A artista visual e ativista Marie Ange Bordas comentou a cobertura internacional da crise em Gaza e a forma como o Ocidente construiu uma subjetividade que silencia ou distorce a luta do povo palestino. A artista aponta que o apagamento da causa é reforçado por Hollywood. “É uma construção que reduz a narrativa. A subjetividade do mundo foi moldada para não enxergarmos o que acontece com os palestinos. E isso não começou agora”, diz, em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato.
Bordas aponta que o cinema hollywoodiano tem papel central na estigmatização dos árabes e muçulmanos, reforçando estereótipos e narrativas que vilanizam os palestinos. “Ao falar de Holocausto, você não vai pensar na Namíbia, na Armênia. É o Holocausto judeu. Não estamos negando, mas é interessante como as construções foram feitas para reduzir a uma narrativa”, explica.
O momento atual, para Bordas, reflete a lógica da necropolítica. “Isso inclui nos acostumarmos. Nos últimos 20 anos vendo gente decepada em guerra, chega num ponto em que eu não reajo agora como eu reagi no começo porque sofremos um overload de imagens, banalisamos a violência. É um processo de desumanização. Quem são os indesejáveis? Estamos tão dominados por uma construção subjetiva que nem nos damos conta. Esse discurso de ‘Ah, mas aqui também está ruim’ é exatamente a lógica liberal do dividir para conquistar”, critica.
De acordo com ela, as recentes reações relacionadas à Palestina são tardias e não geram resultado. “Agora, em maio de 2025, quase 600 dias de genocídio, de repente os influenciadores e a mídia estão falando, os governos internacionais, as grandes potências estão se colocando, mas não estão agindo”, critica.
“Para quem está desde o dia 7 de outubro de 2023 dentro da questão, compartilhando de perto, não é que o mundo vai fechar os olhos. O mundo está de olhos fechados para a questão Palestina desde 1948, para não dizer antes”, afirmou Bordas. Segundo ela, não dá para falar de refúgio ou de deslocamento forçado sem mencionar a Nakba (processo de expulsão e deslocamento forçado de mais de 750 mil palestinos ocorrido em 1948, com a fundação do Estado de Israel) e os milhões de palestinos espalhados por campos em países vizinhos.
Apesar do cenário de violência contínua, com uma média de 50 a 60 mortes por dia em Gaza e novos assentamentos sendo anunciados por Israel na Cisjordânia, Bordas afirma encontrar esperança nos movimentos populares. “A micropolítica pode não resolver tudo, mas ela mantém viva a possibilidade de futuros. O Brasil dos movimentos, que é o [exemplo] que sempre levo para fora [do pais], é o Brasil que me dá otimismo, ou pelo menos um menor pessimismo”, conclui.
“Tecendo Saberes”: projeto colaborativo valoriza cultura das crianças em comunidades tradicionais
A partir de uma trajetória de dez anos convivendo com pessoas em situação de deslocamento, a artista desenvolveu no Brasil o projeto Tecendo Saberes, que busca registrar e celebrar os saberes e fazeres de crianças quilombolas, indígenas e ribeirinhas. Os livros produzidos são frutos da escuta ativa, da convivência e da valorização das identidades locais, com protagonismo das próprias crianças na criação das narrativas e ilustrações. “Queria que as crianças se vissem e se reconhecessem”, indica.
Ao BdF Entrevista, Marie Anges Bordas falou sobre a potência do trabalho com crianças, a escuta em territórios tradicionais, o processo de transformar vivências em livros e da sua atuação com pessoas refugiadas ao redor do mundo.
Assista a entrevista completa:
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.