Primeiro manauara a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), Milton Hatoum foi escolhido, na última quinta-feira (14), para o posto. O escritor, professor e tradutor recebeu 33 dos 34 votos, e garantiu, assim, uma vaga de “imortal”.
Hatoum foi eleito na primeira vez em que se candidatou e sucederá o jornalista e escritor Cícero Sandroni, que morreu em junho deste ano. O romancista já venceu três prêmios Jabuti e é autor de obras reconhecidas mundialmente, como Relato de um Certo Oriente e Dois Irmãos. Boa parte de suas obras foi adaptada para o cinema.
Em entrevista ao Conversa Bem Viver, ele conta o que o incentivou a concorrer à cadeira e comenta sobre como as realidades amazonenses estão presentes em seus textos.
“Há uma renovação na Academia e espero que o nosso Congresso Nacional seja renovado também. Então, eu quis colocar, modestamente, o mapa do Amazonas, de Manaus, na nossa literatura. Mas tentando evitar o pitoresco e a literatura regionalista rasa”, afirma.
Atento aos acontecimentos do país e do mundo, Hatoum também enfatiza a importância de denunciar o massacre do povo palestino na Faixa de Gaza.
“O que eu quero dizer para aqueles que ainda hesitam em chamar de genocídio o que está acontecendo [em Gaza] é que centenas de grandes intelectuais, os maiores historiadores do Holocausto, inclusive israelenses, como Omer Bartov, afirmam categoricamente que trata-se de um genocídio”, enfatiza.
Em outubro deste ano, o escritor lança Dança de Enganos, terceira obra de uma trilogia que tem entre os temas o autoritarismo e a violência do regime militar no Brasil.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: O senhor esperava ser escolhido pela Academia Brasileira de Letras na primeira vez em que se candidatou?
Milton Hatoum: Para ser sincero, não. Havia indícios de que eu seria eleito. Um grupo de colegas e amigos me estimulou e estava apostando na minha candidatura, mas eu não pensava que seria assim, quase por unanimidade. Ainda bem que não foi uma unanimidade.
Foi um longo processo. Há mais de 10 anos, uma amiga da Academia, a escritora Ana Maria Machado, havia sugerido que eu me candidatasse. Por timidez, eu declinei o convite. De dois anos para cá, outros amigos também me estimularam. E eu, agora, decidi me candidatar e deu certo.
A Academia Brasileira de Letras vem passando por um processo de renovação, com a escolha de nomes como os de Fernanda Montenegro, Ailton Krenak — o primeiro indígena — Gilberto Gil e Ana Maria Gonçalves, uma mulher negra. Isso te incentivou de alguma forma?
Certamente foi um incentivo. Eu acho que está havendo uma mudança na instituição. Esses nomes que você citou e outros são intelectuais de peso que entraram na Academia e me incentivaram e estimularam. Há uma renovação na Academia e espero que o nosso Congresso Nacional seja renovado também.
Não vou comparar nem de longe a qualidade dos membros da Academia com a qualidade da maioria do Congresso, em que, se você somar o centrão e a extrema direita, é um congresso lamentável, sem dúvida, o pior das últimas décadas.
Mas acho que há intelectuais, historiadores, filólogos, jornalistas, escritores excepcionais. A ABL foi fundada por um grupo de escritores liderado pelo maior escritor da América Latina do século 19, Machado de Assis, que será sempre um dos grandes escritores da nossa língua.
Os contos de Machado estão à altura dos grandes contistas russos e europeus do século 19. Não é pouca coisa. O Machado realmente foi um escritor poderoso, e não era um homem branco.
As origens e o fato de ele ser um mestiço negro foram ocultadas durante muito tempo. Isso é muito forte simbolicamente. O Machado simboliza muita coisa para nossa literatura e cultura brasileira, com a complexidade e inovação da obra dele. Estou contando essa história para dizer sobre o que significa o fundador da ABL.
Inicialmente, foi basicamente uma “academia de letras”, de escritores, poetas, mas também de ensaístas, como José Veríssimo, que foi um crítico importante, inclusive de Machado. Eu, infelizmente, fui o primeiro escritor do Amazonas a ingressar na academia. Eu digo infelizmente porque há outros escritores importantes que poderiam também ter se candidatado e entrado.
Qual é a importância de ter alguém do Amazonas ocupando uma cadeira na ABL? Como a região amazônica aparece na sua obra?
