Após altas consideráveis no período da pandemia, o Brasil conseguiu diminuir os números da mortalidade materna, mas ainda não chegou às metas de redução estabelecidas internacionalmente e pelas políticas públicas. Os dados mais recentes, referentes a 2023, indicam que a razão de mortalidade materna em território nacional girava entre 55 e 60 óbitos a cada 100 mil nascimentos.
Até 2027, o governo espera alcançar uma queda de 25% nos índices atuais. Isso significa chegar a patamares nunca antes registrados em território nacional. Além disso, o país também espera atender à definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, que determina como ideal o patamar de 30 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos.
Para chegar lá, foi lançada em setembro do ano passado a Rede Alyne, que determina políticas de aprimoramento e atenção à saúde da mulher e da criança. Ela prevê continuidade de diretrizes importantes para os períodos de gestação, parto, nascimento, puerpério e cuidado do recém-nascido e criança até 2 anos, mas também busca modelos que possam combater um cenário estrutural.
Embora o Brasil tenha avançado no acesso ao pré-natal a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a desigualdade ainda representa um obstáculo na efetividade da mudança. Uma das expressões dessa realidade está no racismo. Dados do Ministério da Saúde apontam que o risco de morte materna entre mulheres negras é duas vezes maior do que entre as brancas. Outro ponto de entrave considerável são as desigualdades regionais de estrutura e de atendimento do SUS.
A Rede Alyne propõe soluções para essas e outras questões que não estavam contempladas anteriormente no planejamento das políticas de saúde materna. Maria Gomes, coordenadora do Portal de Boas Práticas e de Ações Nacionais e de Cooperação do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, o IFF da Fiocruz, conversou com o Repórter SUS sobre o tema.
Segundo ela, a nova política trouxe um reconhecimento de necessidades específicas ainda não contempladas. Entre os elementos fundamentais para qualidade e segurança no cuidado das mulheres estão a regulação de leitos e de transporte, o incentivo para fomentar a política dos bancos de leite no país e a garantia do pré-natal de risco consolidado em todo o território nacional, inclusive com orçamento federal.
“A atenção primária é responsável por 100% do cuidado pré-natal. Mas temos uma fração de mulheres para as quais o cuidado exclusivamente realizado pelas equipes de Saúde da Família não é suficiente. Elas precisam de outras especialidades, que vão incluir, além da obstetrícia, clínicos, cardiologistas, endocrinologistas. Esse cuidado, até setembro de 2024, não tinha uma conformação específica, uma habilitação específica e recursos federais específicos para incentivar, apoiar e qualificar o serviço.”
Ao podcast, a coordenadora ponderou que, embora o Brasil já oferte o pré-natal de risco, as regiões com o SUS menos estruturado acabam com uma capacidade menor de cobertura. A proposta da Rede Alyne tem foco na solução desse problema. “Da mesma forma, a Rede traz também o ambulatório especializado com habilitação programada e com recursos específicos para os recém-nascidos que têm alguma condição de risco e passam por internações nas unidades neonatais, nos leitos intensivos e nos leitos intermediários”, complementou a especialista.
Além do enfrentamento de desafios históricos persistentes, da articulação entre a Atenção Primária à Saúde (APS) e a Atenção Especializada e da criação de ambulatórios especializados gestantes e bebês de alto risco, a nova rede também tem o objetivo de ampliar a infraestrutura já existente no Brasil. Há a previsão de construção de novas maternidades e Centros de Parto Normal, priorizando regiões com piores índices de mortalidade materna.
Em que pé está?
Atualmente, a implementação da Rede Alyne passa pela fase de estruturação e adesão de estados e municípios. O Ministério da Saúde publicou uma Nota Técnica com orientações sobre operacionalização de recursos, organização de serviços e garantias de equidade no acesso à assistência. O processo de implementação exige a elaboração de planos de ação regionais, que devem ser aprovados e homologados pelo Ministério da Saúde.
Maria Gomes ressaltou que os preceitos da política e muitas das ações necessárias já eram demandas históricas mapeadas pelo poder público e pela sociedade. Frente a isso, o processo de implementação atual reflete o “amadurecimento da capacidade brasileira” para analisar os avanços e passos imediatos necessários.
Segundo a especialista, é primordial que a rede de saúde possa programar e definir, com gestantes e famílias, o caminho assistencial de todo o processo. “O aprimoramento e fortalecimento é urgente no cuidado à gestação e ao nascimento. Primeiro porque é um evento em declínio. Temos, a cada ano, um número menor de nascimentos. Não estamos pressionados como estamos, por exemplo, pelo envelhecimento da população. Temos um número em declínio e que podemos programar.”
A importância do nome
O nome escolhido para a política é uma homenagem a Alyne Pimentel, que faleceu em 2002, grávida de seis meses, por falta de atendimento. Mulher negra, ela era moradora da Baixada Fluminense e tinha 28 anos quando procurou o sistema de saúde passando mal. Alyne foi mandada para casa sem realizar nenhum exame e não melhorou.
Ao voltar a buscar ajuda, a paciente enfrentou longos períodos de espera e teve piora no quadro de saúde. O bebê acabou morrendo e Alyne passou por várias complicações. Ainda assim, teve que aguardar oito horas por uma ambulância para ser transferida para outra unidade e também faleceu
O óbito levou o caso ao Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU. Em 2011, o Brasil se tornou o primeiro país no mundo condenado por morte materna evitável em uma corte internacional, reconhecida como violação dos direitos humanos das mulheres.
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz.