O curta paraense Boiuna, dirigido por Adriana de Faria, recebeu três prêmios no 53º Festival de Cinema de Gramado, realizado em agosto. A produção levou para o Pará os Kikitos de Ouro – nome dado à estatueta da premiação – de melhor fotografia, melhor atriz e melhor direção.
O filme foi gravado nas cidades de Benevides e Benfica e na Ilha do Combu, que ficam na Região Metropolitana de Belém. A obra desenvolve as narrativas indígenas sobre a presença de cobras grandes na Amazônia, que são entidades protetoras da floresta.
Boiuna começou a ser produzido há seis anos, contou com o apoio da Lei Paulo Gustavo (LPG) e com a participação de mais de 60 profissionais do Norte e do Nordeste para a sua realização.
“Eu acho que a gente fez um trabalho muito bonito, de fato. O nosso sentimento é de que a gente mereceu. Que a gente está sendo reconhecido pelo Brasil. O Brasil está conhecendo o trabalho de uma equipe nortista, de uma equipe paraense”, comemora Adriana de Faria, em entrevista ao Programa Conversa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato.
A diretora também avalia os avanços e os desafios das políticas públicas voltadas para o audiovisual no Norte e discute sobre como muitos cineastas de fora da região reproduzem um olhar objetificador e estereotipado. “Eu acho que o problema não é filmar na Amazônia. É como você faz isso.”
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Boiuna diz respeito a um conhecimento popular sobre uma cobra grande. O filme é inspirado nessa história? Como foi atravessar o Brasil com o filme e a recepção dos três prêmios?
Adriana de Faria – Na Amazônia, é uma história muito conhecida. E é sobre a presença de cobras grandes, que são entidades protetoras da floresta. É uma entidade que mora, inclusive, no rio. Tem diversas versões da narrativa da boiuna, mas todas elas vêm de uma narrativa de povos originários. É uma narrativa indígena e, em diversas localidades da Amazônia, tem diferentes versões sobre essa mesma história.
Eu costumo dizer que ninguém joga achando que vai perder. Então, quando eu me inscrevi no festival, eu sabia que era uma possibilidade. Eu acho que a gente fez um trabalho muito bonito, de fato. O nosso sentimento é de que a gente mereceu, que a gente está sendo reconhecido pelo Brasil. O Brasil está conhecendo o trabalho de uma equipe nortista, de uma equipe paraense.
Os três Kikitos de Ouro são como se fossem a coroação de um grande processo que foi fazer esse filme. E é claro que sair do Pará, cruzar o país e chegar ao Sul foi um grande desafio. A gente já lida com isso desde quando nascemos, porque sempre estamos longe geograficamente de onde as tomadas de decisão, o dinheiro e as oportunidades de trabalho estão.
Estamos acostumados a fazer esse deslocamento para o Sudeste, principalmente para conseguir novas oportunidades. Queríamos muito que fôssemos em uma equipe grande para o festival. Das outras vezes que eu fui com o Cabana, meu curta-metragem anterior, fui sozinha ou com mais uma pessoa apenas.
Então, fizemos uma campanha de arrecadação de fundos para estar lá, para levar a protagonista do filme, que é a Jhanyffer Santos, uma menina ribeirinha que nunca tinha atuado e ganhou o prêmio de melhor atriz. Foi tudo a partir de um movimento coletivo das pessoas do Pará que queriam que a gente estivesse lá com esse filme. Eu estou super feliz com toda a repercussão.
Claro que eu quero me conectar com todos os estados do Brasil, mas a recepção em casa tem sido muito especial. Estamos programando várias exibições para acontecerem aqui em setembro, nas ilhas de Belém, no sudeste do Pará. Eu quero muito que esse filme seja assistido em todo Pará, seria o grande sonho.
Mas claro que quero também me conectar com o resto do país, estar em outros festivais e também comemorar com outros realizadores esse momento tão bonito que está sendo para o cinema brasileiro.
