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Sanções dos EUA contra países do Sul Global são ‘arma de destruição em massa’

Para especialistas, bloqueios econômicos têm falhado em derrubar governos, mas aprofundam desigualdades

Apesar de mais de 140 países já terem sido alvo de sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos, essas medidas não têm sido eficazes em provocar mudanças de regime político. Essa é a avaliação dos analistas Miguel Stedile, historiador e comentarista político, e Lorenzo Santiago, correspondente do Brasil de Fato na Venezuela, em entrevista ao podcast O Estrangeiro.

Embora a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) preveja sanções apenas com autorização do Conselho de Segurança, e só as tenha usado três vezes, os EUA aplicam medidas unilaterais sem respaldo legal internacional. “É uma arma de destruição em massa, esse tipo de sanção. […] Os EUA utilizam [sanções] em excesso e de forma completamente desumana, desproporcional e à margem da lei”, conclui Stedile.

Apesar disso, o analista destaca que “os governos podem resistir, baseados em muitos elementos, sejam suas commodities, como a Venezuela, o Irã e a Rússia, seja subjetivamente pelos valores morais, pela conquista da revolução socialista, como em Cuba. Mas, indiscutivelmente, ele vai também cansando, exaurindo, como é o caso da Síria”. “Acaba levando a uma situação, um grau de precariedade que se torna insustentável. Não se pode tomar a precariedade como um padrão de vida”, critica.

Lorenzo Santiago aponta que, mesmo com bloqueios severos ao petróleo e ao comércio, a Venezuela resiste. “No começo do governo [do presidente dos EUA, Donald] Trump, tinha uma expectativa de que o governo [do presidente Nicolás] Maduro caísse em semanas. Isso não aconteceu”, diz. Ele pondera, no entanto, que o país vive consequências como hiperinflação, crise humanitária e migração em massa.

Para ele, os paralelos com Cuba e Irã mostram que as sanções, embora fracassem em seus objetivos políticos, são eficazes em desestabilizar as economias e causar sofrimento duradouro. “De fato, as sanções não são uma estratégia muito efetiva. Elas, na verdade, causam só sofrimento nas populações locais, e não resultam, efetivamente, em mudanças de regime nesses países”, resume.

Casos como os da Rússia e da China, que também enfrentam sanções dos EUA, mostram que é possível resistir com mais fôlego. A China diversificou sua economia e mantém uma forte presença no comércio internacional. Já a Rússia, apesar de isolada por parte do Ocidente, tem sustentado sua indústria em contexto de guerra. “Mas, se pudessem derrubar essas sanções, tenho absoluta certeza que eles derrubariam. […] É uma situação sempre de estrangulamento”, destaca Stedile.

“Moeda global”

A centralidade do dólar como moeda global é uma das ferramentas mais potentes usadas pelos Estados Unidos. “A ferramenta principal é sufocar essas economias e impedir que elas tenham acesso à principal moeda do comércio internacional, que é justamente o dólar”, indica Santiago. “A partir do momento que tem menos dólares circulando no país, as moedas nacionais acabam perdendo valor. Isso acaba sufocando toda a economia do país, gera inflação, aumento do preço dos produtos importados”, explica.

Mesmo setores não diretamente ligados à política ou à economia acabam atingidos. Santiago relembra o caso dos times de beisebol da Venezuela que, por constarem na lista de sanções dos EUA, ficaram proibidos de contratar atletas que já jogaram na liga norte-americana. “As sanções vão se sofisticando e ganhando um caráter cada vez mais amplo, atingindo até a questão cultural”, aponta.

O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11 horas no Spotify e YouTube.

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