Com o tema A Voz da Terra, a 4ª edição do Festival Caju de Leitores, que reúne a literatura indígena brasileira, começou nesta terça-feira (2) e vai até o dia 5 de setembro, em Porto Seguro,na Aldeia Pataxó Xandó, na Bahia. O evento é considerado um marco, por ser o primeiro do tipo no Brasil, articulando a oralidade e as publicações dos povos tradicionais.
Truduá Makuxi, uma das organizadoras do encontro, destaca que, além de repercutir as produções literárias, o objetivo é chamar a atenção para o papel desenvolvido pelos povos indígenas no cuidado com as florestas e o meio ambiente.
“É um festival de leitores que fala da literatura indígena e uma literatura indígena que fala da floresta e traz para a gente esse momento de celebração, mas também de reflexão política sobre as nossas florestas, justiça climática, pautas ambientais importantes e necessárias para a gente poder avançar também na defesa e proteção dos povos que protegem a floresta. Não basta só dizer: ‘vamos proteger a floresta’. Precisamos proteger os povos que protegem a floresta”, explica.
Em entrevista ao Conversa Bem Viver, Truduá Makuxi, que também é escritora, pesquisadora e doutora em Teoria da Literatura, destaca que o festival é um híbrido, pois, além de oferecer um espaço de reconhecimento às publicações de escritores indígenas, mantém o foco no respeito à oralidade, ao tempo, ao território, aos pajés e aos moradores.
“A oralidade e a publicação coexistem. A publicação não encerra esse conhecimento, não aprisiona: ela manifesta. O conhecimento continua vivo à medida que as culturas indígenas continuam existindo e celebrando por meio dos cantos, das danças e dos rituais, nas estratégias que cada povo cria para manter sua tradição viva”, afirma.
O evento vai até sexta-feira (5), quando é comemorado o Dia da Amazônia e o Dia da Mulher Indígena.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Como será a 4ª edição do festival e quais serão os seus simbolismos?
Truduá Makuxi – A 4ª edição do Festival Caju de Leitores acontece entre os dias 2 e 5 de setembro na Aldeia Pataxó Xandó e traz essa proposta de intercâmbio entre escritores indígenas das gerações mais antigas até as mais contemporâneas, recepcionadas por Sérgio Pataxó.
O tema deste ano é A Voz da Terra e fala sobre os povos indígenas no centro da defesa das florestas e dos biomas. Estamos citando a Txai Suruí como essa jovem voz liderança no Brasil e também em espaços internacionais, mas também como uma expressão coletiva da luta indígena na floresta.
A Txai tem uma fala que é muito importante e forte, que é a de dizer que os povos indígenas estão no centro da defesa da floresta, mas os debates são muito escanteados. Por que nós, povos indígenas, quilombolas, tradicionais, que cumprimos uma tarefa secular de proteger os territórios, não somos levados a sério?
Neste ano de COP, inclusive, os povos indígenas têm lutado para poder ter um espaço de fala nos debates ambientais e climáticos, para você ter mais ou menos uma noção de como o Brasil e o mundo tratam os povos indígenas. Então, o Festival Caju de Leitores tem o seu fundamento na literatura indígena.
Um festival focado na produção de autores indígenas, de leitores indígenas, na formação de uma escola de base que possa trabalhar com a literatura indígena, porque todos os livros que passam pelo festival são depois enviados para a Escola Xandó e criam o acervo de literatura indígena.
É um festival de leitores que fala da literatura indígena e uma literatura indígena que fala da floresta e traz para a gente esse momento de celebração, mas também de reflexão política sobre as nossas florestas, justiça climática, pautas ambientais importantes e necessárias para a gente poder avançar também na defesa e proteção dos povos que protegem a floresta.
Não basta só dizer: “vamos proteger a floresta”. Precisamos proteger os povos que protegem a floresta. E a gente está falando isso na Amazônia, em Xandó, em Porto Seguro, em Caraíva, nos povos de biomas completamente diferentes.
A proposta do nosso evento é escutar essas vozes. Escutar vozes indígenas que publicam, mas também aquelas que têm oralidade, literatura e conhecimento, mas que não são escutadas.
O nosso festival é híbrido, no sentido de que é um espaço de leitura, mas que aborda o livro e também a oralidade, o tempo, o território, os pajés, os rezadores, o povo Pataxó que vive na beira do mar com as encantarias, com os espíritos da floresta que ainda povoam essa terra.
É um festival aqui do sul da Bahia que dialoga com as vozes indígenas de todo o Brasil. Os nossos convidados são diversos. Temos Marcos Terena, do Pantanal, Vangri Caingang, da Mata Atlântica, Auri Tabajara, da Caatinga, Yamalu Cuicuru, do território Xingu, Lúcia Tukuju, que está no Rio de Janeiro, etc. São parentes de biomas e povos diferentes, mas que estão aqui no Brasil compartilhando, por meio de suas obras e de seus povos, essa “voz da terra”. Como curadores, eu e Edson pensamos que nós somos isso, essa tradução de uma voz que vem da floresta.
Existe algum caminho para preservar a oralidade, sem perder as possibilidades disseminar conhecimento, e, ao mesmo tempo, publicar esses conhecimentos?
O Daniel Munduruku, que é um escritor indígena e expoente da literatura indígena, sempre fala da coexistência da oralidade e da escrita. O Kaká Werá, também escritor indígena, sempre diz que a escrita alfabética é uma técnica. Então, a chegada da literatura indígena na escrita alfabética, no livro, no mercado editorial, é entendida como técnica para transmitir o conhecimento que está vivo entre os povos.