O filme foi todo construído em Belém e na região metropolitana e passou pelas mãos de muitos profissionais paraenses. Muitos artistas são uma revelação. Como foi essa decisão?
Ao mesmo tempo que é uma escolha, é uma escolha muito natural, porque são essas as pessoas com quem eu trabalho. São as pessoas que há 10 anos estão construindo o audiovisual que eu faço parte, porque eu estou há 10 anos trabalhando nisso.
Eu não consigo, nesse momento da construção do Boiuna, pensar em chamar outros profissionais, porque nós temos profissionais tão bons aqui. São 60 pessoas do Norte e do Nordeste.
Nós temos uma parte da nossa produção, que é a finalização de som, que foi feita no Ceará, a partir do Lucas Coelho, que é o mixador do filme e fez também a supervisão de edição de som.
Sempre vamos para Fortaleza, porque aqui no Pará a gente ainda não tem uma sala de cinema 5.1, na qual a gente consiga testar os filmes e fazer essa mixagem na sala. A gente ainda está nesse processo de construção.
O Coelho acabou se tornando um parceiro nosso. Ele já fez o Cabana, o Reflexo do Lago, que é um filme do Fernando Segtowick, da Marahu Filmes, que é a nossa co-produtora. Então, a gente tem maioria de profissionais nortistas. E isso é por um processo natural, são as pessoas com que trabalhamos, que conhecemos e sabemos a competência. Mas é claro que eu também adoraria fazer parcerias com pessoas de outros estados.
O Nordeste me interessa muito. Eu tenho cada vez mais trocado com realizadores do Nordeste e eu acho que a gente tem muita conexão de ideias e isso é uma coisa muito natural.
Recentemente, Fernando Meirelles, que está filmando a minissérie Pssica, deu declarações que incomodaram a população paraense. Ele disse que levou profissionais do audiovisual do Sudeste para as filmagens porque no Pará “teria pouca mão de obra especializada”, entre outras afirmações. Como você avalia essas declarações?
Eu acho que foi, no mínimo, muito infeliz a fala dele. Eu acho que ela parte de um desconhecimento sobre os anos de luta para ter o mínimo de política pública voltada para o audiovisual no Pará. Isso mudou muito quando a gente começou a ter a cota do Cone na Ancine [Agência Nacional do Cinema], que é a cota do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Mas, em termos de política estadual e municipal de cultura, não temos nenhuma política pública consistente que atenda a essa demanda. Eu acho que, sem política pública, nada avança.
Quando o Fernando Meirelles fala isso, eu acho que ele não tem nem interesse de saber se há ou não política pública aqui e como esse mercado se desenvolveu. Por isso que ele não tem conexão com as pessoas, porque ele enxerga esse lugar como uma paisagem, e não como um sujeito.
Eu acho que não há interesse de ter uma integração das equipes. O problema não é filmar na Amazônia, é como você faz isso. Temos um ótimo exemplo agora do Gabriel Mascaro, com O Último Azul, que agregou não só o elenco amazonense, como pessoas na equipe, fazendo coisas com respeito, tendo uma protagonista super vulnerável e complexa, mostrando essa fotografia de um jeito que não nos objetifica mais uma vez, não faz a gente ser exótico. Eu acho que o problema não é filmar na Amazônia. É como você faz isso.
Eu tenho vários colegas que trabalharam na Pssica e isso não é de maneira alguma uma crítica a eles. Eles precisam fazer seu trabalho, pagar suas contas e podem, inclusive, gostar da série, se quiserem. Mas eu acho que parte de uma questão mais ampla.
Eu sinto muito que, inclusive, há uma falta de inventividade de linguagem, porque Pssica acaba sendo o Cidade de Deus na Amazônia. Ele não está interessado necessariamente naquelas personagens. É uma questão de um olhar colonizador sobre a nossa região, que só se repete mais uma vez.
Não gera nenhuma surpresa, mas agora a gente não está mais a fim de ter que aceitar, tolerar e assistir a esse tipo de coisa sem questionar e levantar nossas pautas. Eu acho que são pautas importantes.
