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Em novo livro, Cidinha da Silva compartilha lições baseadas na história de vida de Sueli Carneiro 

Publicação reúne coletânea de aprendizados ao longo de 39 anos de convívio com a escritora e ativista antirracista

Só bato em cachorro grande, do meu tamanho ou maior : 81 lições do método Sueli Carneiro é o 23º livro publicado pela escritora Cidinha da Silva, que já passeou por diversos gêneros literários como crônica, conto, ensaio, dramaturgia e infantil/juvenil. Em 2019, ela recebeu o Prêmio da Biblioteca Nacional, com o livro Um Exu em Nova York. No mesmo ano, foi finalista do Jabuti com o livro Explosão Feminista, do qual é coautora. Mais recentemente, foi ganhadora  do prêmio APCA, em São Paulo, com o livro infantil Mar de Manu.

O lançamento do recente trabalho integrou a programação da Feira do Livro de São Paulo, realizada em junho, e celebra os 75 anos da escritora, filósofa e ativista antirracista Sueli Carneiro.

Sobre o título da sua recente obra, Cidinha conta que a ideia surgiu a partir de uma conversa com Carneiro.

“Isso foi algo que Sueli me disse certa vez, em uma contenda política qualquer. Nós estávamos conversando, e eu queria que ela tivesse uma ação mais incisiva, mais agressiva até. Ela me disse, com um olhar muito cândido e tranquilo: ‘Cidinha, eu só bato em cachorro grande, do meu tamanho ou maior’”, relata.

“Então, para Sueli Carneiro, não é possível a disputa política em que ela vá para cima, digamos assim, com pessoas que não tenham condições de enfrentá-la”, destaca a autora. 

A tônica de seu novo livro é essa, reflexões sobre a trajetória de vida de uma das maiores intelectuais negras brasileiras, marcada pela luta incessante contra o racismo. 

“A linguagem de Sueli é uma linguagem bastante bélica. Ela é uma filha de Ogum, que é um grande general e um grande estrategista. Ela é uma estrategista, é uma pessoa que está à frente na posição principal de liderança nas batalhas. E sempre com esse sentido de respeito à outra pessoa, respeito ao tamanho da outra pessoa”, ressalta Cidinha da Silva. 

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Falando mais sobre esse lado combativo, tem uma frase que é impactante, forte, já faz um tempo que foi dita, mas com certeza tem alguma atualidade, que é: “Entre a esquerda e a direita, eu continuo sendo preta”. O quanto essa frase segue descrevendo o pensamento da Sueli Carneiro e o quanto centraliza a pauta racial, o combate antirracista como um modo de fazer política, de avançar em garantias mínimas de direitos humanos, de direitos básicos de fazer com que a Constituição atinja toda a população brasileira, inclusive, a população negra?  

Cidinha da Silva: A Sueli ao longo desses últimos 20 anos se indispôs um pouco com a utilização deturpada que muita gente fez desta entrevista ao pessoal do jornal Caros Amigos. E o que ela está afirmando ao dizer isso é a centralidade da temática racial para pensar a política no Brasil.

Se nós não enfrentarmos o problema racial que afeta diretamente a população negra no Brasil, a gente não enfrenta o cerne das questões que produzem desigualdade no nosso país.

É isso que ela está confirmando ao dizer essa frase, que continua fazendo sentido, com a ressalva de que a Sueli tem lado político, e esse lado político é o lado progressista, o lado transformador, o lado que compreende que não existe democracia com racismo, que é preciso terminar o racismo para que a gente tenha uma democracia que se sustente, que se justifique. Então, com essa ressalva, eu creio que a expressão continua tendo valor, ela continua pensando isso.  

Será que esse episódio pode ter causado um pouco de mudança na postura dela, de se sentir um pouco mais reservada a conceder qualquer entrevista, ou você acha que não tem necessariamente relação? 

Nunca conversamos sobre isso exatamente, mas talvez sim. À medida que as pessoas vão ganhando importância, vão se consolidando como grandes pensadoras, há uma tendência também de manipulação daquilo que as pessoas dizem. E do que eu conheço da Sueli, essa cena pública das entrevistas não é o lugar mais confortável para ela. De fato, ela é uma pessoa muito reservada, com pouca vida social, isso é característica dela, da personalidade dela, não é um personagem que ela criou.

Qual é a importância de desenvolver literatura com esse sentido antirracista?  Qual é a importância de a gente fazer livros para crianças, de modo geral, que consigam introduzir essa pauta do antirracismo, trazendo figuras negras como protagonistas desde esse primeiro contato com a literatura ao longo da vida? 

Eu acho que toda a literatura, incluindo a literatura para as infâncias, se beneficia de histórias que não foram contadas ainda, de enfoques que não foram dados, e esse tem sido o trabalho, essa tem sido a ação de autoras e autores que tradicionalmente estavam fora da escolha de livros nos programas de formação de acervo, e aí estão os autores e autoras negros. 

