O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que o caminho mais adequado para seu partido teria sido a formação de uma federação com o Psol e a Rede, e não com o PT. Segundo ele, há uma assimetria na federação Brasil Esperança (PT, PCdoB e PV) entre o tamanho do PCdoB e o do Partido dos Trabalhadores, que “é dez vezes maior”.
“Houve um debate no PCdoB sobre a federação e a minha opinião no caso era coincidente com a opinião da ex-deputada Manuela D’ávila: na minha impressão, o PCdoB deveria fazer uma federação com o Psol e com a Rede”, declarou, em conversa com o BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. “São partidos com pesos políticos mais próximos. A diferença entre o PCdoB e o PT é muito grande”, explicou.
Apesar da posição pessoal, Silva avaliou que a federação com o PT e o PV deve permanecer. “Pelo que eu observo da política, eu não vejo um ambiente de mudança. O PT, na verdade, é o grande beneficiário da federação. Ao que parece, a direção do PCdoB também se sente confortável sendo parte da federação com o PT e com o PV”, indicou.
O deputado também comentou outros temas durante a entrevista. Ele disse que a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve ser celebrada como um avanço democrático e alertou que a extrema direita pode insistir na pauta da anistia, “mesmo sabendo que ela é flagrantemente inconstitucional”. Criticou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por se alinhar ao bolsonarismo e afirmou que seu “palpite é que [o presidente] Lula vence, quem for, inclusive se for o Tarcísio” em 2026.
Em relação à política internacional, o parlamentar classificou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como um agressor da soberania nacional brasileira e chamou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de “traidor da pátria”. Além disso, defendeu a regulação das big techs para garantir liberdade de expressão, transparência e responsabilidade.
Veja a entrevista:
Qual a sua posição sobre a federação Brasil Esperança (PT, PCdoB e PV) para 2026?
Houve um debate no PCdoB sobre a federação. Minha posição era semelhante à da ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS): o partido deveria ter se aliado ao Psol e à Rede, cujos pesos políticos têm um peso mais próximos ao nosso. A diferença em relação ao PT é muito grande, o partido é dez vezes maior.
Defendi essa alternativa, mas fui voto vencido. O PCdoB decidiu integrar a federação com PT e PV, avaliando que seria a melhor forma de garantir atuação parlamentar. Hoje não vejo ambiente para mudança porque o PCdoB e o PV estão inclinados a manter o vínculo e o maior beneficiado pela federação é o próprio PT, já que o PCdoB ajuda a ampliar sua bancada em vários estados.
O PSB e o PDT não demonstram interesse em uma federação com o PT. Psol e Rede também não. Não deve ter uma grande mudança na esquerda para 2026. Só não me surpreenderia se o PDT construísse uma aliança com um partido de centro.
Esse debate pode levar à sua saída do partido?
Esse é um não assunto. Sou comunista e acredito no socialismo. O que precisamos é refletir sobre os caminhos da esquerda. O Brasil é estratégico para o mundo e para a luta dos trabalhadores. A direita está se mobilizando, engajando cada vez mais pessoas. É preciso renovar métodos, resgatar utopias e se reconectar com a classe trabalhadora, que está em transformação.
As plataformas digitais mudaram o modo de produção capitalista, criando uma lógica de trabalho individualizado. Isso impacta a consciência de classe. Regular essas plataformas é essencial, pois elas são usadas também como instrumentos de guerra cultural, luta ideológica.
Nos sindicatos, o desafio é transformar a luta corporativa em luta política. Assim como os mandatos da esquerda precisam ir além do eleitoralismo. Mandatos devem dialogar com os trabalhadores e elevar seu nível de consciência. Fico incomodado quando mandatos de esquerda se afastam da luta sindical. Enquanto houver exploração, haverá resistência. Nossa tarefa é ajudar a organizá-la.
O sistema político atual ainda é viável?
A forma como o orçamento é elaborado no Congresso gerou uma distorção grave: o Legislativo passou a executar despesas, usurpando competências do Executivo. Isso precisa ser revisto.
Defendo um debate público sobre orçamento, inclusive sobre emendas impositivas, que considero um erro. É necessário também discutir a dívida pública, o arcabouço fiscal e vinculações de receita. Precisamos de uma reforma do Estado que avance em pontos como democratização do Judiciário, reforma agrária, democratização do acesso à informação e reforma urbana.
A reeleição de Lula deve abrir espaço para essas mudanças estruturais, recolocando o Brasil no caminho de um projeto transformador.
Qual sua opinião sobre a condenação de Jair Bolsonaro e a pauta da anistia?
A condenação de Bolsonaro era esperada. Os cinco crimes que ele cometeu, entre os quais a formação de organização criminosa e a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, são muito graves. Os democratas e patriotas devem celebrar a decisão. Há uma indignação no Brasil pelo desprezo que Bolsonaro demonstrou durante a pandemia, responsável por mais de 700 mil mortes, e pela destruição das políticas públicas em seu governo. Foram os crimes cometidos em 2022 e 2023 que levaram o Supremo a condená-lo com fartas provas. Pelo conjunto da obra, a condenação era necessária.
