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De Vera

‘O resultado é importante, mas também nos interessa o processo’, diz socióloga sobre plebiscito popular

O Plebiscito conseguiu aglutinar toda a esquerda, partidos, movimentos populares, centrais sindicais

Movimentos populares, sindicais e estudantis realizaram, no mês de abril, o lançamento do Plebiscito Popular 2025, que levará para a população três pautas importantes para serem votadas como o fim da escala 6×1, a redução da jornada de trabalho sem corte salarial e a taxação dos super-ricos, com a tributação sobre quem ganha mais de R$ 50 mil, garantindo que quem recebe até R$ 5 mil seja isento de Imposto de Renda. E para falar sobre essas pautas e sobre o plebiscito em si, o Brasil de Fato conversou com Ezequiela Scapini, socióloga, doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp e pesquisadora na área de Sociologia e Economia do Trabalho.

Confira a entrevista

Brasil de Fato: O que é esse plebiscito?

Ezequiela Scapini: O plebiscito é um instrumento de participação popular, e esse plebiscito, como você mesmo já mencionou, traz esses dois grandes temas importantíssimos nessa conjuntura, que é a redução da jornada de trabalho e a justiça tributária.

O plebiscito é essa ferramenta de participação popular, essa metodologia, e acho que ela já tem alguns méritos. Ela conseguiu aglutinar, unir as forças populares. A gente tem na construção desse plebiscito, agora de 2025, as organizações, partidos, movimentos populares, que compõem as Frentes Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo, também participa o Fórum das Centrais, mas o que eu acho mais importante é que o plebiscito, por ser essa ferramenta tão importante, as pessoas que não estão no dia a dia das organizações, os movimentos, mas que tem essa vontade de querer contribuir, tem essa perspectiva de colocar a mão na massa, de fazer junto, de debater os rumos do país.

Acho que é fundamental, é um instrumento que, de fato, consegue chegar na população, consegue abrir esse diálogo e colocar o povo em movimento.

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E qual a importância da realização desse plebiscito e da participação popular?

Tem essa necessidade urgente desses dois temas e tanto a redução da jornada de trabalho quanto a taxação dos super-ricos só vão ocorrer com pressão popular, eles não são pautas de interesse para a extrema direita, por exemplo, mas eu diria que não só isso, porque esse processo organizativo do plebiscito, esse processo de mobilização, de debate, de trabalho de base, não pode acabar em setembro, quando chegar o momento da votação e a gente ter o resultado em mãos, porque a gente precisa acumular forças para um momento muito maior que vão ser as eleições de 2026.

Esses dois temas da redução da jornada de trabalho e da justiça tributária têm um grande apelo popular, são temas que a população se mostra favorável porque são, de fato, questões importantes para o trabalhador e para a trabalhadora. São temas que nos ajudam a avançar por mais direitos, são temas que nos ajudam a mobilizar para um momento de luta que vai ser muito maior, que serão as eleições do ano que vem.

Agora vamos falar um pouco sobre as pautas do plebiscito. Vamos começar com a luta pelo fim da escala 6×1? O que é essa escala 6×1?

Eu quero começar diferenciando o que é escala de trabalho do que é jornada de trabalho. Escala de trabalho é a forma como a gente organiza, distribui as horas trabalhadas na semana. Então, na escala 6×1 a gente trabalha seis dias e descansa um dia. Já a jornada de trabalho é o número de horas trabalhadas na semana. Pela nossa Constituição Federal de 1988, a nossa jornada é de 44 horas semanais, então se trabalha 8 horas de segunda a sexta e 4 horas no sábado, bem idealmente, porque a gente sabe que tem uma série de outros tipos de escala, que não necessariamente a pessoa vai descansar no domingo. E pode ainda ter um acréscimo de duas horas extras, é sempre bom frisar.

Ainda que a bandeira que tenha se popularizado seja o fim da escala 6×1, está dentro disso a redução da jornada de trabalho. Essa é a principal questão. Se a gente pegar ali a proposta da PEC da Erika Hilton, que foi protocolada, ela aponta o fim da escala 6×1, com a escala indo para 4×3, quatro dias trabalhados e três de descanso, e também aponta a redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas semanais.

Como é que a escala 6×1 implica na vida dos trabalhadores?

Eu acho que o próprio nome do movimento que impulsionou a bandeira já fala da importância da redução da jornada e do fim da escala 6×1, que é: “Vida para além do trabalho”. O ser humano não pode ser diminuído a isso, não pode ser diminuído ao seu trabalho, a forma como se sustenta, mas eu gosto também de frisar dois fatores que acho que implica na vida dos trabalhadores.

Um é em relação à saúde, mas pensando na saúde num sentido ampliado e não só do ponto de vista da doença, e para nós, realmente, no Brasil a gente tem números bem elevados de acidente do trabalho, de casos de saúde mental relacionado ao trabalho como o Burnout e, já é longamente comprovado, que quanto maior o tempo trabalhado maior o aumento de doenças, de possibilidades de acidente de trabalho, mas eu gosto de pensar a saúde num sentido ampliado porque ter saúde também é ter tempo para lazer, para convívio, para troca, ter tempo para preparar uma alimentação saudável e não comer qualquer coisa correndo.

Para tudo isso precisa de tempo e é um tempo que está sendo roubado para poucos lucrarem, para poucos poderem viver a sua vida boa, mas tem um outro fator, para além desse da saúde, que eu gosto de frisar e que às vezes a gente fala pouco quando pensa a redução da jornada de trabalho que é pensar que a redução da jornada pode contribuir para a geração de emprego, que é um tema sempre muito candente para nós no Brasil.