Então, me parece que é importante, nessa medida, que a gente possa contar as nossas histórias a partir do nosso enfoque. A mim, inquieta um pouco, mais do que inquietar, impacienta um pouco, uma certa perspectiva que quer dar função para a literatura de autoras e autores negros. A gente precisa poder escrever pela fruição, porque essa é nossa ação criadora. E aí a gente escolhe os temas que a gente quer tratar, e a diferença central é que o racismo é um tema que querendo tratar dele ou não, a gente vai tratar, porque é necessário.

A gente precisa ter espaço para criar, para escrever sobre o que a gente quiser, no momento que a gente quiser. Isso é também enfrentamento do racismo que achata a nossa subjetividade, que diz como é que a gente deve se comportar sendo uma pessoa negra. Então, a subversão disso é também combate ao racismo. 

Ana Maria Gonçalves acabou de ser eleita membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Isso lembra também que, em um ano, a ABL conseguiu colocar pela primeira vez uma mulher negra e também um autor indígena, no caso de Ailton Krenak, que também foi eleito como mais um imortal. Sem dúvida, algo para se comemorar. Um triunfo, algo importante que a nossa Academia Brasileira de Letras consegue minimamente começar a abarcar toda a nossa literatura.

Mas ao mesmo tempo, um lugar que foi formado pela legitimidade branca, ainda que o primeiro membro fundador da Academia Brasileira de Letras tenha sido um homem negro, Machado de Assis, mas que ao longo desses outros séculos foi composto exclusivamente ou quase exclusivamente por homens brancos. Como você enxerga esse momento em que a gente consegue fazer essas fissuras, essas rupturas. Elas são necessárias ou seria melhor que a gente ignorasse esse lugar que a princípio legitimou tantos homens brancos ao longo de décadas e séculos?

Eu acho que uma coisa importante é considerar a vontade das pessoas. Se a Ana Maria Gonçalves está lá, provavelmente ela teve vontade de estar. Ela deve ter sido convidada. Me parece que tem dois mecanismos na ABL. Tem aquelas pessoas que se apresentam, que pleiteiam a candidatura e tem outras pessoas que são convidadas. Eu tenho a sensação que a Ana deve ter entrado nessa categoria. Haja vista a votação que ela teve. De 31 votos possíveis, ela teve 30 votos.

Isso me interessa sobremaneira, porque ela não tem 30 votos por ser uma escritora negra. Ela tem 30 votos pela representatividade que a literatura dela tem na literatura brasileira, no sentido do espaço que ela conquistou na literatura brasileira.

Um Defeito de Cor, que é o principal livro dela, que é reconhecido pela crítica, é reconhecido pela imprensa cultural, reconhecido pelo povo, foi tema do carnaval da Portela no ano passado, é tema de uma exposição importante que está circulando o Brasil, é um livro que reinventa a posição das mulheres negras na historiografia brasileira. Então, é por isso que a Ana consegue conquistar esse espaço na Academia Brasileira de Letras, e isso é bastante importante. […] Eu acho que é uma renovação que dá jogo.

Acredito que essas pessoas tramem coisas interessantes para a academia nos próximos anos e, talvez, a ABL consiga nos responder nos próximos anos por que o querido Gilberto Gil entra para a Academia Brasileira de Letras, e o querido Martinho da Vila, não. A Academia é quem precisa responder isso, nos dizendo quais são os seus critérios.

Para fechar a nossa entrevista, gostaria que você compartilhasse um desses 81 métodos que integram o livro.

Eu vou ler a lição 32, que se chama “Só Bato em Cachorro Grande do meu tamanho ou maior”. Essa lição também é o Oriki de Sueli Carneiro. Ela só entra em brigas grandes, e os adversários, obrigatoriamente, precisam ter a sua estatura ou serem maiores. E não existe a possibilidade dela bater em alguém mais fraco, pois seria covardia, um significante descabido em seu repertório pessoal e mítico.

Um de seus mitos particulares de fundação é a defesa dos irmãos e irmãs no ambiente escolar da meninice. Muitas de nós, ao nos sentarmos no sofá de sua casa, ouvimos rememorar histórias de como defendia os familiares na escola, embora não os pudesse proteger da mãe. Adepta do se apanhar na rua, vai apanhar em casa também, Sueli tinha fama de brigona e brigava bem.

Já adulta, madura, encontrou, por acaso, um colega daqueles tempos. Se reconheceram, conversaram. Passada uma semana, o colega trouxe reverberações do papo. Havia comentado com outros dois contemporâneos sobre a conversa. Compartilhou suas impressões sobre Sueli. Ela era uma mulher vitoriosa e cheia de histórias para contar. Os amigos retrucaram: “Sueli, aquela que estudou com a gente na Vila Bonilha? Não, você está enganado. A Sueli já morreu, morreu nova. 

Que é isso, rapaz? Ela está viva. De onde você tirou essa ideia? Eu estou te falando, estive com ela, conversei. Ela está vivinha, bonitona, bem na fita. 

Os rapazes assistiram. 

Não acredito, deve ser uma sósia. Brigona do jeito que aquela ali era, ia morrer cedo. Alguém matou ela há muito tempo, com certeza.

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