A presença de militares de alta patente no banco dos réus é inédita e mostra o vigor da democracia brasileira. Eles se acostumaram à impunidade e, por isso, repetidas vezes flertaram com o golpe e com o terrorismo de Estado. Esse julgamento justo, com direito à defesa e ao contraditório, condenou Bolsonaro e outros integrantes do núcleo do golpe. Bolsonaro é o que mais merece a condenação.
Quanto à anistia, a base bolsonarista pode tentar dar fôlego à pauta para mobilizar sua militância, mesmo sabendo que o Congresso não pode aprovar uma medida flagrantemente inconstitucional. Qualquer lei ou emenda que fira cláusulas pétreas da Constituição será derrubada pelo Supremo. Eles não estão interessados em debater a realidade, mas em construir narrativas. O discurso da anistia é essencial para isso. Vamos lutar para que não aconteça. Se o Congresso aprovar a anistia, deputados e senadores se tornarão cúmplices dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
E o papel do centrão e de Tarcísio de Freitas nesse cenário?
Não subestimo a força dos nossos adversários. Há duas semanas, líderes do União Brasil, Progressistas e Republicanos declararam que orientarão voto favorável à anistia. PSD e MDB sinalizaram contra. Precisamos estar atentos, denunciando e combatendo, para impedir que esse absurdo avance no Congresso.
Tarcísio de Freitas busca consolidar sua imagem como herdeiro político de Bolsonaro. No 7 de setembro, aplaudiu Donald Trump e atacou o Supremo Tribunal Federal. Foi um gesto de submissão, uma maneira de pedir a bênção de Bolsonaro para disputar a presidência. Nos bastidores, circula que Tarcísio se comprometeu com a anistia, o perdão e o indulto para contar com o apoio do ex-presidente. Ele faz parte de um pacto entre o capital financeiro, a burguesia e setores conservadores, que pressionam Bolsonaro a apoiá-lo sob risco de abandoná-lo à própria sorte.
Como disse o presidente Lula, Tarcísio se fez às custas de Bolsonaro. Sem o apoio do ex-presidente, ele não se sustenta.
Tarcísio pode se viabilizar nacionalmente?
O governo de São Paulo é uma máquina eficiente, que funciona quase sozinha. Por isso, Tarcísio larga como favorito à reeleição no estado. No plano nacional, porém, sua trajetória é incerta. Quanto mais ele radicaliza o discurso e se vincula ao bolsonarismo, mais aumenta sua rejeição.
Lula, se for candidato, será o favorito. Tem expressão política, liderança e confiança do povo. As entregas de seu governo começaram a aparecer, especialmente na economia. Apesar dos limites do arcabouço fiscal, o cenário é positivo. Lula entrará em 2026 como favorito. Isso pode até levar Tarcísio a hesitar, já que abrir mão de uma reeleição provável para disputar a presidência pode ser um salto no escuro. Meu palpite é que Lula vence, inclusive contra Tarcísio.
Como o senhor avalia as declarações de Donald Trump e a atuação de Eduardo Bolsonaro?
É inaceitável o ataque de Trump ao Brasil e à nossa soberania. Ele usa o argumento de tarifas comerciais apenas como desculpa para defender Bolsonaro e as big techs. Lula tem dado uma resposta altiva, negociando sem se submeter ao imperialismo norte-americano, o que conta com apoio popular.
Já Eduardo Bolsonaro é um traidor da pátria. Atua contra a economia brasileira, chega a aplaudir ameaças militares feitas por porta-vozes de Trump. É vergonhoso que ainda não tenha sido cassado pelo Congresso.
E as ameaças militares dos EUA no Brasil e na América do Sul?
Não descarto nenhuma hipótese. O Brasil tem peso geopolítico e cada movimento repercute no mundo. Trump busca impor hegemonia dos EUA no hemisfério, pela economia ou pela força militar.
A Venezuela vive há anos sob ataque e bloqueio. Defendo que o povo venezuelano decida seu próprio caminho, assim como os brasileiros decidem o do Brasil. Por isso, devemos levar a sério qualquer risco de intervenção e defender a soberania da região.
E a regulação das plataformas digitais?
As big techs são muito poderosas e consolidaram aliança com a extrema direita. Querem operar sem regras para interferir em eleições e defender seus interesses econômicos.
Defendemos a liberdade de expressão com devido processo, para acabar com a censura privada das plataformas, que derrubam perfis sem justificativa clara; a transparência sobre algoritmos e funcionamento interno; a responsabilidade das empresas pelos danos causados.
Hoje elas lucram com golpes e impulsionamentos que prejudicam cidadãos. Não é possível obter ganhos sem responder pelos prejuízos.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.