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‘Constrangimento é pedagógico’, diz diretor Rodrigo França sobre combate ao racismo

Em turnê, diretor da peça Migrantes fala sobre crise migratória, genocídio na Palestina e educação antirracista

Em turnê no Rio de Janeiro com a peça Migrantes, uma adaptação em português do espetáculo do premiado dramaturgo franco-romeno Matéi Visniec, o diretor, ator, filósofo e escritor Rodrigo França destaca a importância do debate sobre a crise migratória no mundo.

Para ele, mais que uma questão econômica, o atual cenário, marcado pelo deslocamento forçado de milhares de pessoas de seus territórios, evidencia um contexto de emergência humanitária. O problema é histórico e já era o tema central da versão original da peça, mas a adaptação de França traz a reflexão para a realidade brasileira.    

“A crise migratória muitas vezes é por sonho, mas, na maioria das vezes é por guerra, fome, desespero e ilusão”, avalia, em entrevista ao Conversa Bem Viver

Ele cita como exemplos os brasileiros que saem do Norte e do Nordeste em busca de melhores condições econômicas no Rio de Janeiro ou em São Paulo; as pessoas que se arriscam para chegar aos Estados Unidos; e aquelas que atravessam oceanos para ir até países da Europa. Para o diretor, algo liga todos esses exemplos: são fruto da lógica do sistema capitalista, racista e patriarcal. 

“Às vezes me dizem que ‘a humanidade errou’, mas a humanidade que continua errando tem cor,  classe, gênero e orientação sexual. A humanidade a qual eu pertenço não está errando, porque não tem o poder do ‘sim’ ou do ‘não’. Quando a população africana, afro-brasileira, indígena, etc, pensa numa solução para isso tudo, são invisibilizados”, enfatiza. 

Para ele, o que acontece neste momento com o povo palestino também evidencia a disputa de poder que está por trás de guerras e conflitos que expulsão populações inteiras de seus territórios. Desde outubro de 2023, quando se intensificaram os ataques de Israel na Faixa de Gaza, mais de 55 mil palestinos já foram assassinados, incluindo crianças, mulheres e idosos.  

“Quem é que está sendo sempre beneficiado, tendo privilégios? A quem é permitido viver? A quem é permitido somente a morte? A resposta está aí historicamente. É desesperador ver milhares de crianças, neste momento, passando fome porque é proibida qualquer ajuda humanitária”, questiona França. 

O diretor da peça ainda destaca um outro componente estrutural da crise migratória, o racismo. Ele também é o autor do livro O Pequeno Príncipe Preto, diretor do filme Barba, Cabelo e Bigode e interpretou Martin Luther King na peça Encontro de Malcolm X e Martin Luther King. Para França, um dos compromissos essenciais para a construção de uma sociedade mais justa é a aposta na educação antirracista e, nessa tarefa, “o constrangimento é pedagógico”.

“A educação antirracista passa por apresentar, na mesma condição de valores, diversos grupos.”

A peça Migrantes estreou em 12 de junho e fica em cartaz até o dia 13 de julho, no Teatro Firjan SESI Centro, no Rio de Janeiro. As apresentações acontecem nas quintas e sextas-feiras, às 19 horas, e aos sábados e domingos, às 18 horas. O valor do ingresso é R$ 40. Para obter mais informações, acesse o perfil @migrantes_teatro no Instagram.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – De onde veio a inspiração de trazer uma dramaturgia da Romênia e da França para a realidade brasileira?

Rodrigo França – Eu preciso falar daquilo que acredito que a sociedade tem que discutir. Não acho que a arte tenha o poder de mudar uma estrutura, mas ela tem condições de fazer com que quem está ali assistindo, ouvindo, vivenciando e experimentando possa refletir.  

O diretor Fernando Philbert, um grande amigo, falou: “olha, a gente precisa falar sobre essa crise migratória”.  Essa questão não está distante da gente. Para aquelas pessoas que visam só a relação econômica, estamos falando sobre alta do dólar,  petróleo, consumo, etc. Mas é triste quando a gente só pensa nisso e esquece a relação humanitária. Neste momento, milhares de crianças, mulheres, idosos e pessoas civis estão sendo assassinadas justamente por esse olhar apenas econômico.