Nesse sentido, oralidade e publicação coexistem. A publicação não encerra esse conhecimento, não aprisiona: ela manifesta. O conhecimento continua vivo à medida que as culturas indígenas continuam existindo e celebrando por meio dos cantos, das danças e dos rituais, nas estratégias que cada povo cria para manter sua tradição viva.
É o caso do povo Pataxó, já que estamos em território Pataxó. O Porto do Boi e a Reserva da Jaqueira se transformaram em espaços culturais para receber turistas, indígenas e não indígenas, e ensinar a história, a literatura e a cultura da perspectiva do povo Pataxó. Para mim, esse é o maior símbolo de resistência possível, inclusive economicamente, pois, a partir disso, conseguimos sobreviver no mundo. A oralidade está presente majoritariamente aqui.
A escrita alfabética é esse espaço de tradução, de manifestação, de memória, mas também um momento de educação, que é a configuração que temos agora.
Uma outra coisa importante é que as expressões individuais mostram que avançamos e ocupamos um espaço na sociedade brasileira, como foi o caso do Ailton Krenak, como é a própria presença do cacique Raoni Metuktire, da Sônia Guajajara, da Joenia Wapichana. Essas expressões individuais são muito importantes, mas não traduzem a força do coletivo. Elas mostram que avançamos, mas coletivamente o movimento indígena de base é organizado em cada comunidade, em cada povo.
No caso do povo Pataxó, há resistência há muito tempo. Se pensarmos no movimento pós-Constituição de 1988, são 35 anos de mudança no relacionamento com o Estado brasileiro. Acho válido citar pessoas individuais, mas o movimento indígena e a literatura indígena são muito coletivos. Temos mais de 60 escritores indígenas atuando, dos mais velhos aos mais novos, e uma força muito grande na política indígena, nas assembleias que acontecem desde os territórios.
Em termos da literatura indígena, os levantamentos de cada povo mostram que essas festas literárias incentivam o povo a publicar mais. No caso do povo Pataxó, temos Saí Pataxó, Dona Coruja, Liça Pataxó, Caná de Pataxó, que publicam também em outros territórios. Cada vez mais os povos publicam obras que traduzem a literatura Pataxó, Makuxi, Krenak, Munduruku. E o convite agora é para vermos essas literaturas, a importância dos autores dentro desses espaços coletivos. Esse também é o convite do Caju de Leitores.
No doutorado, você estudou a obra magna de Davi Kopenawa, escrita junto com o antropólogo francês Bruce Albert, A Queda do Céu. Como foi a escolha desse livro e o intercâmbio de sair do extremo Norte, na Amazônia, para o Sul do país?
Eu saí de Porto Velho e fui para Porto Alegre. Tenho até um poema que diz: “de um porto a outro, de norte a sul”. E fui encontrando os povos tradicionais do Rio Grande do Sul: Guarani, Kaingang, Xokleng. Eu queria estudar a autobiografia indígena, porque é um gênero muito forte da literatura indígena, que narra percursos individuais de origens coletivas.
Eu sou Makuxi, tenho minha individualidade, mas pertenço a um povo. Então automaticamente minha identidade é coletiva. Todos os povos indígenas do Brasil têm identidades coletivas.
Eu queria estudar essa expressão da identidade indígena e entendi que esse movimento era muito forte. Comecei a estudar a obra A Queda do Céu, porque acho que ela traduz de forma muito poderosa o que é ser um indígena contemporâneo. Não existe isso de “deixei a floresta e vou viver na cidade”. A identidade caminha, a fé continua, os modos de vida continuam, a forma de se relacionar também.
Eu queria muito estudar essa obra. Mas algo mudou radicalmente: durante esse período conheci Daniel Munduruku, Kaká Werá e Eliane Potiguara. Entendi que havia um sistema de literatura indígena acontecendo no Brasil, mas que não era muito nomeado.
Acho que minha contribuição com o doutorado foi mostrar que sim, podíamos usar o termo literatura indígena sem medo. Estou falando de 2017 e 2018. A literatura indígena era uma ferramenta apropriada politicamente para traduzir narrativas antigas e também contemporâneas sobre o que é ser indígena hoje.
Esse movimento de nomear a literatura indígena não era uma armadilha, mas uma força política. Fiz um mapeamento de escritores e obras de autoria indígena. Meu foco foi em obras editoriais, pensando quais são as características da literatura indígena publicada por autores indígenas. Minha tese termina com O Eu, o Nós: A Literatura Indígena Contemporânea. Fiz esse mapeamento da década de 1990 até mais ou menos 2017.
Foi um trabalho volumoso, mas muito satisfatório, porque pude compartilhar com uma rede de pesquisa que mostrava existir um sistema, com muitos autores e obras. Aprendi, por exemplo, que o que vocês chamam de “mito”, nós chamamos de narrativas; o que chamam de “lenda”, são histórias ancestrais; o “descobrimento” foi invasão; “folclore” são os nossos encantados. Foi como estudar de novo o Brasil pela literatura indígena.
Esse período foi de muito estudo e pesquisa, mas também de produção acadêmica. Escrevi muitos artigos e compartilhei com minha rede de pesquisa. Mostrei que há romances, poesias, contos, recontos, análises que seguem um código indígena, mesmo escritos em português. Isso foi importante para mim como pessoa, como acadêmica indígena.
Nesse caminho conheci Davi Kopenawa e muitos escritores dos quais tenho orgulho de manter contato. Uma das lições mais preciosas que aprendi é que os autores estão vivos. Se houver dúvidas na pesquisa, não presumam que estão mortos, porque o Brasil já nos vê como figuras do passado. Perguntem a eles. Por isso, sugiro que os pesquisadores leiam artigos e livros metodológicos de autores indígenas como base antes de analisar as obras.
Conversa Bem Viver

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