Entre os dias 8 de agosto e 5 de setembro, no Teatro Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo, começa a nova temporada da aclamada peça Lady Tempestade, estrelada por Andrea Beltrão, com direção de Yara de Novaes e dramaturgia de Sílvia Gomez.
O espetáculo rememora o período da ditadura militar (1964-1985) através da história de Mércia Albuquerque, uma advogada pernambucana que dedicou a vida para cuidar de pessoas que padeceram nas mãos do Estado. Andrea interpreta A., uma mulher que tem contato com os manuscritos dos diários de Mércia, escritos entre 1973 e 1974, e se vê atravessada pelos relatos de coragem e resistência do passado.
Nesta edição do Conversa Bem Viver, Andrea Beltrão conta como é fazer essa personagem que tem contato com relatos tão fortes e intensos sobre a vida de Mércia, uma mulher corajosa que enfrentou muitas batalhas durante a ditadura. “Hoje nós recebemos essas informações tão duras e tentamos, às vezes, esquecer o que aconteceu. Só que esquecer não é uma opção, definitivamente”, relata Beltrão.
Ao mesmo tempo em que o passado é revisitado através da memória e dos escritos de Mércia, a peça também suscita questões políticas muito atuais.
“Na verdade, quando a gente resolveu fazer essa peça sobre a Mércia Albuquerque, não foi só na intenção de homenageá-la. Não que ela não mereça, […] mas a Mércia, além de ter sido tão importante no momento dela, é uma figura, uma mulher que fala ainda hoje. No momento atual em que a gente vive, um momento perigoso, apavorante, delicado, difícil e toda essa história de autoritarismo, ela não para de reverberar para gente, em 2025”, explica Andrea Beltrão.
Após uma primeira temporada que emocionou o público e fez com que os ingressos esgotassem em todas as sessões, a nova temporada de Lady Tempestade promete repetir o feito e entregar muita emoção e sensibilidade ao público, em mais uma história que não deve ser esquecida.
Confira e entrevista na íntegra:
Como a gente pode falar de Mércia Albuquerque, essa mulher pernambucana que nasceu em Jaboatão dos Guararapes, em 1935? Te parece que esse calor por buscar essa peça também tem um pouco da ânsia de encontrar a verdadeira história do Brasil?
Eu nunca tinha ouvido falar na advogada Mércia Albuquerque. Eu conheci e fiquei sabendo da Mércia através da Yara de Novaes, que foi fazer um filme chamado Zé, onde a Mércia aparecia como uma advogada muito importante que havia conseguido recuperar o corpo de um líder estudantil muito importante, chamado José Carlos da Mata Machado.
Então Yara fez esse filme, descobriu Mércia e foi atrás de informações sobre ela e conseguiu chegar até os diários que a Mércia escreveu entre 1973 e 1974, porque a Mércia adorava escrever. Diz ela, Mércia, que gostaria muito de ter sido poeta.
Então nesses diários, encontramos algumas poesias e muito material documental sobre aquele período, sobre o que ela passou, as pessoas que ela ajudou, as pessoas que ela perdeu, familiares que perderam seus entes queridos.
Na verdade, quando a gente resolveu fazer essa peça sobre a Mércia Albuquerque, não foi só na intenção de homenageá-la. Não que ela não mereça, ela merece, sim, todas as homenagens porque ela dedicou a vida inteira a cuidar de pessoas presas, perseguidas, torturadas, fragilizadas, vulneráveis que padeceram nas mãos do Estado.
Mas a Mércia, além de ter sido tão importante no momento dela, é uma figura, uma mulher que fala ainda hoje. No momento atual em que a gente vive, um momento perigoso, apavorante, delicado, difícil e toda essa história de autoritarismo, ela não para de reverberar para gente, em 2025.
