No Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, nesta quarta-feira (10), a psicóloga Raysa Lima, idealizadora do Espaço Amarelo, dedicado à capacitação de profissionais em relação à prevenção e posvenção (cuidado dedicado aos familiares de vítimas) do suicídio, defende que o estigma e o tabu continuam sendo o maior obstáculo para cuidar de quem sofre. “O estigma vem pelo preconceito, pela falta de conhecimento em relação ao tema, pelo desconforto que isso causa”, explica, em conversa no BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato.
Para ela, a simplificação do fenômeno afasta a sociedade da responsabilidade de acolher e oferecer caminhos reais de cuidado. “As pessoas têm uma ideia de que, de alguma maneira, o suicídio se trata simplesmente de uma decisão: a pessoa escolhe se ela vai fazer aquilo ou não, de uma maneira muito simples. O estigma acaba vindo em relação a uma simplificação daquilo que a pessoa está passando”, analisa.
Lima reforça que o suicídio é multifatorial. Do mesmo modo que não se atribui diabetes a “um bolo numa quinta-feira”, não há “causa única” para o suicídio, compara. Ela pontua que fatores de risco (transtornos mentais, traumas, derrocada financeira, problemas relacionais, luto, desigualdade, histórico familiar) e de proteção (bons vínculos, acesso a cuidado, condições de vida seguras) “pesam” de forma diferente em cada pessoa. Por isso, acredita que reduzir riscos e ampliar proteções é o centro da prevenção.
Crítica ao Setembro Amarelo
A psicóloga critica a forma dominante da campanha do Setembro Amarelo: ações superficiais, frases motivacionais e a transferência da responsabilidade apenas para o indivíduo, como o uso do termo “busque ajuda”, sem uma rede e serviços à altura. “Setembro Amarelo é uma árvore que cresceu sem raiz, rapidamente. Ela ocupou um espaço gigante, só que sem a estrutura necessária para fazer o que ela se propõe”, lamenta.
Segundo Lima, falar é necessário, mas importa como se fala: sem gatilhos (divulgação de cartas, imagens), sem promessas fáceis e sem desinformação, como o dado distorcido de que “90% dos suicídios poderiam ser evitados”. “Eu tenho tentado arduamente reduzir os danos dessa campanha, explicar para as pessoas o que falar, o que não falar (…) e eu sei que eu estou a anos-luz ainda, porque todo ano que passa fica pior”, revela.
Como escutar sem reforçar o estigma
Da prática clínica, Raysa Lima propõe cinco passos para quem quer ajudar alguém em sofrimento:
- Perceba seu limite para abrir a escuta naquele momento. “Se você não conseguir, você pode buscar outra pessoa que naquele momento consiga”, orienta.
- Lembre-se do seu mantra: “não é sobre você”. “Naquele momento, não é sobre o seu medo, é sobre o que aquela pessoa está sentindo”, pontua.
- “Apenas ouça”: sem rebater, sem tentar convencer, buscando compreender por que a pessoa chegou ali.
- Valide a dor. “Validar não é concordar”, mas “respeitar a decisão da pessoa é a condição necessária para conseguir conversar”, indica.
- Encaminhe: convide a construir “um outro caminho antes”, oferecendo a sua presença e uma ajuda prática para acessar redes de cuidado. “Pegar na mão da pessoa, estar com ela, emprestar um pouquinho da sua esperança, sem positividade tóxica”, resume.
A psicóloga acrescenta que prevenção do suicídio vai além da crise: envolve tudo o que dá dignidade: renda, moradia, estudo, trabalho, cultura, acesso contínuo a cuidado. “Prevenção do suicídio é tudo aquilo que fornece dignidade para as pessoas”, aponta.
Apoio e prevenção
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio gratuitamente pelo telefone 188 ou pelo site cvv.org.br, 24 horas por dia. Em situação de crise, busque uma unidade de saúde de emergência, como uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou um Pronto-Socorro.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.