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Ozzy, Black Sabbath e a crítica ao otimismo de 1968: ‘Eles são a sombra do sistema’, diz psicanalista

Banda surgiu das 'trevas' da sociedade industrial inglesa e se recusou a aderir ao espírito psicodélico da época

Na mesma Birmingham que, nesta terça-feira (30), se despediu de Ozzy Osbourne com um cortejo fúnebre, nasceu também uma das bandas mais influentes da história do rock: o Black Sabbath. “O mundo estava falando ‘All you need is love’ e o Sabbath estava falando em paranoia”, resume o psicanalista, professor de História e mestre em Filosofia Heribaldo Maia, em entrevista ao BDF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato.

A canção dos Beatles, lançada em 1967, se tornou um hino do espírito de paz e amor que embalou os movimentos de contracultura do final dos anos 1960, como o Verão do Amor e as revoltas estudantis do Maio de 68, na França. Mas, segundo Maia, o heavy metal criado pelo Sabbath nasce em contraponto a esse clima de otimismo psicodélico: é fruto de uma “coincidência trágica” vivida pela juventude trabalhadora da Inglaterra industrial.

“O próprio Ozzy chegou a ser operário industrial. O guitarrista [Tony Iommi] perdeu uma parte dos dedos numa prensa hidráulica. Os outros integrantes também trabalharam braçalmente. Todos viviam esse contexto do trabalhador pauperizado”, lembra. “Todo processo cultural, social, econômico, político produz as suas sombras. De certa forma, o Black Sabbath é uma dessas sombras. Não por acaso, as trevas são um elemento constitutivo da formação da banda”, analisa.

A leitura do professor parte de um ensaio publicado no canal do YouTube Dialética do Pop, do historiador Jones Manoel, em que Maia propõe um olhar mais profundo para a cultura pop. Ele compara o surgimento do Sabbath à “interrupção do curso contínuo das coisas”, conceito de Walter Benjamin. “Eles produziram um gênero distintamente diferente. É o reverso do otimismo de 1968. As letras falam muito sobre o sofrimento, a dor de existir numa sociedade pesada”, afirma.

Entre os exemplos, Maia cita War Pigs, música que daria nome ao álbum mais famoso da banda, mas foi vetada pela gravadora por seu conteúdo. “O Sabbath tinha letras profundamente politizadas, mesmo que o Ozzy, pessoalmente, não fosse um sujeito muito politizado”, avalia. “Paranoid, por exemplo, é uma expressão dessa sociedade paranoica”, cita.

Para o professor, o heavy metal passou por um processo de despolitização ao longo do tempo, algo que atingiu grande parte da cultura pop. “A indústria cultural é muito boa em neutralizar essas forças politizadoras. Ela cria bolhas de consumo e elimina o impacto subversivo da música. Isso não significa que não existam obras críticas hoje, com reflexões interessantes”, explica.

Ainda assim, Heribaldo Maia defende que a cultura pop é uma maneira de compreender o mundo. “Toda arte é uma expressão do mundo em que se vive. Às vezes, uma música tem um significado original que o compositor quis fazer, mas, quando é recebida pelas pessoas, ganha outros significados. Tem, por exemplo, músicas que se transformaram em lemas de lutas políticas e, às vezes, a música era sobre amor ou qualquer outra coisa. Ela vai ganhando significado na recepção também. Existe um lado ativo de quem recebe”, ressalta.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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