E uma coisa linda que a Silvia Gomes, que é a autora da peça, descobriu na hora de fazer a tessitura do texto, a dramaturgia, foi que isso não aconteceu somente no passado. Essas coisas acontecem, aconteceram e acontecerão ou não, tomara que não, mas elas estão aí por acontecer também, dependendo do movimento das águas.
Enfim, então acho que a presença da Mércia hoje é, além de homenagem, é também a nossa presença, o nosso pensamento sobre como fazer para não voltar a um passado do qual a gente não gosta, do qual a gente se envergonha, no qual a gente perdeu muita gente por pensar diferente, por desejar a mesma coisa, mas de maneiras diferentes.
Então a Mércia, através dessa peça, a gente acha que ela vive, ela vive de novo, assim como as pessoas que são citadas no texto nominalmente revivem durante cada noite de espetáculo, porque elas são citadas, são faladas, são reverenciadas. O silêncio corta a sala, uma certa tristeza, mas não só tristeza, porque a Mércia era uma mulher muito ativa, muito ligada à vida, era uma mulher que amava viver, uma mulher completamente solar, muito corajosa, muito desaforada, enfrentou vários gafanhotos terríveis.
‘Gafanhoto’ é o nome que a gente dá a figuras sobre as quais não queremos falar, não queremos dar palco para essas pessoas, então a gente decidiu, assim como a Mércia usa no diário dela, chamá-los de gafanhotos, que são os torturadores, as pessoas que se esconderam covardemente atrás do que fizeram e até hoje não foram julgadas por isso.
Então fazer uma peça sobre a Mércia é denso, é profundo, mas é também um momento feliz de pensar sobre como foi a vida, como ela pode ser, como talvez ela venha a ser um dia.
A gente pode dizer que talvez a arte já fez mais do que a justiça pela reparação de tantos crimes no Brasil?
Não, acho que não. Porque essa é uma missão que não é dada à cultura, à arte, ao teatro, ao cinema, aos livros, aos quadros, às músicas, ao audiovisual. Essa missão se dada, talvez não seja bom aceitá-la, porque eu acho que, por exemplo, vou falar de Lady Tempestade, porque é a peça que eu tô fazendo agora.
Se essa peça fosse só uma peça de denúncia, uma peça meio palestra, uma leitura sobre o diário, seria interessante sim, por que não? Mas não seria uma obra de teatro e tendo a duvidar que as pessoas não teriam tanto interesse, porque a gente está aqui no palco, vocês que estão ouvindo a entrevista, tentem imaginar comigo um tapete lindo azul, todo mofado, estranho, uns alto-falantes bonitos, pequenos, elegantes, sóbrios, de onde saíram muitos sons durante a peça, uma mesa preta onde o som é criado e ligado durante o espetáculo, uma cachorrinha de pelúcia que representa a cachorrinha da Mércia, que se chamava Dó.
A gente tem uma placa ali “cuidado crianças”, que era uma preocupação constante da Mércia. A gente tem um sofá velho, todo rasgado, onde a Mércia se sentava e que eu diria que hoje nós recebemos essas informações tão duras e tentando, às vezes, esquecer o que aconteceu. Só que esquecer não é uma opção, definitivamente.
A gente tem um microfone, onde é lido o diário. Então toda essa arquitetura teatral, esse lugar que conta a história é muito importante. A luz, a Sara e o Ricardo que acabaram de ser indicados a um prêmio maravilhoso, eles vão ganhar esse prêmio. Eu quero que eles ganhem muito, eles merecem. Quem vê a peça vai ver por quê. Eles inventaram uma luz que se move como um fantasma.
Então, muitas vezes você tem a sensação de que tem um monte de gente no palco por causa da luz. Acho que isso é que faz virar teatro. Não é uma atriz sozinha contando uma história. O acontecimento fica um pouco menor quando você não faz teatro essencialmente, com a participação da plateia, não é uma participação passiva de espectador. Eu espero que seja sempre uma participação ativa, de reflexão, de provocação entre a plateia e eu. Então eu eu tenho sempre essa esperança que seja uma coisa ativa e não passiva.
