O economista Pedro Rossi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defende que o governo brasileiro reaja ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos com medidas econômicas emergenciais, e afirma que isso pode ser feito sem desrespeitar o arcabouço fiscal. Segundo ele, o país pode acionar os chamados créditos extraordinários, previstos em lei para situações excepcionais, como ocorreu durante a pandemia de covid-19. O decreto dos EUA foi publicado nesta quarta-feira (30), com uma série de exceções.
“O governo tem que falar que a caixa fiscal está intocável, porque existe uma coisa chamada crédito extraordinário, justamente para situações excepcionais, e isso se enquadra. […] Tem que dar uma banana e falar: ‘Vamos cumprir o teto de gastos, mas na situação prevista por lei, vamos fazer esse programa’. Esse programa é absolutamente necessário para o país hoje”, diz Rossi, em entrevista ao podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato.
A taxação extra, que deve entrar em vigor nesta sexta-feira (1º), foi articulada pelo presidente dos EUA Donald Trump e pode elevar em 50% o custo das exportações brasileiras para os estadunidenses. Para Rossi, trata-se de um “choque econômico” que exige resposta do Estado, tal como foi feito na pandemia. “O mercado não resolve choques, essa é a verdade, então o governo tem que entrar, e é possível fazer isso”, avalia.
Tarifaço pode ser virada política
Além de medidas como subsídios e linhas de crédito para setores afetados, Rossi defende que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) redirecione a produção para novos mercados e use o episódio para fortalecer sua posição política. “Se o país não se render nesse embate, não entregar coisas importantes, Lula pode ter um ganho político importante”, avalia. Ele também critica a tentativa dos EUA de pressionarem o Brasil por questões que não são comerciais, mas políticas, como a tentativa de interferência no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu por golpe de Estado.
O jornalista Vinicius Konchinski, da editoria de economia do Brasil de Fato, também entrevistado no episódio, avalia que o tarifaço pode ser uma oportunidade de romper o cerco fiscal e recolocar a agenda de políticas públicas no centro do debate. “Vejo nesse momento uma oportunidade de mudar o debate político no Brasil. O governo Lula está muito emparedado pela questão fiscal […] e cria-se uma oportunidade de sair dessa defesa da austeridade fiscal e colocar políticas públicas para estimular a indústria”, analisa.
Segundo Rossi, é viável neutralizar os impactos macroeconômicos e suavizar os prejuízos setoriais com políticas públicas específicas. “Vamos precisar, sim, de linhas de crédito subsidiadas para setores específicos, acordo para essas empresas manterem empregos, e evidentemente de uma série de acordos e subsídios e vantagens para que o setor simplesmente não sofra o impacto”, cita.
“Brasil tem bala para encarar os Estados Unidos”
Pedro Rossi elogia a postura do governo Lula, que tenta negociar com Washington sem abrir mão da soberania nacional. “Espero que o governo segure a onda, tal como tem feito, porque o Brasil tem bala para encarar os Estados Unidos”, aponta. O economista lamenta, por outro lado, o comportamento da União Europeia, que, nas palavras dele, “entregou muita coisa” a Trump e agora “coloca pressão sobre o Brasil” para fazer o mesmo. “Eu acho que não tem que entregar”, opina.
A atuação do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também foi repudiada. Vinicius Konchinski diz que o filho do ex-presidente “está lá [nos EUA] para dificultar que os senadores conversem com as autoridades” estadunidenses e que, infelizmente, “parece que o esforço dele está tendo resultado”. Uma comitiva de senadores está desde o início da semana nos EUA para tentar negociar as sanções tarifárias do país contra o Brasil, até então sem “nenhum contato promissor”, conforme o jornalista.
Diversificar parceiros e fortalecer Sul Global
A crise também reacende o debate sobre a dependência brasileira em relação aos Estados Unidos e à China. Para Rossi, é hora de fortalecer os laços com América Latina, África e o Brics. “Esse tarifaço de Trump é um tiro no pé dos Estados Unidos, porque no fundo ele leva outros países a reduzirem a dependência dos EUA. […] O Brasil tem hoje uma oportunidade para repensar a sua inserção internacional”, observa.
Segundo Konchinski, o governo Lula já vinha buscando diversificar mercados e a crise deve acelerar esse movimento. “Uma coisa que fica clara é que o Brasil precisa ter uma pluralidade cada vez maior de parceiros comerciais. Não podemos ficar suscetíveis a líderes mundiais que decidem que ‘hoje eu vou taxar o Brasil’. […] O presidente Lula entende a importância disso e acho que o tarifaço vai reforçar esse esforço que já existe”, indica.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11h no Spotify e YouTube.