Ouça a Rádio BdF

‘Planos de saúde são o lobby mais poderoso do Congresso’, diz deputada Andréa Werner

Parlamentar denuncia cancelamentos ilegais e propõe enfrentamento a abusos; PL dos planos pode agravar cenário

A deputada estadual Andréa Werner (PSB-SP) afirma que os planos de saúde exercem hoje “o lobby mais poderoso” do Congresso Nacional, com atuação direta para barrar direitos e moldar legislações a seu favor. A declaração foi feita ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, no qual a parlamentar alertou sobre retrocessos embutidos no projeto de lei que trata dos planos de saúde (PL 7419/2006), que tramita há 18 anos e pode entrar em pauta ainda este ano.

“Qual a força dos planos de saúde? Eu te respondo com o que eu ouvi de vários deputados e senadores quando eu nem era eleita ainda, era ativista em Brasília: é o lobby mais poderoso do Congresso Nacional. Estamos falando de pessoas que detêm o poder financeiro nesse país, que doam para campanhas de políticos da direita e da esquerda. Eles não têm ideologia política”, diz.

Segundo ela, o lobby influencia tanto o poder Legislativo quanto os Executivo e Judiciário. “Foi o que vimos em 2022, quando o STJ [Superior Tribunal de Justiça] definiu que os planos só deveriam cobrir aquilo que estava no rol da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]”, relembra. Na época, a decisão foi amplamente criticada por especialistas, que a classificaram como um retrocesso.

Ativista histórica na defesa de pessoas com deficiência e mãe de um jovem autista, Werner levantou dados que revelam um aumento de 212% nos cancelamentos de contratos de autistas no estado de São Paulo desde 2023. “Logo que assumi o mandato, começamos a receber centenas de denúncias. […] Além de autistas, vimos pessoas com deficiência, grávidas com mais de 30 semanas de gestação, pessoas com câncer, pessoas que estavam internadas e receberam a comunicação do cancelamento do plano de saúde”, relata.

Gabinete da inclusão

A parlamentar criou o Gabinete da Inclusão na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde uma equipe com mães atípicas e um advogado acolhe, orienta e sistematiza denúncias recebidas por e-mail e redes sociais. Em dois anos e meio de mandato, foram atendidos cerca de 75 mil contatos e investigadas 4,5 mil denúncias.

Segundo ela, os abusos seguem mesmo diante da ilegalidade dos cancelamentos unilaterais. “As multas são baixas, nem chegam a arranhar os lucros do setor. Enquanto isso, famílias seguem lutando na justiça e crianças autistas e outras pessoas vulneráveis ficam sem atendimento e sem perspectivas. […] Os planos não cumprem o que deveriam cumprir, eles tratam saúde como se fosse um carro, um terreno, um imóvel”, denuncia. A deputada também critica a inoperância da ANS, responsável por fiscalizar o setor. “Mais passa pano do que fiscaliza de verdade”, aponta.

Werner chama atenção para pontos perigosos do projeto de lei que tramita no Congresso, como a criação de planos com cobertura ambulatorial limitada, reembolsos irrisórios e aumento sem limite dos custos de coparticipação. “Eles vêm tentando se favorecer de várias formas”, fala.

Inconsistências jurídicas

A deputada também denuncia a atuação das operadoras junto ao Judiciário, como no caso do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus), colegiado que emite pareceres sobre ações judiciais de saúde suplementar. “De repente o parecer diz que uma criança autista não precisa de terapia, e quem deu [o parecer] foi um ortopedista, um anestesista que nunca viu a criança. Sabemos que os planos têm muita influência ali”, destaca.

Outro foco de preocupação é a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei 14.454, que garante que o rol da ANS seja exemplificativo, e não taxativo. “Temos medo de que o STF [Supremo Tribunal Federal] consiga transformar isso num tema como o [tema do STF] 1234 das doenças raras, que praticamente impediu a judicialização de medicamentos para doenças raras”, alerta. O tema 1234 exige que o governo federal participe de ações judiciais que pedem medicamentos ou tratamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

Experiência e desafios

Jornalista de formação, Andréa Werner começou sua trajetória pública ao relatar sua vivência com o filho no blog Lagarta Vira Pupa. Aos 47 anos, já no mandato, recebeu o próprio diagnóstico de autismo. Desde então, seu trabalho parlamentar tem sido guiado por denúncias e demandas da população. Já foram protocoladas mais de 100 propostas legislativas. “Nossos projetos de lei vêm das nossas experiências e do que escutamos”, ressalta.

A aprovação dos projetos, no entanto, enfrenta desafios. “Infelizmente, não se resolve tudo com projeto de lei. A Alesp demora muito a tramitar e  qualquer coisa que cria custo está sendo barrada. O governo [de São Paulo] muitas vezes libera coisas que criam custo, mas são do interesse dele, como a escola cívico-militar. Mas quando é para algo que vai de fato fazer diferença na vida da população tem esse entrave”, lamenta.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

Veja mais