A Amazônia é vista muito a partir da questão da floresta e da questão indígena, que são fundamentais, porque a floresta e as civilizações dos povos originários são coisas entrelaçadas. É impossível pensar na cultura indígena sem a floresta, sem a natureza.
O livro maravilhoso A Queda do Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, conta sobre essa relação íntima e inseparável entre a natureza, a floresta e os indígenas, que formam todo um sistema complexo de cosmogonia, símbolos e vida cotidiana.
Mas há uma Amazônia também urbana. 70% ou mais da população da Amazônia, o que equivale a mais de 30 milhões de brasileiros, moram em centros urbanos, em metrópoles, nas capitais ou em comunidades em cidades pequenas. E essas metrópoles são muito problemáticas. Elas têm todos os problemas — ou mais — das metrópoles do Sudeste.
Manaus e Belém são cidades com alto grau de violência. De acordo com o último censo do [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] IBGE, são cidades em que a maioria da população não tem acesso à linha de esgoto e saneamento, por exemplo. Isso é uma tragédia.
O que aconteceu durante a pandemia em Manaus também foi horrível. As pessoas morreram por falta de oxigênio. Morreram muitos amazonenses. No interior do estado, que é o maior do Brasil, só havia um município com UTI. É um escândalo isso.
Eu sou amazonense urbano, nasci em Manaus, passei minha infância e minha primeira juventude em Manaus. Depois, eu conheci o interior do Amazonas, o interior do Pará, Rio Branco e um pouco dos outros estados da Amazônia.
Então, eu quis colocar, modestamente, o mapa do Amazonas, de Manaus, na nossa literatura. Mas tentando evitar o pitoresco e a literatura regionalista rasa, porque há também uma literatura regionalista que é universal. É a grande literatura dos escritores nordestinos, por exemplo, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e muitos outros.
Isso para mim foi importante, dar ao meu quintal um alcance mais geral, aos dramas e conflitos humanos de uma casa de uma família em Manaus, explorando temas que me são também íntimos, como a imigração. Manaus sempre foi uma cidade muito rica, do ponto de vista da sua formação socioantropológica, com famílias de origens muito distintas, inclusive indígenas.
A questão indígena está presente no meu romance. Uma personagem de Dois Irmãos, por exemplo, Domingas, é uma mulher indígena. Isso foi pensado em 1990. O filho dela é o narrador do romance, e é um filho natural com um dos dois irmãos, mas ninguém sabe quem é o pai. O leitor não vai saber quem é o pai porque eu também não sei.
Então, esses dramas humanos são mais importantes, no fundo, do que a própria geografia, embora Manaus esteja muito presente não como um adorno, mas como um cenário problemático no desenvolvimento das minhas narrativas, em Dois Irmãos e Cinza do Norte, por exemplo.
Eu quis trabalhar nesse sentido, trazendo o drama familiar e expandindo esse drama à cidade e mesmo ao país, porque o pano de fundo desses romances é um período obscuro da nossa história, a ditadura militar.
Não são romances políticos, mas a questão do autoritarismo e da violência está colocada nesses romances. Depois, eu continuei seguindo a minha experiência de vida publicando A Noite da Espera e Ponto de Fuga e, agora em outubro, o terceiro volume, Dança de Enganos.
Eu tinha 12 anos quando aconteceu o golpe militar e, até os 30 anos, vivi sob uma ditadura. Isso me marcou muito, marcou a minha geração. Então, os dois romances da trilogia mostram a formação desses jovens, que se dá no contexto da ditadura, embora não sejam romances políticos.
O senhor tem acompanhado o que vem acontecendo na Faixa de Gaza. Há esperanças de superação do genocídio do povo palestino?
É difícil falar da esperança diante dessa tragédia inominável que está ocorrendo neste momento, há praticamente dois anos. Mas o que eu quero dizer para aqueles que ainda hesitam em chamar de genocídio o que está acontecendo é que centenas de grandes intelectuais, os maiores historiadores do Holocausto, inclusive israelenses, como Omer Bartov, afirmam categoricamente que trata-se de um genocídio.
Não são mais apenas palestinos ou estrangeiros ou árabes que estão falando isso. Os próprios intelectuais judeus, historiadores do Holocausto, pessoas que dedicaram a sua vida estudando o horror que foi o nazismo, afirmam categoricamente que se trata de um genocídio na Palestina.
Eu não sei mais o que dizer, porque ser tachado de antissemita a essa altura de uma tragédia que está à vista de todos não vale mais. Não cabe mais essa pecha de antissemita a quem está criticando a carnificina cometida pelo Estado de Israel.
Conversa Bem Viver
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