Ouça a Rádio BdF

População de Santa Quitéria, no Ceará, demonstra preocupação com os riscos da mineração de urânio e fosfato na região

Além do medo da contaminação do solo, da água e do ar, a questão hídrica também preocupada os moradores

Os municípios cearenses de Santa Quitéria e Itatira receberam, nos dias 11 e 13 de março, as audiências públicas onde o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apresentou para a população o Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Santa Quitéria de mineração de urânio e fosfato.

De acordo com informações divulgadas pelo Ibama, os encontros tiveram o objetivo de tirar dúvidas e coletar sugestões da população sobre o empreendimento, conforme determina a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 9/1987.

E para falar sobre esses encontros e o que foi apresentado e debatido nesses dois dias o Brasil de Fato conversou com Pedro D’Andrea, da Direção Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Antônia Patrícia Gomes, do Coletivo de Saúde do MAM Ceará.

Confira a entrevista:

Como foram essas audiências?

Pedro D’ Andrea: A gente participou das audiências. Participamos especificamente da audiência em Santa Quitéria. Acho que foi extremamente importante a nossa participação. Eu quero rapidamente destacar alguns pontos. Primeiro, nós já vínhamos identificando, desde os nossos núcleos de base em Santa Quitéria de que havia uma ação muito bem coordenada entre o Consórcio Santa Quitéria, as empresas Galvani e Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que são as empresas que compõem o consórcio que quer tirar urânio e fosfato de Santa Quitéria.

Elas vinham em uma ação articulada junto com a prefeitura para impedir e/ou desmobilizar a participação popular nessas audiências, por um conjunto de várias ações, desde a não liberação de aulas dos colégios municipais que estão, justamente, localizados nas áreas mais perto, ou seja, aqueles que são mais impactados pelo projeto em si, a não liberação desses professores, a transmissão ao vivo em comunidades que estão muito perto da jazida, de fato, que impedisse ou, de certa forma, corroborasse e colaborasse para que elas não fossem para Santa Quitéria e ficassem nas suas comunidades. E, participação assistindo a transmissão ao vivo não é participação na verdade, é um mero acompanhamento, você é um mero telespectador da audiência quando você está vendo uma transmissão ao vivo.

Nós conseguimos mobilizar a base junto com o MST, com outros companheiros e companheiras de outras organizações, povos indígenas, dos assentamentos de Santa Quitéria e fizemos um ato massivo. Entramos na audiência rompendo a barreira que ali havia, de maneira que politicamente, concretamente, mas, também, simbolicamente, nós ocupamos aquela audiência para dizer que na sua maioria se mantém a linha de compreensão popular e política de que esse projeto não trará benefício algum para o povo, e sim, um conjunto de afetações à Santa Quitéria, mas não só.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato Ceará no seu Whatsapp ::

Durante as audiências houve apresentações de representantes do Ibama, do Projeto Santa Quitéria e da Comissão Nacional de Energia Nuclear. O que vocês podem apontar de mais importante nessas apresentações? Ou o que a população precisar ficar mais atenta?

Antônia Patrícia Gomes: Primeiro, a comissão deliberativa da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) vem com uma linguagem muito robusta, muito técnica e nós estamos falando de assentados, agricultores, pessoas que vivem ali no entorno. Essas pessoas acabam sendo impactadas, sendo abaladas, sendo caladas, sem conseguir ter muito saldo do que é repassado pelo Ibama, pela Cnen, porque são questões muito técnicas. A questão radiológica, as doses, o que está sendo feito, a questão do que está sendo monitorado na área do empreendimento.

Mas eles sempre frisavam que o projeto ainda não está licenciado, que as pessoas tenham paciência, que tenham calma, que eles vão ter um olhar muito cuidadoso, porque são profissionais, são servidores públicos comprometidos, seja no órgão da Cnen, com o órgão federal, Ibama, e o anseio dessa população é que realmente seja cumprido, que eles consigam superar toda a pressão política que está sobre esses técnicos.

Mesmo que tenha um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), mesmo que tenha um novo projeto, a questão da insegurança hídrica, a questão da água do Serrote continua a mesma, os impactos ambientais continuam os mesmos, não tem como mudar. Diante disso, a gente espera que eles realmente continuem técnicos e que consigam sobreviver, consigam enfrentar toda essa pressão política que está sobre esses órgãos para o licenciamento do Projeto Santa Quitéria.

Vocês apontariam alguma contradição ou algumas contradições nessas apresentações feitas durante essas audiências?

D’ Andrea: Acho que toda apresentação em si é uma contradição, a começar por uma questão que é muito óbvia. Nós estamos falando de um projeto localizado no Sertão Central do Ceará, numa área que está em processo de desertificação, isso é comprovado por órgãos estaduais, inclusive, que demanda uma quantidade de água que é imensurável. É ridículo afirmar isso, é ridículo afirmar que o empreendimento não traria nenhum prejuízo ao abastecimento e à garantia de água em quantidade e qualidade para o povo, não só de Santa Quitéria, mas para a região, porque nós estamos falando de 24 milhões de litros por dia, isso significa uma média de 89 carros-pipas por hora, ou a mesma coisa que você tirar água de 150 mil cearense e dá para duas empresas.

Como é que em sã consciência alguém consegue defender uma lógica de que quer nos fazer acreditar que em pleno Sertão Central você não impactará uma cidade que já convive com a falta de abastecimento de água em vários períodos ao longo do ano. Já não se tem água em quantidade e qualidade para o povo.

Acho que a questão da água é central, é uma questão que move, é o lema dessa luta: “água sim, urânio não”.

A questão da saúde também é muito central.

Xilogravura em preto e branco, questionando a contaminação de urânio nas águas cearenses.
População de Santa Quitéria e Itatira teme falta de água na região, além de outros problemas oriundos da mineração. Fonte: Coletivo de Comunicação do MAM

Na primeira audiência pública, o doutorando da Universidade Federal do Ceará, Rafael Dias de Melo, falou sobre o Parecer Técnico-científico sobre os impactos ambientais do Projeto Santa Quitéria. Esse Parecer técnico vai ser levado em consideração para o processo de licenciamento?

D’ Andrea: Vai ser levado em consideração. O parecer técnico é importantíssimo. É um dos instrumentos da luta contra o projeto de urânio e fosfato. É um dos instrumentos importantíssimos para que Santa Quitéria siga sendo um território livre de mineração de urânio e fosfato. Assim foi no segundo licenciamento, assim foi em 2021 e 2022 e, certamente, assim será.

Em qual etapa está o processo de licenciamento do projeto Santa Quitéria nesse momento?

Gomes: O Ibama está debruçado, os técnicos do Ibama estão debruçados nesse novo projeto entregue pela empresa, na sua primeira fase, que é a fase de operação para as empresas, a primeira licença do Ibama, a prévia para instalar o empreendimento na mina, na fazenda Itataia. Então, nesse momento, nesse contexto, se encontra em análise para os técnicos do Ibama darem essa primeira licença prévia aos empreendedores.

Você pode conferir todas as nossas entrevistas em nossa página no Spotify ou no nosso perfil no Anchor.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato Ceará no seu Whatsapp ::

Veja mais