Em meio à avalanche de conteúdos que disputam a atenção nas redes sociais, o roteirista e criador de vídeos sobre cultura pop Thiago Guimarães faz uma analogia entre as informações que consumimos e os alimentos ultraprocessados. “É aquela comida que só enche a barriga, mas não nutre. Informação também pode ser assim: calórica, acessível, barata, mas vazia.”
No episódio de estreia do BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, o dono do canal Ora Thiago no YouTube, falou sobre a sua jornada na contramão da lógica da velocidade e da superficialidade que impera na internet. “Numa época em que o senso comum dizia que o certo era diminuir o tamanho dos vídeos, eu fui aumentando. Os vídeos foram ficando maiores, abordando temas mais profundos”, explica.
Guimarães acredita que existe público para obras mais profundas, mesmo que isso demande mais tempo e esforço. “Em certa medida, é mais difícil. A crise de atenção é real. Mas minha postura como criador é parar e tentar diminuir o ritmo.”
A lógica do conteúdo digital impacta a forma como consumimos cultura, e como ela é produzida, diz Guimarães. Para ele, vivemos um tempo de mercantilização do pensamento, no qual tudo é embalado e publicado sob a mesma etiqueta: “conteúdo”. “Tudo vai sendo aglutinado nessa palavra que serve para tudo, que é ‘conteúdo’. As coisas não têm mais os seus devidos pesos. Tudo está nessa disputa por atenção”, avalia.
Uma nova cara para a velha indústria cultural
Segundo o roteirista, isso não é casual: há uma engrenagem econômica por trás do modelo atual das plataformas. Grandes perfis e empresas vivem das métricas das redes sociais. “É uma economia que depende de nós, mesmo de quem não trabalha com isso. Há uma lógica de extrativismo de dados por trás.”
A crítica de Guimarães toca na atualização da indústria cultural, conceito desenvolvido pelos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer nos anos 1940 e que, na sua visão, segue atual em tempos de internet. “O que a vemos hoje com plataformas de streaming e redes sociais é uma expansão dessa lógica. Só que agora ela se entrelaça com o extrativismo de dados, com disputas trabalhistas, com a expansão do poder de uma nação sobre outra”, diz.
O resultado, ele acrescenta, é uma “crise do imaginário”, impulsionada pela ideia de que o capitalismo venceu e não há alternativas. “Toda a produção cultural, principalmente em Hollywood, passa por esse momento. É uma crise de identidade, de criação.” Na prática, isso significa que tudo precisa ser eficiente, gerar números rápidos e ter retorno certo. A consequência? Repetição de fórmulas. “Se sabemos que aquela franquia deu dinheiro, voltamos pra lá, porque é a opção mais certeira.”
Mais perguntas, menos respostas
O roteirista reforça que desacelerar e criar com mais profundidade também depende de condições concretas. “Precisamos lutar para que os profissionais do audiovisual tenham condições materiais de estudar, de acessar meios de produção, de viver de arte”, defende.
No centro de sua reflexão está a pergunta: que tipo de cultura estamos construindo, e para quem? Mais do que nunca, ele reafirma que precisamos recuperar o valor do questionamento.
“Acho que tem muita gente oferecendo resposta em tudo que é esquina da internet, sobre tudo que é assunto. E eu não sei se esse é o caminho”, disse. “Em certa medida, isso estraga a relação que a gente tem com a arte. […] Não é para dar respostas, é para fazer perguntas.”
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 20h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea pelo YouTube do Brasil de Fato.