazer mestrado em literatura e publicar seus primeiros livros.

A pandemia foi um desafio enorme para a autora, principalmente por ter ficado na linha de frente trabalhando em farmácias. Mas o que realmente expulsou ela da capital gaúcha e a faz não pensar em voltar foi a enchente que atingiu o estado em maio do ano passado.

“O dia 6 de maio foi o dia que o fim do mundo chegou de verdade na minha vida”, relembra a autora em entrevista ao Conversa Bem Viver desta segunda-feira (12).

Quando a água bateu na porta de Protázio, ela juntou o que podia carregar e foi para a casa de uma amiga, iniciando uma peregrinação que acabaria, meses depois, de volta à casa onde nasceu, em Pernambuco.

“Não sou a pessoa que encarou a enchente, eu sou a pessoa que fugiu, eu sou a desertora da cidade e fugi por uma sensação muito pessoal. Na hora em que eu estava vendo todo aquele lance acontecer, vendo famílias se unirem, vendo gente encontrando mãe e tal… eu parei um momento e pensei ‘cara, o que eu estou fazendo aqui?’”, conta.

“É uma urgência muito íntima, porque não é a morte. Na enchente, eu estava sofrendo, não era coletivo, cada pessoa sofreu do seu jeito. Então, existe um momento de hesitação. E se me dá a oportunidade de hesitar, a minha primeira reação é ‘eu não quero falar sobre isso’.”

Protázio é autora dos livros A faxineira mais bem paga do Bomfim (Zouk, 2024), Pela hora da morte (Jandaíra, 2022) e Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020)

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Como foi aquele 6 de maio?

Nathallia Protázio: O dia 6 de maio foi o dia que o fim do mundo chegou de verdade na minha vida. A enchente no Rio Grande do Sul afetou o estado inteiro, incluindo as pessoas que não foram afetadas diretamente.

No meu caso, eu morava num térreo na Cidade Baixa [bairro de Porto Alegre] e na segunda-feira a água chegou. Era a água de recuo, então ela veio calmamente pela rua, como uma visita que fala “olha você tem tempo de sair”.

A gente não foi pego desprevenido durante uma madrugada, o que eu acredito que tira bastante peso do trauma, mas perdi meu apartamento.

Eu que sou cronista e trabalho tanto essa questão de criar ficção com o que acontece, não consegui criar ficção com a enchente. A enchente é muito real, ela é muito próxima e ela é imensa, ela é maior do que eu, então não fiz isso.

E nunca mais voltei, porque a partir daquele momento eu fui passando de casa em casa, fui para casa uma amiga, da casa da sua amiga, fui pra casa da avó de um amigo e aí depois eu fui pra casa da minha tia e aí fui subindo.

Fui pra praia, fui pra São Paulo, consegui chegar depois em Pernambuco, meses depois porque fiquei um tempo em São Paulo e nunca mais voltei pra onde eu morava.

Então outras pessoas limparam o meu apartamento, outras pessoas entregaram a chave para imobiliária, eu só fui pagando boleto, é muito caro deixar coisas pra trás, é muito caro perder objetos.

Não sou a pessoa que encarou a enchente, eu sou a pessoa que fugiu, eu sou a desertora da cidade e fugi por uma sensação muito pessoal. Na hora em que eu estava vendo todo aquele lance acontecer, vendo famílias se unirem, vendo gente encontrando mãe e tal… eu parei um momento e pensei “cara, o que eu estou fazendo aqui?”

Não tem nenhum parente meu no Rio Grande do Sul, meu parente mais próximo está em São Paulo. Se o mundo for acabar, eu não quero acabar do lado da família de outras pessoas. Eu quero acabar do lado da minha família, sabe?

Eu demorei muitos, muitos, muitos meses para aceitar o fato de que a situação que eu estava vivendo tem nome, um nome muito estranho: refugiada climática.

Não fosse a enchente, você continuaria em Porto Alegre?

Eu estava pensando no doutorado de escrita criativa da UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], tava mais ou menos decidida.

Eu tinha recém entregado minha dissertação, em abril, estava só precisando homologar, e estava procurando emprego na área da farmácia, que sempre me sustentou em Porto Alegre.

Mas a enchente, na maneira como aconteceu, eu diria que ela tem, sei lá, 90% de impacto de eu não querer voltar, porque eu retorno e eu ainda vejo o impacto da enchente.

Ainda hoje, maio de 2025… eu nem preciso retornar, mas quando eu encontro o descaso da prefeitura, as irresponsabilidades do governo do estado, tanto lugar que parece que foi ontem a enchente, e fora o fato de que provavelmente vai acontecer de novo, entendeu?

Eu não tenho nenhum argumento que me proteja psicologicamente da possibilidade de acontecer de novo.

Eu falei, “não vou morar no lugar para ficar esperando outra enchente”. Eu não acredito que retornar agora para Porta Alegre seria saudável.

As pessoas que estão em Porta Alegre, elas sabem o preço que elas estão pagando para estar todo dia num lugar onde o poder público, generalizado, não tá nem aí, por um sentido de prevenção, por um sentido de cuidado da sua população, um respeito pelo que aconteceu não tem, não tem nada disso.

As pessoas que estão em Porto Alegre, elas estão por sua própria força e pela força da sua comunidade. A cidade está a seu próprio cuidado. Não existe cuidado público.

Você publicou um livro sobre a pandemia. Qual a diferença desse evento para a enchente que neste caso você mesma disse que não é capaz de escrever alguma coisa?

É uma ótima pergunta. Não tinha parado para pensar sobre isso ainda, mas eu consigo te dizer que, primeiro, a pandemia foi a primeira grande desgraça que eu vivi.

Então eu acho que quando é a primeira coisa que você vive, desse nível muito fora do controle, a gente não sabe o que fazer.

E na ausência de um modus operandi, a gente faz o que aparece. E eu tinha acabado de fazer curso de vacinação, então na hora que a classe toda farmacêutica foi convidada pelo SUS do estado do Rio Grande do Sul a se voluntariar como vacinadores, pra mim era muito óbvio que eu ia vacinar e foi no mesmo.

Pra mim foi muito óbvio que eu devia fazer isso. Não houve tempo, não houve um momento para me perguntar se eu queria fazer isso.

Então, eu não tive a oportunidade de hesitar, eu não tive a oportunidade de dizer, “não, eu não quero falar sobre a pandemia”.

Na enchente, na hora que a água chegou, eu tinha certeza que eu não ia morrer, eu tinha certeza que eu ia sofrer. Que podia sofrer por falta de água potável, que eu podia sofrer por ausência de alguma coisa que eu precisasse, mas sabia que eu não ia morrer na enchente.

É uma urgência muito íntima, porque não é a morte. Na enchente, eu estava sofrendo, não era coletivo, cada pessoa sofreu do seu jeito.

Então, existe um momento de hesitação. E se me dá a oportunidade de hesitar, a minha primeira reação é “eu não quero falar sobre isso”.

Todas as crônicas que eu escrevi sobre a enchente para a Matinal [site de jornalismo e cultura em Porto Alegre] é porque eu precisava escrever, porque eu precisava do dinheiro. Eu não escrevi porque era um bom assunto, eu não escrevi porque eu achei que os textos ficariam bons, eu não escrevi pelo prazer literário, eu não escrevi pensando na longevidade, simplesmente eu escrevi porque eu precisava manter algum vínculo empregatício.

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

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