O Brasil está cada vez mais próximo de ter a sua Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola (PNASQ). O tema foi amplamente debatido na última semana, durante o 1º Seminário Nacional de Saúde Quilombola: Tecendo Redes de Aquilombamento e Antirracismo para a Equidade Étnico-Racial no SUS, que aconteceu entre os dias 15 e 17 de agosto, em Alcântara, no Maranhão.
O encontro contou com a participação de mais de 450 pessoas, entre lideranças quilombolas, gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), representantes do governo federal e pesquisadores de instituições de ensino.
Para Mateus Brito, membro do Coletivo Nacional de Saúde Quilombola da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (Conaq), o seminário representou um marco para o país e ajudou a consolidar uma rede de fortalecimento da saúde de povos e comunidades tradicionais.
“Tínhamos tanto a força de organização política dos movimentos, mas também de reafirmação da nossa ancestralidade, da nossa força, da nossa resistência histórica. O evento foi um sucesso e a nossa avaliação é de que representa um marco para a criação da política”, avaliou, em entrevista ao Conversa Bem Viver.
Como síntese dos debates, será lançada nos próximos dias a Carta de Alcântara, com os principais pontos que devem orientar a política. Em breve, o tema também será discutido pelo Conselho Nacional de Saúde.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – O primeiro Seminário Nacional de Saúde Quilombola pode ser considerado um marco?
Matheus Brito – Na verdade, foi o primeiro seminário, no âmbito do SUS, promovido pelo Ministério da Saúde, voltado ao tema específico da saúde da população quilombola. O tema do seminário foi Tecendo redes de aquilombamento em antirracismo para a promoção da equidade étnico-racial no SUS, colocando como pontos centrais os temas do antirracismo, do aquilombamento e da necessidade de se avançar na promoção da equidade étnico-racial dentro do SUS, enfrentando as desigualdades sociais, mas também de cunho étnico-racial que a população quilombola e outros grupos enfrentam.
Esse seminário foi fruto de uma reivindicação do conjunto dos movimentos sociais quilombolas, inclusive da própria Conaq, que encontrou no Ministério da Saúde um parceiro para conseguir dar esse passo de reunir em um fórum representantes e lideranças quilombolas de todo o país.
Foram mais de 100 territórios quilombolas representados ,além de gestores do Sistema Único de Saúde, pesquisadores, professores, docentes e estudantes. Ou seja, unindo o território e as lideranças, com a universidade e com a gestão
A proposta da Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola foi o ponto central de debate no seminário? Quais são as perspectivas?
O conjunto dos movimentos sociais presentes — quilombolas, mas também de pescadores, geraizeiros, quebradeiras de coco babaçu, apanhadores de flores sempre vivas, etc — reivindicaram a criação dessa política.
O Ministério da Saúde estava presente com uma representação do próprio ministro Alexandre Padilha, que se comprometeu em dar os passos necessários para que a política seja efetivada.
Temos a expectativa de que ela seja publicada até novembro deste ano, no processo da COP 30, mas isso depende de uma série de processos burocráticos, como em qualquer política nova que é criada no SUS. De todo modo, nossa avaliação é de que essa proposta de criação da política saiu muito fortalecida.
Tínhamos não só representantes do Ministério da Saúde no seminário, mas também da Secretaria Geral da Presidência da República, do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério de Desenvolvimento Agrário e de uma série de órgãos que fizeram parte do processo de construção e de debate sobre a política.
O produto final do seminário foi um documento chamado Carta de Alcântara, que possivelmente será publicado ainda nesta semana. Mais de 50 movimentos sociais e organizações de todo o país presentes assinaram essa carta, que tem como ponto principal a defesa da criação dessa política, a partir de 10 a 13 pontos prioritários.
A Carta de Alcântara também é resultado dos debates feitos ao longo do seminário. Avaliamos que esse documento, o movimento e todo o capital político que foi fortalecido vão gerar o impulso necessário para que essa política saia ainda neste ano.
A escolha de Alcântara para receber o seminário também não foi sem motivo. É um território do estado do Maranhão com o maior número de quilombos do Brasil. Mais de 75% da população de lá se autodeclara quilombola. Então, foi tudo muito simbólico e forte politicamente e espiritualmente, na ancestralidade.
Tínhamos tanto a força de organização política dos movimentos, mas também de reafirmação da nossa ancestralidade, da nossa força, da nossa resistência histórica. O evento foi um sucesso e a nossa avaliação é de que representa um marco para a criação da política.
A política ainda seguirá para votação no plenário do Conselho Nacional de Saúde. Quais são os outros passos necessários até a implementação?
Estamos tendo neste momento, em Brasília, a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e todas as energias estão focadas nisso. A expectativa é de que no mês que vem a gente consiga debater a criação da política já no Conselho Nacional de Saúde.
Se for aprovada, ela já vai passar a existir. Não será ainda uma lei, um decreto ou uma portaria, mas vai ser pelo menos uma resolução no âmbito do Conselho Nacional de Saúde, o que já é um marco de nascimento oficial.
Depois, vamos seguir na luta para a política virar uma portaria, a partir da aprovação de uma comissão tripartite de intergestores, o que depende de consenso e engajamento dos secretários municipais e estaduais de saúde. A Carta de Alcântara é direcionada a esses atores.
No seminário, conseguimos perpassar por diversas dimensões da saúde quilombola e foi muito bonito ver o quanto o processo de construção da política tem sido participativo. Ao todo, passaram pela sede do Instituto Federal do Maranhão, nos três dias, mais de 450 pessoas.
