“O universo da música é popular e coletivizado”, destaca Thiago de Souza, popularmente conhecido como Thiagson. Mestre em música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), e autor do livro Tudo o que você sempre quis saber sobre Funk …mas tinha medo de perguntar, ele investiga não apenas o crescimento do gênero musical no país, mas sua profunda relação com as classes populares – na contramão do moralismo e do conservadorismo que ainda impera em parte do cenário cultural brasileiro.
Chegado no Brasil em meados de 1970, o funk, nascido nos Estados Unidos e criado pelas comunidades afro-americanas, em pouco tempo caiu nas graças do brasileiro. Popularizado inicialmente nas periferias do Rio de Janeiro, desde o início o funk apontava para o caminho que seguiria: “popular, marginalizado e essencial”.
No episódio desta sexta-feira (2) do podcast Sabe Som?, apresentado por Thiago França, o pesquisador afirma que o “funk faz o que faz de propósito” porque é um espaço de fala, não apenas para os jovens, mas também para minorias historicamente silenciadas no Brasil.
Para Thiagson, o incômodo social com o funk está longe de ser apenas estético. “Isso é bastante falado. Murray Schafer, [pesquisador canadense da música e compositor], falava sobre isso no livro Ouvido Pensante: que o ódio que você tem com os estilos musicais não é por causa da música em si, é por causa das pessoas que fazem aquela música. Porque a música não tem como se separar da sociedade. Quer dizer, tem, né? As faculdades de música separam. Tecnicizam a música. E isso é perigoso”, reflete.
Dentro do ambiente universitário e também fora dele, o preconceito com o funk se revela como reflexo de um olhar elitista sobre o que é cultura legítima. “Existe uma desvalorização de tudo aquilo que você ouve. ‘Isso não presta, isso é um lixo, isso não é cultura, vá se aculturar’”, relembra Thiagson, sobre sua vivência como acadêmico.
Mais do que abrir portas para novos artistas e expressões culturais, o funk escancara aquilo que por muito tempo foi empurrado para as margens. Segundo Thiagson, ele dá forma sonora a experiências sociais invisibilizadas. E, apesar da riqueza cultural que a música brasileira abriga, ainda há resistência quando o novo surge, especialmente se vem da periferia. “Aquilo que é novo causa uma certa resistência”, pontua Thiagson.
Para ele, o ataque ao funk é direto: “É preconceito com as pessoas que fazem, com os valores, com a vida, com a visão de mundo do povo periférico!”
Esse estranhamento, no entanto, ganha contornos ainda mais duros quando o assunto é o funk. Não por acaso, “a música que é considerada marginalizada, ela é na verdade o centro da vida social, e o funk é essa música, é o centro. E o preconceito é por causa das pessoas [que a consomem]”, diz Thiagsom.
“O funk não quer ser Chico Buarque”
A crítica ao funk, dessa forma, não se limita ao ritmo. Ele também observa o incômodo com a temática sexual, presente em muitas letras de funk, e escancara a hipocrisia de setores conservadores da sociedade. “Os reacionários têm dificuldade em lidar com a sexualidade e falar disso abertamente”, aponta.
Ainda sobre os argumentos moralistas a respeito da ausência de “conteúdo” nas letras de funk, Thiagson é categórico: “O funk não quer ser Chico Buarque”. Ele afirma que a proposta do funk não é repetir fórmulas aceitas, mas sim criar algo novo e transgressor.
“O moralismo e o conservadorismo criam a falsa ideia de que a letra do funk é o mal da sociedade e que a culpa da degradação social”, destaca.
Thiagson reforça que essa movimentação no combate ao funk não expressa nada além que receio do seu potencial, pois “a música pode gerar alguma revolução, alguma revolta. Então existe medo!”
O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, nas principais plataformas, como Spotify e YouTube Music.