Qual é o atual estágio das políticas públicas voltadas ao audiovisual brasileiro, principalmente no que tange à descentralização do foco no Sudeste e no Sul?
Agora que estamos começando a ver o resultado da Lei Paulo Gustavo. Agora que estão saindo os filmes e podemos ter acesso a essas produções. Muitas vezes, também não é só apenas ter o recurso, mas como esse recurso é gerido. Porque, por exemplo, na Lei Paulo Paulo Gustavo municipal, nós tivemos muitos problemas com coisas muito básicas.
Ao mesmo tempo, acredito que a Lei Paulo Gustavo democratiza o acesso, mas também acho que ainda tem melhorias a serem feitas. É a primeira vez que estamos tendo uma política que abrange toda a federação. Então, é claro que vamos precisar aprimorar esse processo.
As leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc alcançam lugares que não alcançaríamos se dependêssemos só da Ancine, por exemplo. Elas ajudam, inclusive, as pessoas a fazerem carreira, porque podem fazer um curta e depois, quando tiverem produtora, entrar na Ancine com um certo currículo. Acho que tem diversas questões nisso e a questão da cota do Cone na Ancine também nos ajuda muito.
Mas eu acho que ainda seria necessário ter mais coisas e ser mais diversificado, porque o recurso ainda fica muito nas produtoras do Sudeste. Essa é uma realidade em números e significa que esse recurso ainda não está escoando como deveria. Precisávamos ter mais editais, inclusive regionais na Ancine. Eu sou cria de um edital de desenvolvimento. Só comecei a ser roteirista há 10 anos quando conseguimos, pela Marahu Filmes, adentrar no núcleo criativo e desenvolver projetos. Foi aí que começou a minha carreira. E se a gente não tem essa etapa do desenvolvimento, quando chega na produção, a gente tem que enfrentar tudo o que a gente não enfrentou no desenvolvimento.
O filme Manas, de Marianna Brennand, também fez muito sucesso e se passa na Amazônia. O filme conta também com atores e atrizes de Belém e aborda a pedofilia. Há algum paralelo com o seu filme?
O filme da Mariana tem um alcance muito maior do que qualquer outro filme paraense consegue ter nesse momento, porque os orçamentos são diferentes. E eu acho que ela tem uma fotografia belíssima, fez um trabalho de pesquisa que durou oito anos.
Ela está tratando de um tema que tem relação com Boiuna, mas o nosso ponto de vista é um pouco diferente, a forma como abordamos esse tema. A gente tem que ter muitos filmes da Amazônia para que a gente tenha muitos olhares sobre isso, e a gente consiga entender as diferenças entre diferentes cineastas.
Eu acho que a Mariana acertou, a partir do momento em que ela contratou pessoas para a equipe daqui de Belém. Conheço pessoas que trabalharam. Eu não soube tanto sobre essa produção, mas eu acho que fica um pouco a sensação de que a gente gostaria de ter a mesma atenção que ela teve, o alcance que ela tem com o filme, porque eu acho que é muito difícil a gente conseguir acessar determinados lugares.
Por isso, Gramado tem uma importância para nós, porque é o auge do que já conseguimos, em termos de uma distribuição. Nós já tivemos filmes paraenses ganhando Kikitos. Não é questão de troféu.
Eu acho que o timming da nossa premiação foi uma sorte grande, porque estamos no momento de efervescência cultural no Pará e de autoestima sobre a nossa cultura, sobre o nosso fazer.
Quando um de nós chega nesses espaços, que são espaços de poder, isso muda o jogo. A gente consegue mostrar para as pessoas o que é o nosso trabalho, o que estamos fazendo aqui no Pará, o que é a nossa cultura. Isso é importante para o Brasil: passar a olhar para o Norte, olhar para cima e entender que nós somos também Brasil.
Olhar para o Norte não significa olhar para os Estados Unidos, para o norte global, é olhar para nós, para nossa América Latina.
Conversa Bem Viver

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