E o teatro pode ser selvagem e maravilhoso e acho que essa peça é rebelde e desobediente e cheia de esperança.
Queria entender um pouco mais da onde partiu a ideia da peça e o motivo dela ser constituída por uma pessoa que está tendo um contato com os diários de Mércia?
Porque somos nós, porque nós estamos aqui também vivendo esse momento, nós vivemos esse momento lá atrás. Eu acho que existe alguma coisa no teatro, no cinema que é o seguinte, o tempo, ele não fica compartimentado no ano em que ele aconteceu. Eu acho que o tempo atravessa o espaço. Então, as coisas que aconteceram há anos podem estar acontecendo agora também e mais à frente.
Acho que esse cruzamento do tempo versus espaço aqui, agora, ontem, amanhã, é muito importante. E para contar a história da Mércia é importante que a gente se coloque de alguma maneira diante dessa história também.
Então, essa ideia que a Silvia e a Yara tiveram de trazer uma personagem que é a A., que eu interpreto, que é a pessoa que recebe esse diário e não sabe o que fazer com aquilo, não quer nem ler inicialmente, somos nós. Sou eu, somos nós, é um desconforto enorme, uma tristeza, uma vontade de fazer alguma coisa, mas a gente não sabe o quê muitas vezes, uma impotência e uma tristeza, uma pena, uma vontade de chorar.
E a Mércia era uma mulher que fazia coisas. Então esse encontro, esse embate entre Mércia e A. ou nós, é um embate lindo, muito interessante porque desperta a vida. Apesar dela relatar coisas muito tristes e muito duras, ela é uma mulher que saía no Galo da Madrugada [o maior bloco de carnaval do mundo, que sai no Recife] todo ano. É uma mulher que pintava as unhas toda semana, que ia ao salão de cabeleireiro, que gostava de ir ao shopping passear, que gostava de receber amigos até 5 horas da manhã, que tomava café às 6 horas da manhã sem parar, vivia com a casa cheia de gente.
Então acho que tem uma ligação muito forte entre vida, dor, esperança, morte. A morte é inescapável, mas é preciso morrer dignamente, morrer em paz, não ser levado à morte por ninguém. Ninguém tem o direito de matar ninguém.
A peça estreou em 4 de janeiro de 2024, uma época que Ainda estou aqui estava sendo concebido. Tem alguma coincidência aí…
Uma coincidência maravilhosa. Eu fico felicíssima com essa coincidência porque Fernanda e eu, nós trabalhamos juntas cinco anos diariamente em Tapas e Beijos. E o programa termina, cada uma vai viver sua vida, a amizade continua, o amor imenso para sempre transborda, tudo certo, tudo no lugar, uma relação de afeto imenso. Mas a gente foi cada uma fazer suas coisas, viver, procurar seus desejos por aí.
E quando eu vejo que começo a fazer um trabalho sobre a ditadura e a Fernanda também, eu achei muito curioso, eu achei muito bonito. Acho que se a gente tivesse combinado não teria dado tão certo. Então eu me sinto muito bem acompanhada pela Fernanda nessa contação de histórias, que não é uma contação para tristeza, ela é triste, mas ela é para vida.
Você não teve a oportunidade de conhecer a Mércia Albuquerque, mas se ela estivesse aqui sentada, ouvindo a peça, o que você falaria para ela? Ou o que será que ela falaria para você?
Eu não diria nada, não conseguiria dizer nada. Acho que eu ia dar um abraço bem forte, ficar aninhada no colo dela o maior tempo possível, olhando para ela, vendo o sorriso dela, que ela sorri com os olhos apertadinhos e sai um brilho do olho dela, baixinha, gordinha, gostosa, linda. Eu imagino ela muito cheirosa, muito amorosa, um colo gostoso de estar, mas eu não diria nada porque ela já me disse tudo.

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.
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