A exposição Brincantes da Burrinha nas Margens do Atlântico Negro, que investiga as raízes africanas na cultura popular pernambucana, chega à Recife (PE) nesta segunda-feira (1º), no Centro de Arte e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A obra consiste em uma expedição fotográfica que mostra, ao mesmo tempo, como a diáspora negra africana chegou ao Brasil e como os “retornados”, como são chamadas as pessoas que vieram do Benin ao país e depois retornaram para sua terra de origem, levaram a cultura produzida nos quilombos brasileiros para o continente africano.
A exposição, que agora chega em Pernambuco, já passou pelo Benin, e ainda será exibida na Bahia e no Ceará.
Organizadoras da mostra, Roberta Guimarães, fotógrafa especializada em estudos cinematográficos, e Joana D’Arc Lima, pós-doutora em História, curadora, pesquisadora em artes visuais e professora adjunta do curso de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), contam sobre o processo de criação e a importância da exposição.
“O que nos parece é que existe a construção de uma identidade de resistência de um grupo social baseada na organização e na criação também. As famílias são identificadas como família Souza, Barbosa, Amaral, com sobrenomes do Brasil”, destacam, em entrevista ao Conversa Bem Viver.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Como foi o processo de criação da exposição?
Joana D’Arc Lima – A nossa pesquisa começa em 2020 — na verdade, em 2018. É um marco superimportante. É bom lembrar que 2016 foi o ano do golpe contra Dilma Rousseff. A gente, na universidade, sentiu um impacto gigantesco e, nesse período, também estávamos com a implementação da Lei 10.639/03, que é a lei que exige de nós, educadores e educadoras, professores e professoras, que entremos com os estudos da África e da cultura afro-brasileira.
Eu e Roberta estávamos muito envolvidas com essas questões. Somos mulheres brancas, mas estávamos envolvidas com o estudo da história da África e das diásporas. Em 2018, completaram-se 60 anos da viagem do Roger Bastide e do Pierre Verger para a região do Golfo do Benin, que ficou marcada por ser a região que enviava africanos, famílias e crianças para serem escravizados nas Américas. Não só no Brasil, mas particularmente no Brasil, um número gigantesco de corpos, de pessoas, chegou por aqui.
Então, a gente estava discutindo essa viagem, que era, em síntese, um fotógrafo e um sociólogo. Em torno desse epíteto, nós criamos um projeto que era um pouco para rememorar esse evento.
Nós iríamos ao Benin para poder verificar, olhar e levantar questões acerca da presença de uma brincadeira que se chama burrinha, que acontece nas cidades de Uidá e Porto-Novo, no Benin. Por quê? Porque Pierre Verger e Roger Bastide, apoiados também pelo pensamento gilbertiano, consideraram que essa manifestação, essa brincadeira, esse gesto, essa herança afro-brasileira na cidade de Uidá, denominada de burrinha, tinha semelhanças e conexões com o cavalo-marinho e a burrinha de Pernambuco.
Essa construção narrativa foi feita pelo Verger, pelo Gilberto Freyre, pelo Bastide e pelo Antônio Olinto, que era um escritor, e a gente foi recolhendo essas narrativas.
O objetivo da pesquisa era ir para o Benin e olharmos 60 anos depois, levantando questões acerca dessas similitudes e, talvez, também diferenças. Em síntese, do ponto de vista conceitual, a pesquisa caminhou por aí.
Quais foram essas constatações 60 anos depois? Podemos dizer que o Benin tem um tanto de Pernambuco?
Roberta Guimarães – Tem bastante. Uma coisa que nos surpreendeu foi que, aqui em Pernambuco, a gente tem a burrinha que acontece em Goiana, uma cidade próxima. Normalmente são crianças que participam com alguns instrumentos de batuque, e dançam com essa burrinha. Às vezes são quatro, cinco crianças e eles saem pela cidade pedindo dinheiro.
Tem um encontro das burrinhas durante o Carnaval. Então há desfiles dessas burrinhas, mas a ideia é a de arrecadar dinheiro. Quando a gente chegou lá em Benin, não sabíamos ainda direito como era a burrinha de lá. Quando fomos registrar — fotografar e filmar — a apresentação, começou a se configurar não a burrinha, mas o cavalo-marinho que a gente tem aqui em Pernambuco.
