A cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), realizada nesta semana, na China, reuniu os presidentes Xi Jinping, do país que sediou o evento; Vladimir Putin, da Rússia; e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Para o historiador Miguel Stédile, entrevistado no podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato, a reunião simbolizou muito mais do que um encontro regional. “No fundo, e isso é ruim para o Brasil. O que tivemos nessa semana foi a verdadeira cúpula dos Brics”, avalia.
Segundo ele, a presença conjunta da China, da Rússia e da Índia mostrou uma articulação mais sólida do que a que se viu na cúpula do Brics realizada no Rio de Janeiro em julho, quando o Brasil assumiu a presidência do bloco. Naquele encontro, Xi Jinping não compareceu presencialmente e Putin participou apenas por videoconferência. “Do ponto de vista de sinalizações concretas, foi uma cúpula muito tímida, esvaziada. Não tivemos Xi Jinping e Putin, então ela não teve a força que esse momento histórico exigiria. E aí, passam-se alguns meses e temos isso em Xangai”, compara.
O historiador destaca a importância da participação indiana no novo encontro. Tradicionalmente considerada o “elo fraco” do Brics, por manter posições ambíguas e mais próximas ao Ocidente, a Índia se alinhou a Pequim e Moscou nesta cúpula. “O fato dela ter vindo jogar junto com a China e com a Rússia é importantíssimo nesse momento conjuntural”, indica.
Outro exemplo do peso da reunião foi o desfile militar em Pequim, em celebração aos 80 anos da vitória sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial, que contou com a presença de quase 30 chefes de Estado. Para Stédile, a cena simbolizou a capacidade da China de “entrar no jogo” e se afirmar no centro das disputas globais.
O historiador também chama atenção para o debate sobre governança global. Segundo ele, a China mantém a linha de propor maior participação do Sul Global em organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a organização Mundial do Comércio (OMC), mas o peso crescente da OCX pode apontar para a construção de um novo sistema, menos dependente do Ocidente.
Para Stédile, esse contraste também expõe a fragilidade da política externa brasileira. Embora o país presida o Brics em 2025, ficou de fora das principais articulações vistas na China. “Ou o Itamaraty (…) vai buscar o Oriente, ou nós vamos virar o terceiro mundo. Vai ter o primeiro mundo da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], o segundo mundo da organização de Xangai e do Oriente, e o terceiro mundo exportador de matéria-prima básica para os dois mundos”, alerta.
Gasoduto e reorientação para o Oriente
Também ao podcast, o correspondente do BdF na Rússia, Serguei Monin, destacou que o acordo mais relevante firmado na cúpula foi a construção do gasoduto Força da Sibéria 2, que ampliará o fornecimento de gás russo para a China, passando pela Mongólia. Além disso, a Rússia e a China firmaram um regime de isenção de vistos para turistas por até 30 dias.
Para Monin, esses acordos são vistos em Moscou como parte de um movimento maior de “reorientação para o Oriente”, diante das sanções ocidentais após a guerra na Ucrânia. “É uma consolidação de uma busca por uma transformação no sistema internacional menos ocidental, pós-ocidental, pode ser dito assim”, afirma.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11h no Spotify e YouTube.