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Momento Agroecológico

Guardiãs e guardiões de sementes crioulas partilham grãos como forma de resistência

Saber popular se contrapõe ao monopólio de grandes multinacionais

Saber popular se contrapõe ao monopólio de grandes multinacionais

De geração em geração, de família em família. O cultivo de sementes crioulas, grãos de alimentos naturais sem qualquer alteração genética ou mutação por produtos químicos, é uma valiosa herança defendida e transmitida por agricultores que lutam pela produção saudável de alimentos desde sua germinação.

Protagonistas da resistência ao monopólio de grandes empresas estrangeiras no setor de comercialização de grãos transgênicos para a agricultura, as guardiãs e guardiões de sementes se fortalecem a cada dia por meio da partilha das próprias sementes e dos conhecimentos ancestrais que carregam.

Filha de agricultores, Ines Fátima Polidoro, guardiã e integrante da Comissão Pastoral da Terra, a CPT, conta que desde criança aprendeu com sua mãe a nutrir a “esperança de colocar a semente na terra e cuidar dessa semente para ela nos dar o alimento”.

Para ela, a resistência popular e a proteção às sementes crioulas são inseparáveis. “Quando falamos de fortalecer a resistência do povo, sempre encontramos uma semente: Seja no quilombo, na aldeia, na comunidade tradicional, com os agricultores. O que segura o povo no campo é o amor às sementes”.

Ines considera que o espaço de partilha dos grãos é a principal forma de garantir que o conhecimento ancestral dos guardiões seja transmitido.

“É importante irmos para a rua, criarmos leis. Mas se não tivermos a semente de nada adianta. Quanto mais gente, mais guardiões, seja do campo ou da cidade. Multiplicar os guardiões é a ferramenta mais concreta de luta contra os grandes projetos que tem os monopólios das sementes”, defende.

Guilherme Mazer, da Rede de Sementes da Agroecologia (Resa) e do Coletivo Triunfo, explica que desde a aprovação da legislação que aprovou o Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), as multinacionais do agronegócio dominaram todas as variedades de semente. Ou seja: sem acesso à outras opções, muitos agricultores acabam utilizando os grãos adulterados.

Exatamente por isso, Mazer reforça a importância do crescimento dessa rede. “Se existe a opção da comunidade comprar a semente do seu vizinho, se sabem que alguém da cooperativa tem a semente crioula e não forem obrigados a comprar sementes de uma multinacional, se consolida um processo de resistência do modelo de produção e de ser referência para dizer que é possível fazer agricultura sem o pacote tecnológico de uma multinacional”, argumenta.

Antonio Taborda orgulha-se de ser um dos “guardiões mais antigos”. Desde que começou a plantar, aos 20 anos, protege o cultivo de grãos em sua forma natural.

“A gente plantando tudo aquilo que comemos, não dependemos de comprar as coisas no mercado. A saúde da gente é aquilo que a gente come. Eu já estou com 75 anos e nunca tomei remédio de farmácia. Isso porque sempre como coisa pura, sem veneno”, explica.

Seu Taborda relata que já perdeu 4 mil quilos de semente pura de milho que foram contaminados porque o agricultor vizinho, enganado pelas multinacionais, usou uma semente envenenada.

A chilena Neltume Espinoza, moradora de Morretes, município da região litorânea do Paraná, acredita que ser uma guardiã vai muito além de garantir a segurança alimentar.

“Acredito que para nós, guardiãs, há uma relação espiritual que não conseguimos materializar. É nossa união com nossos antepassados. Por isso eu e tantas guardiãs não protegemos só os alimentos. Queremos as adubações naturais para nutrir o solo e que as flores possam florescer. Eu vejo que nosso sentido de guardiã é a nutrição da existência”, diz Neltume.

"Ser guardiã perante o contexto político que temos é muito honroso. Estamos indo para um caminho de honrar a vida. Estamos com a força que vem da natureza. Me emociona ver tantas pessoas trabalhando pela agroecologia, tentando fazer algo diferente”, completa.
 

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