Porque, por exemplo, a burrinha de Goiana, como é chamada, não tem banco; ela está na rua, anda a rua toda — diferente do cavalo-marinho. No cavalo-marinho, tem o banco, tem os músicos, tem as figuras que vêm se apresentar para o banco dos músicos. E, assim, quando a gente bateu o olho, dissemos: “isso aqui não é burrinha, é um cavalo-marinho”.
As figuras são figuras de animais, por exemplo. Têm dois bonecos enormes que a gente já associou aos bonecos gigantes de Pernambuco. São diferentes porque, nas máscaras deles, as cabeças são menores.
Aqui em Pernambuco, em Olinda principalmente, a gente tem cabeças enormes nos bonecos — eles são bem grandes. Mas a gente começou a ver essas figuras entrando e fazendo associações.
É evidente que os animais são diferentes. Lá tem um camelo, tem um macaco. Aqui a gente tem a burrinha e o boi, que também tem lá. Então, a gente começa a fazer essas associações, e as pessoas que praticam a burrinha lá cantam música em português e não sabem a língua. Isso também nos impressionou: eles estão ali cantando certas canções e não sabem a língua.
Essa coincidência foi muito forte. É rico, como também é rico o nosso cavalo-marinho aqui. Lá, a apresentação iniciou à tarde, mas, aqui em Pernambuco, as apresentações de cavalo-marinho começam à noite, por volta de 21 horas, e vão até a madrugada.
O boi, que é a figura principal, só sai quando o sol nasce. Então, tem essas diferenças. E, durante a noite, aqui em Pernambuco, são mais de 70 figuras que se apresentam — figuras que têm a ver com o cotidiano da Zona da Mata. São riquezas distintas e, ao mesmo tempo, com semelhanças.
Existe uma África que se desenvolveu no Brasil?
Joana D’Arc Lima – Totalmente. A primeira coisa que eu queria citar é essa história dos retornados. Isso não é um assunto exclusivamente nosso, mas já foi estudado por muitas pessoas. Inclusive a viagem do Verger e do Bastide tem esse marco histórico. Depois disso, tem o Milton Guran, que tem um longo estudo na década de 1990.
Gilberto Gil foi para lá também na década de 1990. Há um filme que registra essa passagem do Gil. Um artista de Pernambuco, José Cláudio, também esteve lá. O Simplício Neto também foi para lá produzir um filme sobre os retornados.
O que significa? Significa pensar nesse conjunto de pessoas africanas e africanos que estavam aqui no Brasil no final do século 19 e que retornam numa situação de exílio. Esse movimento começa com a Revolta dos Malês, em Salvador, em meados do século 19. É um marco muito importante.
Esse grupo étnico em Salvador, chamado de Malês, eram africanos muçulmanos que dominavam a leitura e articularam uma revolta, uma revolução. Nesse contexto bélico, esses retornados — por isso “retornados” — voltam, e voltam de forma diaspórica.
Não foram necessariamente os beninenses que voltaram para o Benin, mas voltam para alguns pontos da África e, na situação do Benin — que ainda era o Reino do Daomé nesse momento — vão, para a construção de uma identidade, se afirmar como resistência e buscar reconhecimento como brasileiros ou afro-brasileiros.
Simultaneamente, quando essa população é arrancada da África, de vários países, e vem para o Brasil na condição de escravizados, vão afirmar aqui a sua africanidade, como diz o Kabengele Munanga, que é o que os liga e dá identidade a esse grupo social.
E os retornados afirmam lá essa afrobrasilidade, ou brasilidade. Nesse contexto, na África — especialmente no Benin — a língua portuguesa é falada. As danças e a burrinha são manifestações que estão dentro desse fluxo-refluxo, como Pierre Verger falou. A feijoada e outras coisas da culinária, a construção, a arquitetura afro-brasileira, também estão presentes lá.
O que nos parece é que existe a construção de uma identidade de resistência de um grupo social baseada na organização e na criação também. As famílias são identificadas como família Souza, Barbosa, Amaral, com sobrenomes do Brasil.
