Para o professor de literatura e linguística Caetano Galindo, a ideia de um “português correto” muitas vezes serve como um disfarce para práticas discriminatórias profundas, ligadas ao racismo, ao elitismo e à exclusão educacional. Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) afirmou que a busca por uma suposta “pureza” na língua carrega um histórico de rejeição ao que é genuinamente brasileiro e, portanto, influenciado por línguas africanas e por falas populares.
“Fomos educados a aceitar, marcar o que é esse nosso, autêntico, como erro. E esse nosso autêntico é tremendamente racializado”, afirma. Galindo explica que, historicamente, o português falado no Brasil, moldado por influências indígenas e africanas, foi sistematicamente estigmatizado em nome de uma norma culta importada da Europa e restrita a uma elite educacional.
Segundo ele, o sistema educacional brasileiro reforça essa lógica. “Transformou o domínio desse português recomendado, artificial em grande medida, trazido da Europa por gente que ia estudar na Europa, num privilégio de muito poucos. E você tem uma chave perfeita para ter um mecanismo de preconceito que parece discreto, que parece limpo. […] Só que isso tudo, na verdade, esconde todas essas questões.”
Galindo destaca que esse discurso de “pureza linguística” também tem sido usado por setores da extrema direita como ferramenta de convencimento e exclusão. “Toda retórica de pureza sempre esteve tradicionalmente associada a algum tipo de protofascismo, ou, no mínimo, a algum tipo de raciocínio de extrema direita. Há uma dificuldade muito grande nessas esferas de aceitar que mistura, multiplicidade, diversidade, aceitação do diverso são coisas positivas. E isso se coloca na língua de uma maneira muito clara.”
Embora veja valor prático no domínio da norma culta, afinal “é algo que te dá possibilidade de ser levado a sério, um meio de acesso”, Galindo faz uma distinção importante: ensinar a norma como ferramenta é diferente de tratá-la como única forma válida de expressão.
“Se dissermos ‘deixa eu te instrumentar para jogar esse jogo nessas regras’, não vejo problema nenhum. O problema é que normalmente o que existe, como em todas essas retóricas de pureza, é um discurso de que apenas aquele discurso puro é válido e os outros são inferiores, são ruins, denotam pobreza mental, intelectual, conceitual. E é aí que começamos a ver o mecanismo real de crueldade social em operação”, explica.
Caetano Galindo também é tradutor e escritor. Seu livro mais recente, Na Ponta da Língua, explora a história e a origem de palavras que usamos no dia a dia. Lançado em março deste ano, ele dá sequência à investigação sobre a língua portuguesa iniciada com Latim em pó, de 2023. Com uma prosa fluida, longe do academicismo, as duas obras buscam disseminar conhecimentos geralmente restritos às universidades e propõem olhar para a língua não como um conjunto de regras cristalizadas nas gramáticas, mas como algo vivo, em constante mutação e disputa.
Durante a entrevista, ele fala sobre o novo livro, o preconceito linguístico, o ofício de tradutor e seu interesse em desenvolver protagonistas mulheres.
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O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.