O presidente colombiano Gustavo Petro tem apostado no enfrentamento direto com setores conservadores e no apoio popular como pilares de sua estratégia política. É o que analisam Miguel Stédile, analista político, e Gabriel Vera Lopes, correspondente do Brasil de Fato em Cuba, em entrevista ao podcast O Estrangeiro.
Para os especialistas, a postura de Petro representa uma inflexão histórica na Colômbia, país tradicionalmente alinhado aos Estados Unidos, e tem provocado impactos na correlação de forças na América Latina.
Stédile observa que a maneira de governar do presidente colombiano difere de outros líderes da região, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Brasil, ou Gabriel Boric, no Chile.
“Governar a frio é um pouco o que vemos no Brasil: vamos evitando as tensões, tentando construir conciliações. Petro constrói um histórico de mobilização popular. Ele não tem maioria no Congresso e poderia ter feito a opção de tentar governar a frio, mas o que ele faz é governar a quente”, compara. “Ele não tem força no parlamento, então vai buscar onde tem: nas ruas”, explica.
A condução da reforma trabalhista no país é citada como exemplo. Sem maioria no Senado, Petro tentou articular um plebiscito para consultar a população diretamente sobre pontos da proposta, como a formalização do trabalho doméstico e o direito à licença menstrual.
A consulta foi rejeitada, mas o presidente dobrou a aposta: fez comício na região de Calca, palco recente de violência política, e denunciou a inconstitucionalidade da decisão do Senado. O gesto pressionou os parlamentares, que recuaram e aprovaram a reforma. “Foi uma vitória a quente”, define Stédile.
A política externa do governo colombiano também é marcada pelo confronto. Petro rompeu relações diplomáticas com Israel, denunciando o que chamou de “genocídio do povo palestino”. O gesto contrasta com a tradição colombiana de alinhamento automático aos interesses dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
“Tem uma perspectiva histórica, ideológica, de uma disputa que não é só política”, avalia Lopes.
“O que Petro está fazendo é interpretar a necessidade de encarar a adversidade de frente e travar essas disputas ideológicas”, afirma o correspondente.
“Tem essa ideia de que a política não pode ser só uma coisa que está lá dentro do palácio, no Congresso, nos ministérios. A política, se quiser ter algum tipo de transformação, precisa da energia e da força dos povos mobilizados. E eu acho que essa é a grande novidade que está acontecendo na Colômbia”, analisa.
Integração latino-americana e desafios comuns
Os convidados apontam que o atual momento político da América Latina é distinto da chamada “primeira onda progressista” dos anos 2000. “Hoje, temos direitas mais raivosas e esquerdas mais moderadas”, analisa Stédile. Para ele, Claudia Sheinbaum, presidente do México, e Petro representam exceções.
“São experiências muito mais avançadas para esse tempo histórico”, opina, inclusive na agenda ambiental.
A tentativa de reconstrução de espaços de integração regional, como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), enfrenta resistências.
Um exemplo recente citado é o encontro promovido por Boric no Chile, que contou com a presença de Pedro Sánchez, presidente da Espanha, mas deixou de fora países do Sul Global. “É um progressismo mais parecido com os democratas dos EUA”, critica Lopes, para quem esse tipo de iniciativa ignora a tradição popular e soberana que marcou governos como os de Cuba, Venezuela e agora a Colômbia.
Segundo o jornalista, há aprendizados estratégicos que os países da região, como o Brasil, que tem sofrido ameaças econômicas dos EUA, podem extrair da resistência histórica de Cuba e Venezuela a sanções e bloqueios impostos pelo país estadunidense.
“O que você não pode fazer é ficar de costas para o seu povo, que é o único que vai te defender”, destaca Gabriel Lopes. “Não tem jeito de negociar com o imperialismo. Você precisa construir força, autonomia e independência”, indica.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11 horas no Spotify e YouTube.