Por mais que se fale, por exemplo, sobre Bíblia e terra santa, o que acontece é disputa de poder, disputa de petróleo. É sobre aquilo que o ser humano talvez tenha de mais perverso, a capacidade de colocar a humanidade em último plano e privilegiar o capital.

Nem os poderosos, quem diz o “sim”, conseguem gastar todo esse volume de dinheiro agora. Isso é acumulação de capital para centenas de gerações para frente. Então, estamos discutindo sobre humanidade. 

A minha adaptação da obra do Matéi Visniec é justamente trazer para o Brasil esse contexto. Não podemos esquecer que também há uma crise migratória em nosso país, provocada pela concentração de renda no eixo Rio-São Paulo. Quantas pessoas saem do Norte e do Nordeste brasileiros, por exemplo, acreditando que vão encontrar a dignidade no eixo no eixo Rio-São Paulo? Quantas pessoas saem do Brasil e atravessam o deserto do México, acreditando que vão encontrar dignidade nos Estados Unidos ou Canadá? E assim por diante. Pessoas cruzam o oceano para viver na Europa. A crise migratória é muitas vezes é por sonho, mas,  na maioria das vezes é por guerra, fome, desespero e ilusão. A gente fala sobre isso na peça, de uma maneira muito madura, responsável e séria. 

Meu espectador tem classe e tem cor. Eu tenho uma plateia que beira a 90% de pessoas negras. Também são vítimas e eu não posso violentar mais essa plateia. Então, de um tempo para cá, eu sempre falo também de esperança. Eu acredito na humanidade. Nessa humanidade que está ali me assistindo.

Às vezes me dizem que “a humanidade errou”, mas a humanidade que continua errando tem cor,  classe, gênero e orientação sexual. A humanidade a qual eu pertenço não está errando, porque não tem o poder do “sim” ou do “não”, no sentido geopolítico. Pelo contrário, quando a população africana, afro-brasileira, indígena, todos esses grupos que são silenciados diariamente, pensam numa solução para isso tudo,  são invisibilizados. 

Estamos falando sobre tudo isso na peça, mas, por ser arte, com uma camada de poesia e beleza, para que o público saia tendo consciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo, mas, ao mesmo tempo, saia tocado e acreditando que há esperança.

Como sensibilizar o povo brasileiro de que o que está acontecendo no outro lado do mundo, na Palestina, é um genocídio?

Cada vez mais, eu tenho desconfiança do termo empatia. Se você nunca vivenciou, não experimentou, talvez seja muito difícil se colocar no lugar. Mas eu gosto do conceito de humanidade. 

Por mais que tenhamos as especificidades culturais e geográficas, o constrangimento é pedagógico e, se você não se sensibiliza com um grupo que você não faz parte, mesmo que esse grupo tenha pessoas civis sendo assassinadas, você perdeu sua humanidade. 

No tempo que a gente vive, com internet, eu não acredito no “desconhecer” disso tudo. Porque está tudo escrito e sinalizado. A disputa por petróleo e terra. Nada justifica o que estamos vendo. 

Antigamente, só tínhamos a mídia hegemônica. Hoje, se você quiser procurar, basta buscar “genocídio do povo palestino” que você vai encontrar imagens, fotos e relatos. Na mídia tradicional, conseguimos ver jornalistas e especialistas de Israel falando sobre a guerra, mas não conseguimos ver pessoas da Palestina. Por isso, precisamos pesquisar, para poder entender, ter compaixão e provocar mudança.

É impossível no Brasil e no mundo não racializar. Quem é que está sendo sempre beneficiado, tendo privilégios? A quem é permitido viver? A quem é permitido somente a morte? A resposta está aí historicamente. É desesperador ver milhares de crianças, neste momento, passando fome porque é proibida qualquer ajuda humanitária.

O Brasil é um dos países que mais recebem refugiados do mundo. O refugiado que vem dos Estados Unidos, do Canadá ou de qualquer país da Europa, se ele é engenheiro, ao chegar em território brasileiro, ele é acolhido como engenheiro. Em contraponto, eu já conheci muitos refugiados do continente africano que são geniais, que são referência do seu ofício no seu país de origem, mas a essas pessoas, ao chegar no Brasil, o que é dado é faxina. 

