Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara analisou os desafios das forças progressistas no Brasil. Segundo ele, embora a esquerda tenha força social, essa energia não se traduz em representação institucional. Um exemplo disso seria a disparidade entre o tamanho da bancada de esquerda no Congresso e a grande adesão popular a eventos como a Feira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reuniu mais de 300 mil pessoas em São Paulo neste ano.
“O pragmatismo da esquerda é o antipragmatismo porque está levando a derrotas. É o pragmatismo tolo”, afirma Cara. Para ele, é preciso abandonar a tentativa de agradar o mercado financeiro e retomar o foco nas pautas populares. “Tem que ter um trabalho que seja menos orientado a agradar o setor financeiro e mais orientado a pautar aquilo que interessa para a sociedade”, avalia.
Ele acredita que “os movimentos [populares] são fortes, as pessoas veem legitimidade nos movimentos, mas não conseguem observar o mesmo dos partidos.” Para o professor, o Partido dos Trabalhadores (PT) continua sendo “a maior construção de esquerda que o Brasil realizou”, mas perdeu parte da conexão com os movimentos que marcaram sua origem. “É exatamente essa figura da década de 80 que constrói a liturgia, o mito do PT, que vai se perdendo ao longo do tempo”, diz.
Daniel Cara lembrou que o apoio dos movimentos populares foi crucial para a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006, especialmente num cenário de crise após o escândalo do mensalão. “O governo, constrangido pelo mensalão, teve que buscar uma base social. E a base social era dos movimentos. O MST cumpriu um papel fundamental nesse momento, por exemplo, a UNE [União Nacional dos Estudantes], a CUT [Central Única dos Trabalhadores]… Naquele momento, até centrais sindicais mais à direita hoje também colaboraram com o governo”, relata.
Cara também comentou o papel do Psol e de seu principal nome nacional hoje, o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP). A possível ida de Boulos para um cargo no Planalto, como chefe da Secretaria-Geral da Presidência, foi vista como uma oportunidade, mas com ressalvas. “Ele tem que ir para o governo não para fazer o amortecimento dos movimentos sociais. Ele tem que ir para o governo para dar voz aos movimentos sociais, gerando pressão sobre o presidente Lula”, defende.
Por fim, ele destacou o descompasso entre indicadores econômicos e a vida real da população. Mesmo com o desemprego em baixa, o custo de vida tem corroído a renda das famílias, fenômeno que comparou ao “efeito Biden”, observado nos Estados Unidos. “Você está trabalhando, você está sendo explorado, está vendendo sua força de trabalho por um valor muito inferior ao que ela merece”, explica.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.