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Sabe Som?

‘Não deixo a vida me levar, não’, diz Douglas Germano, em crítica ao estereótipo do sambista

Além de destacar a importância cultural do gênero, compositor alerta para preconceitos que ainda o cercam

“Hoje se entende o samba de uma única forma estética sonora, e eu sou completamente avesso a isso. Sem falar da folclorização do personagem sambista, que o cara tem sempre que estar sempre calibrado e com a camisa aberta, e alheio a tudo o que é importante. Eu não sou nada disso, estou fora disso e evito ao máximo. Eu não deixo a vida me levar, não”, diz Douglas Germano, sambista e compositor.

Além de destacar a importância cultural do gênero na sociedade brasileira, principalmente por representar a “pura vontade de beleza, de sair, de se divertir”, o entrevistado do podcast Sabe Som? desta sexta-feira (4) alerta para a estereotipação e os preconceitos que ainda cercam o ritmo.

Em conversa com o apresentador Thiago França, Germano fala ainda sobre a influência do gênero musical em sua trajetória e obra, e traz à tona sua relevância para a diversidade e a democracia no Brasil ao longo de gerações.

Mesmo com “carinha de Menudo”, como ele próprio ironiza, em referência à boy band de Porto Rico que tinha Ricky Martin entre os integrantes , foi no samba que Germano se encontrou e fez do ritmo sua vida por volta dos anos 1980.

“Eu estava dentro da bateria da Nenê de Vila Matilde. Não tem som mais pesado para mim do que aquilo”, relembra o compositor, ilustrando como o gênero falou mais alto dentre os estilos musicais disponíveis na época.

Não deixe o samba morrer

O compositor ressalta a necessidade de manter o samba vivo no cotidiano, não apenas como música, mas como um instrumento democrático de comunicação. “Quanto mais gente fazendo, melhor. Quanto mais atualizar a temática, melhor.”

“Esses caras [Cartola, Nelson Gonçalves, Noel Rosa e Paulinho da Viola] jogaram o bastão pra gente e não adianta a gente jogar pra eles de volta. A gente tem que pegar esse bastão e jogar pro meu filho aqui, de uma maneira que seja inteligível e que comunique.”

No Brasil, argumenta o compositor, equivocadamente se prega a ideia de que “é tudo samba”. No entanto, ele vê no gênero um lugar de fala autêntico, que não alcança o mesmo nível de representatividade quando pausterizado.

Desde as composições mais antigas e respeitadas, até as mais atuais que buscam seu lugar ao sol, dentro do samba, pontua Germano, existe uma grande diversidade, visto que “você faz samba com uma caixa de fósforo e faz com um piano, baixo de pau e bateria. E é tudo música. Então por isso que eu detesto todo esse movimento que a indústria conseguiu realizar e consolidar a pasteurização do samba”, conclui.

Por mais que o ritmo dialogue com diferentes camadas da sociedade, suas composições falam a língua do povo e retratam o cotidiano das classes mais pobres do país. Germano ilustra essa realidade ao provocar: “Achem um samba que fale de praia. Não tem.” Isso porque, segundo ele, a parcela menos abastada da população não tem esse cenário como fonte de inspiração musical, já que não o frequenta.

No entanto, o compositor ressalta que, por mais que seja um estilo musical “generoso, complexo e muito sofisticado”, o “samba é a colinha que mantém todo mundo unido”, independente da classe social.

“O samba agrega um elemento que é até literário. Muitas vezes o cara canta um samba, não é porque ele gosta do samba, é porque ele quer dizer aquilo que o samba diz. Ele usa o samba para fazer um discurso com engajamento político e tudo mais. Isso é sensacional”, completa.

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