Em uma pesquisa do Datafolha realizada em 2022, 53% dos brasileiros responderam que passaram por um período de cansaço e desequilíbrio emocional ou declararam conviver na mesma casa com alguém que passou por essa situação. Entre jovens de 16 a 24 anos, o índice chegou a 63%. O sociólogo Elton Corbanezi, autor do livro Saúde mental, depressão e capitalismo, explica ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, que esse esgotamento tem raízes na própria forma como o capitalismo neoliberal organiza a vida.
Segundo ele, a lógica de produtividade, antes imposta por patrões e chefes, agora é internalizada. “Nós incorporamos um determinado modelo de sociabilidade, de racionalidade, determinadas formas de pensar, sentir e agir, em que nós somos responsáveis pelo nosso destino. Nos tornamos capitalistas de nós mesmos”, afirma. O resultado é a chamada “autoexploração”, em que até os momentos de lazer passam a ser medidos como investimento ou performance.
Corbanezi ressalta que esse processo se intensificou nas últimas décadas com a plataformização do trabalho, exemplificada pela uberização, e foi acelerado pela pandemia da Covid-19, em 2020. “Se a pandemia acelerou todo esse processo, nós temos um processo de cansaço bastante intensificado. Começou esse cansaço mais extremo a partir daí”, diz.
O sociólogo relaciona ainda o esgotamento humano à crise ambiental. “Me parece que nós vivemos uma cultura de esgotamento de maneira geral. Esse modelo de desenvolvimento leva ao esgotamento do ambiente, da sociedade e dos indivíduos”, analisa. Para ele, assim como a emergência climática impõe uma transição, também o modo de vida baseado na hiperprodutividade pode exigir uma mudança de paradigma.
Essa pressão se manifesta até no sono, hoje cada vez mais escasso e transformado em “artigo de luxo”. “É um problema que se coloca para nós de maneira geral. Agora, é claro que as situações de privação do sono têm marcadores sociais bastante claros. Pensando nas classes sociais, a pessoa que se desloca em São Paulo de transporte público, que vai da periferia para uma região central para trabalhar, vai ter uma privação do sono muito mais significativa, ainda mais se for mulher, mãe, [que] tem o trabalho doméstico”, observa.
Corbanezi também aponta que fenômenos como o crescimento dos “coachs” revelam a tentativa de reforçar a disciplina da sociedade do desempenho, mesmo quando seus próprios porta-vozes estão esgotados. “Essas pessoas, nos bastidores, estão completamente esgotadas e também querendo transmitir um discurso de muita motivação. De alguma maneira, acho que eles refletem essa cultura que nós temos atualmente de uma sociedade que é baseada na ideia de produtividade”, analisa.
Sistema insustentável
Para ele, as consequências desse modelo são visíveis: aumento dos casos de burnout, depressão e ansiedade, que podem até colocar em xeque o próprio funcionamento do capitalismo. “Se nós concebemos a vida como trabalho, como desempenho, só podemos ser cronicamente cansados. Logo, improdutivos. Exatamente o que coloca um problema para o próprio sistema”, afirma.
O sociólogo defende que a superação desse cenário não pode ser apenas individual, mas também política e coletiva. “Individualmente só isso não vai ser suficiente, seja para a sustentabilidade do planeta, seja para a própria sustentação da vida humana de maneira geral”, alerta.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.