Você citou, anteriormente, a escala 4×3. Essa seria uma escala que pode-se dizer ideal ou há uma outra escala que seria a ideal?

Olha, o ideal é uma construção, mas assim, eu acho que dentro desse debate, quando a gente até se perguntou: “Bom, mas reduz para quanto?”, eu não me contentaria com uma jornada de 5×2 e de 40 horas.

A gente já tem, inclusive, muitos setores, categorias que funcionam nessa escala e ela já se mostra exaustiva, já é um absurdo uma escala 5×2, então imagina uma escala 6×1. Eu não me contentaria com essa jornada 5×2 de 40 horas, eu acho que o que tem no horizonte apontado para nós é uma jornada de 4×3, com 36 horas semanais, se no futuro a gente conseguir diminuir ainda mais melhor para nós, mas acho que 4×3 com 36 horas semanais é para pensar que é um ideal possível a ser atingido nos dias de hoje.

E é nesse ponto que entra a pauta da redução da jornada de trabalho sem o corte salarial?

Sim, e isso é bem importante frisar porque senão, se a gente não frisa isso, sem corte salarial, a gente vai cair na linha do Temer, que ele fez uma frase horrorosa de que com a redução da jornada de trabalho o brasileiro ia passar a trabalhar em vários outros empregos concomitantemente. A redução da jornada não pode servir para uma redução, para um corte de salário, pelo contrário, a redução é para socializar esse aumento da produtividade, que veio com o avanço tecnológico, por exemplo, que aumentou o lucro das empresas, aumentou o lucros dos empresários, mas que não se reverteu em nada para o trabalhador. O trabalhador não acessa esse aumento da produtividade, ele continua ainda com o ônus.

Como a taxação dos super-ricos pode influenciar a vida dos trabalhadores?

A gente sabe que a maior parte da carga tributária recai sobre os trabalhadores, porque os impostos são colocados mais sobre o consumo do que sobre a renda e nada sobre o patrimônio, e o argumento é muito simples: quem ganha mais precisa se responsabilizar com mais. E essa tributação precisa ser revertida para o povo brasileiro. É uma forma de custear saúde, educação, por exemplo, assim como é uma forma de fazer isso, que você citou no início, que quem ganha pouco não carregue o sistema tributário nas costas.

E qual a previsão para que esse plebiscito popular esteja disponível para a população votar?

A construção do plebiscito já está em andamento. No dia 10 de abril a gente teve o lançamento em São Paulo, numa atividade que foi muito importante porque, de fato, conseguiu aglutinar toda a esquerda, partidos, movimentos populares, sindicatos, centrais sindicais, figuras históricas da esquerda também estavam, tudo isso para a gente ter a dimensão da importância do plebiscito, dessas pautas, mas agora a gente entra no movimento que é bem importante, que é que agora cada estado precisa se organizar para a estrutura do plebiscito.

O plebiscito é feito com muitas mãos, quanto mais pessoas participam mais interessante ele fica. E veja, o que nos interessa não é só o resultado final. O resultado final é importante, mas também nos interessa esse processo de construção. Que em cada estado, cada cidade, cada bairro precisa ter um grupo de pessoas que vão estimular a construção do plebiscito, que vão estimular o debate sobre o que são essas pautas. Nem todo mundo está por dentro delas e elas são pautas que são complexas.

Esse momento é dos estados se organizarem, de verem quem vai participar, de onde vai ter urnas, enfim, depois disso entra um momento muito importante que é, de fato, com que a gente garanta que essa urna, essa disponibilidade de poder votar atinja o maior número de locais e o maior número de pessoas. A gente precisa ter urna na escola, na universidade, em posto de saúde, associação de moradores, porque a ideia é estimular o debate e ser uma consulta.

A gente ainda tem alguns meses para tudo isso, para colocar esse debate na agenda política, fazer com que esses temas façam sentido para a população brasileira. Então, lá na semana do 7 de setembro, de 1 a 7 de setembro, vai ocorrer a votação. E no que que a gente vai votar? Quais são as perguntas do plebiscito? São três perguntas. Uma primeira que é: “Você é favorável à redução da jornada de trabalho sem redução salarial?”. A segunda questão é: “Você é favorável ao fim da escala 6×1?”, e a terceira é: “Você é favorável que quem ganha mais de R$50 mil por mês pague imposto para quem ganha até R$5 mil não pague imposto?”.

Com o resultado em mãos entra o momento de pressionar lá em Brasília, levar esses resultados, que é para que essas pautas sejam aprovadas no Congresso Nacional, mas é como eu falei antes, tem esse processo do plebiscito, que vai ser ao longo deste ano, mas todo esse caldo a gente precisa que ele se mantenha para nos ajudar em 2026.

Você diria que essa é a principal iniciativa unificada das forças progressistas neste ano?

Eu diria que as forças progressistas têm um momento ímpar para mobilizar, para se encontrar com o povo brasileiro e se organizar para essa batalha de 2026, porque o plebiscito não pode ser para nós uma mera formalidade, senão a gente não precisaria fazer.

Acho que é importante frisar isso, nós não estamos em condições de desperdiçar qualquer oportunidade que nos ajude a acumular forças contra a extrema direita, e o plebiscito é a melhor ferramenta que a gente conseguiu construir enquanto organizações, enquanto forças de esquerda. Então acho que é um momento ímpar. É a nossa principal iniciativa unificada para este ano, com certeza.

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