Ainda na década de 1950, no contexto em que o Pierre Verger e o Bastide vão à África, o Gilberto Freyre escreve um artigo na revista O Cruzeiro, em 1951, cujo título é Acontece que são baianos.
Gilberto Freyre olha uma experiência na África — essa experiência afro-brasileira na África — e faz uma associação com a Bahia, que é uma associação muito legítima também.
E o outro artigo que ele vai escrever é O Senhor do Bonfim domina a África, em torno de uma festa que há em Porto-Novo, que é do Senhor do Bonfim, uma festa religiosa da Igreja Católica. Ou seja, estabelecer a relação com a Bahia na nossa literatura é um estabelecimento quase que direto com essa diáspora africana.
O que nos chamou muita atenção foi o estabelecimento com essa experiência em Pernambuco. Daí a nossa vontade de olhar para as nossas burrinhas e a burrinha de lá e tentar encontrar certas conexões.
Roberta Guimarães – Verger estava sempre na África e o Bastide sempre ensinando na universidade, sem nunca ir lá. E o Bastide sempre dizendo: “você tem que ir, você tem que ir”.
Ele termina conseguindo levar o Bastide e, quando chegam, coincide com a festa da burrinha. Observando, veem o boi — um boi com tecido branco e bolinhas pretas — e fazem uma associação direta com o artesanato produzido em Tracunhaém e Caruaru, na Zona da Mata de Pernambuco, onde existem muitos animais criados em barro, com essa característica de malhar, de botar as bolinhas.
Então, quando viram, disseram: “Isso é o boi de Pernambuco”. E a gente consegue ver, porque o cavalo-marinho aqui é muito forte.
Além da burrinha que temos em Goiana, temos também a burrinha dentro do Maracatu Rural, que é a figura que abre o Maracatu Rural. Inclusive, fazemos uma associação ao Exu, porque o Exu vem abrindo os caminhos e a burrinha tem essa força, essa característica.
No Maracatu, é a figura que vem vestida com a burrinha, normalmente com um tecido de chita e com um chicote para fazer barulho no chão — um chicote com uma borracha bem comprida —, afastando as pessoas que tendem a fechar o caminho do Maracatu.
Então, ela está permeando várias manifestações culturais aqui em Pernambuco. Essa visão que eles tiveram — uma visão imagética mesmo — dessa burrinha pintada e a associação com a cerâmica de Pernambuco é bem interessante para a gente, inclusive nos influenciou a desenvolver o projeto.
No Benin, as pessoas sabem que estão perpetuando um legado gerado por antepassados que estiveram no Brasil? Qual é o cronograma de exibição da exposição?
Joana D’Arc Lima – Eu acho que sim. Eles têm um conjunto de arquitetura e uma memória — entre lembrar e o esquecimento — e têm uma necessidade política de manter essas relações e essas tradições. Por quê? Por conta da propriedade da terra. Essas famílias têm terra. Elas ocupam o território, e isso é sagrado.
Mantêm um pouquinho da língua portuguesa porque é uma herança de uma identidade que precisa ser mantida também do ponto de vista político, dessas relações de vida, de construção de identidades, de manutenção do que é sagrado. Manter a burrinha dentro de uma família é fundamental.
Às vezes há brigas, disputas, em nome da burrinha, entre eles. Por quê? Porque a manutenção disso também é um poder — e é um poder político. A nossa ida reativou a memória do corpo, já que eles não conheciam o cavalo-marinho.
O retorno que a gente deu com a exposição foi genial, porque eles conheceram o cavalo-marinho, aprenderam os instrumentos musicais que tocam aqui, ouviram a música e querem levar para lá o cavalo-marinho. E querem vir para Recife, Pernambuco, com a burrinha deles. Isso foi bacana.
Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entramos em exibição no comecinho de setembro e ficamos até o final de setembro. No final de outubro, vamos para a Unilab, em São Francisco do Conde, na Bahia — uma universidade internacional que tem relação com os países da África de língua portuguesa. Depois devemos ir para o Ceará, para a Unilab em Redenção, no Maciço de Baturité.
Conversa Bem Viver

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