Prestes a completar 35 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi objeto, pela primeira vez, de uma pesquisa que faz um pente fino na estrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Essenciais na porta de entrada do SUS, em 2024, elas chegaram a quase 45 mil estabelecimentos, presentes em praticamente todos os municípios brasileiros. No entanto, mesmo com alta abrangência, o levantamento aponta que mais de 60% das UBSs necessitam de reforma ou ampliação.
Apenas 21% das unidades possuem sala para coleta de exames laboratoriais, como sangue e urina. Isso significa que mais de 35 mil UBS não contam com esse tipo de serviço, o que força a população a buscar outros níveis de atendimento, na média e na alta complexidade, para realizar procedimentos rotineiros.
Apesar do acesso à internet em mais de 94% delas e da disponibilidade de prontuários eletrônicos em 87%, quase metade (47,8%) precisa de infraestrutura adequada para conferências online, o que representa um obstáculo para ampliação de estratégias de telessaúde.
A mudança nesse cenário tem potencial de diminuir filas e resolver questões menos complexas em menor tempo.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, do Brasil de Fato, Luiz Augusto Facchini, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e um dos coordenadores do Censo das UBS, pondera que, apesar da necessidade de avanços, os números confirmam o SUS como um dos mais abrangentes sistemas de saúde pública do mundo.
“Temos um conjunto importante de resultados em questões que são muito relevantes e temos desafios que persistem e que precisamos enfrentar”, avalia o especialista. Na conversa, ele ressalta que o Censo abre a oportunidade para políticas alinhadas às necessidades específicas, levantadas de maneira criteriosa e “que possam satisfazer as demandas que a população apresenta de modo rápido, ágil, com grande resolutividade e minimizando os desafios que temos hoje.”
A pesquisa indica, por exemplo, que 79,7% das UBS contam com salas de vacina, o que representa quase 36 mil estruturas desse tipo em todo o país. O professor destaca, no entanto, que mesmo que o resultado seja “grandioso”, ele revela a existência de mais de 9 mil estabelecimentos sem esses espaços, 20,3% do total. “Precisamos alcançar 100% das unidades para universalizar esse acesso e termos esse recurso. Esse é um aspecto fundamental.”
Embora Sul e Norte tenham a maior proporção de estabelecimentos sem salas de vacina — com cerca de 25% do total cada — o levantamento mostra que a maior parte das outras regiões também têm médias superiores ao índice geral do país. No Centro-Oeste, 23,3% estão nessa situação; no Sudeste, a porcentagem é de 22,2%. Apenas a região Nordeste apresenta proporção regional menor que a nacional, com resultado de 15,2%.
Facchini também alerta que a estrutura dessas salas precisa avançar, inclusive com a disponibilização de tecnologias mais recentes. Mais da metade das UBS têm geladeira para armazenamento de imunizantes, mas apenas 38% contam com câmaras frias. “As câmaras frias dão mais segurança em relação à falta de energia, que ocorre muitas vezes não só no interior, mas até mesmo nas capitais. Elas são uma garantia da conservação dessas vacinas e de não haver desperdício.
Um terceiro aspecto, segundo o especialista, é a disponibilização em si dos imunizantes para vencer o déficit vacinal de anos mais recentes. “No nosso melhor momento, em 2014, elas estavam em torno de 95%. Éramos referência no mundo. Depois, tivemos diversos problemas políticos, desinvestimento nas unidades e redução do financiamento. Tivemos, inclusive, um processo marcante no governo passado de negacionismo em relação às vacinas, falta de estímulo à população e de campanhas de divulgação, e até mesmo ausência das vacinas das unidades básicas.”
Ele ressalta que as coberturas já começaram um processo de crescimento nos últimos dois anos, mas o padrão superior a 95% ainda precisa ser resgatado. “Estimulamos muito que isso seja um tema a ser retomado de modo muito enfático. É um recurso que é relativamente fácil de providenciar, porque o Brasil é um país fortemente aderido à noção da universalização da vacinação para a população. Em muitos lugares houve centralização das vacinas, foram criados centros de vacinação e as vacinas foram tiradas das Unidades Básicas. Isso não é uma boa ideia, dificulta o acesso. Evidentemente que ter as vacinas próximo da residência das pessoas é o elemento fundamental.”
Estruturas regionais
A região Sudeste é a que apresenta a maior proporção, com 36,3% das UBSs equipadas com salas para coleta de exames. No Centro-Oeste, a porcentagem é de 20, 8%. Nordeste (12,8%), Sul (15,1%) e Norte (16,6%) têm os menores índices. Facchini aponta que a presença dessas salas em todas as unidades é viável e depende apenas de reformulação organizacional. “Não é um grande desafio técnico, nem mesmo de infraestrutura. Temos toda a capacidade técnica estabelecida e temos o pessoal. Precisamos fazer um processo organizativo para que isso seja viável e atenda todo mundo.”
O Censo também identifica que a participação social precisa de fortalecimento. Apenas 36,3% das UBSs contam com Conselhos Locais de Saúde ativos. A estrutura nacional também é insuficiente no combate direto a desigualdades estruturais do país. Quase metade das unidades (48,4%) não desenvolve ações para promoção da equidade de gênero, orientação sexual ou combate ao racismo.
Mais de 96,2% das unidades contam com médicos, 96,6% com enfermeiros, 94,4% com técnicos de enfermagem e 80% com dentistas. Além disso, há uma ampla oferta de serviços essenciais, como pré-natal (95,9% por enfermeiro e 95,7% por médico), acompanhamento da saúde na infância e na adolescência, com foco na prevenção e no desenvolvimento (94%), e coleta de exame citopatológico, como o papanicolau (96,3%).
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Novos programas são lançados toda semana. Ouça aqui os episódios anteriores.