Tivemos diversas atividades, como mesas redondas, painéis temáticos e coletivos temáticos. O evento buscou deixar um legado também para o município de Alcântara. Além disso, a comissão organizadora do seminário contratou artesãos quilombolas de Itamatatiua e de Santa Maria para produzir bolsas de fibra de buriti e moringas de cerâmica de barro que foram distribuídas como kits no evento, fortalecendo a economia solidária.
Foram mobilizados mais de 70 agitadores culturais, mais de 70 artistas populares e quilombolas, que se apresentaram e fizeram giras culturais ao longo de todo o evento. Houve uma série de expressões da cultura quilombola, mas que também são saúde. Isso também é promoção da saúde.
Também foram feitos atendimentos, com uma feira de saúde e cultural. Artesãs conseguiram comercializar suas produções e a feira de saúde fez mais de 140 atendimentos para os quilombolas de Alcântara, principalmente com vacinação, retinografia e testagem.
O evento foi um caldeirão de SUS e de saúde quilombola. O que a gente defende como saúde quilombola estava ali presente de diversas formas.
Nós temos, no Brasil, 98% de comunidades quilombolas vivendo sob risco de conflito fundiário e isso impacta na saúde mental da população. Como esse tema foi tratado no seminário?
O tema da saúde mental apareceu com destaque no seminário. Existem alguns projetos, em parceria com a Conaq e algumas universidades, como a Unilab, de promoção da saúde mental em meio a conflitos socioambientais em quilombos.
Essas experiências foram apresentadas e debatidas. Foram distribuídos também, nos kits para os participantes, algumas cartilhas de saúde mental quilombola, com informações, orientações e detalhes sobre o próprio projeto de saúde mental que está em curso.
O tema apareceu de diversas formas, foi discutido dentro de todos os grupos temáticos e apareceu também na plenária final e na própria Carta de Alcântara, que tem um ponto específico sobre a saúde mental.
Sobretudo a partir da pandemia, a saúde mental se agravou sobremaneira dentro das comunidades quilombolas. A Rede de Saúde de Atenção Psicossocial (RAPs) começa na atenção primária, mas sabemos que é muito difícil promover saúde mental na atenção primária, que acaba ficando muito concentrada nos CAPs, que são estruturas que não estão dentro das comunidades quilombolas.
Os CAPS estão sempre na zona urbana, em municípios que têm acima de 15 mil habitantes. Portanto, não é um serviço que chega dentro dos territórios quilombolas. Uma das coisas que estamos pautando é que é preciso repensar a rede de atenção psicossocial, sempre em uma perspectiva antimanicomial e antirracista.
Os debates também passaram pelo tema da qualidade de vida. Ter saúde mental é ter o que comer, ter lazer, ter escola, trabalho, etc. Se a gente não tem nada disso, dificilmente vamos conseguir ter uma saúde mental e integral de uma forma geral.
Isso passa muito também pela dimensão da demarcação dos territórios quilombolas. Não se tem saúde sem o direito à terra. Isso é o que os quilombolas reafirmaram no seminário. O debate sobre direito à terra é central nesse processo e sabemos que os conflitos socioambientais vão diminuir se tivermos o direito constitucional à terra garantido. Isso foi uma coisa repetidamente pontuada no seminário e vai sair na Carta de Alcântara também.
Discutimos também uma dimensão de reconhecimento do SUS sobre a existência da população quilombola, sobre a identidade étnico-cultural e étnico-racial dessa população. Foi lançado o Zé de Gotinha quilombola, uma ação do Ministério da Saúde junto com a Conaq, fruto da reivindicação dos movimentos quilombolas. Ele tem um turbante, representando a cultura quilombola nas cores do pan-africanismo. Tem um tambor de crioula também que representa essa socialidade.
A ideia é que ele possa, a partir de agora, ser uma espécie de símbolo dessa política de saúde quilombola e dos próprios processos de vacinação dentro dos quilombos.
Como você, liderança quilombola que estuda saúde popular e defende o SUS, saiu desse seminário? O que te tocou mais?
Eu saio muito fortalecido. O seminário serviu para criar e fortalecer uma espécie de rede nacional de pessoas que estão engajadas e lutando pela saúde quilombola. Esse é um grande resultado do evento: o fortalecimento de vínculos, de redes e de contatos. Pretendemos dar seguimento a isso criando uma Rede Nacional de Saúde Quilombola, a partir do seminário, operando por grupo de WhatsApp e por outros meios de comunicação, para que a gente consiga avançar com parcerias e projetos conjuntos.
Outra coisa que me tocou muito foi todo o processo em torno do reconhecimento da companheira Graça Epifânio, que foi a fundadora e primeira coordenadora do coletivo de saúde quilombola da Conaq, que nos deixou, “ancestralizou” no ano passado.
Ela foi uma das idealizadoras e organizadoras desse debate sobre a criação da política de saúde quilombola. O Ministério da Saúde reconheceu oficialmente a sua contribuição na defesa do SUS e fez uma homenagem para as filhas dela, que estavam presentes nos seminário.
Isso não é um capricho. Na verdade, é parte essencial da própria identidade da cultura quilombola, o culto à ancestralidade, o respeito à ancestralidade. Isso é uma coisa central quando a gente fala de povos e comunidades tradicionais de uma forma geral.
Conversa Bem Viver
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