Não é que a faxina não seja digna. É que a gente não respeita a humanidade dessas pessoas. Essas pessoas não têm escolha. Elas não têm o direito de escolher aquilo que elas se capacitaram para fazer. Eu estou falando de ofício, de dignidade, de uma relação econômica. 

Imagina o que acontece com essas pessoas que estão no meio de uma guerra. É negada a humanidade, a possibilidade de ter esperança e a possibilidade de viver.

Você disse que o “constrangimento é pedagógico”. Qual é o lugar desse método e do “confronto” na educação de uma sociedade antirracista?

Quando fazemos o confronto, nos colocam como negros raivosos ou qualquer outra coisa. Mas, se está errado, que se criem fissuras. A gente não pode ficar em silêncio. Quando eu digo que o constrangimento é pedagógico é principalmente para a parcela da sociedade que se coloca como progressista. A contradição é uma das características mais belas do ser humano. Mas existem contradições que são desonestidades e são criminosas.

Há uma camada, um filtro, para esconder perversidades e manter privilégios. Existe uma parte da sociedade que tem consciência do seu privilégio, mas que é perversa e assume essa perversidade. Por mais que se coloque como “cidadão de bem”, “a favor da pátria” e “a favor da família”, assume a sua própria perversidade. 

Ao mesmo tempo, existe uma parte da sociedade que é contra isso tudo, mas não se enxerga como agente de manutenção de opressão, de privilégio, de pobreza, de miséria e de desigualdade. Não adianta você se colocar como aliado, se você não tem consciência ou não utiliza seu micropoder para modificar uma estrutura.

Não adianta, se você não se sensibilizar, nesse Brasil que ainda é colônia da colônia em relação a alguns comportamentos, se nos seus passos de poder só tem pessoas brancas ou homens.

Muitas vezes até permitem um ou outro, porque é o Brasil se racializou como um país que só permite o “negro único”, “a negra única”, e se diz fazendo muito, mas quem está decidindo não é essa pessoa.

Eu falo que o constrangimento é pedagógico, porque eu vou cobrar essa pessoa. O outro lado já escolheu a opressão, a desigualdade e o fascismo. Então, eu vou cobrar daquele que está do meu lado.

Existem também outras formas de comunicação antirracista eficientes, algo que aparece muito na sua trajetória como escritor. Você é o autor, por exemplo, de O pequeno príncipe preto, que, a partir da literatura infantil, provoca reflexões sobre racismo. Qual é a importância de iniciar o letramento racial desde a infância?

Já me perguntaram se esse livro é só para crianças e eu respondo que é um livro para adultos. É para ser lido. Quanto mais a gente se relaciona e está num ambiente de diversidade e pluralidade, vai se criando uma educação antirracista. 

O que é racismo? Eu faço essa pergunta pensando inclusive no processo educacional para crianças. O racismo é uma estrutura de poder que codifica quem é bonito, quem é feio, quem gera confiabilidade, quem não gera, etc. 

Então, se eu ofereço uma única característica de boneca ou de leitura, a partir de personagens brancos, eu alimento o lugar da branquitude como universal. Se eu quero educar a partir de uma lógica antirracista, preciso apresentar outros aspectos, sinalizando que a beleza e a cultura são subjetivas. Confiar em alguém ou desconfiar não pode ser definido a partir da cor da pele, mas a partir da subjetividade e da individualidade. Minha escrita perpassa esse caminho.

Se eu estou apresentando para uma criança negra que ela é bonita, a partir da textura do seu cabelo, da forma do seu nariz e da sua boca, por exemplo, a criança que não é negra também vai entender que a textura do cabelo da colega só é diferente.

Para o leitor que é negro, que é negra, eu trago um banho de auto-estima, de importância do legado, de honrar a ancestralidade desde pequeno. 

A educação antirracista passa por apresentar, na mesma condição de valores, diversos grupos. 

Conversa Bem Viver

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

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