Daniel Sanches Takara, mais conhecido como Daniel Ganjaman, tem uma maneira muito própria de definir sua profissão: “O papel do produtor é traduzir, não dominar o artista”. Em conversa com Thiago França no Sabe Som? desta sexta-feira (16), um dos produtores mais emblemáticos da música brasileira das últimas décadas relembra sua trajetória e faz críticas ao cenário atual. Mas, ainda assim, afirma seguir apaixonado pelo seu ofício, que, para ele, está mais ligado à orientação do que à autoria.
“Meu lugar de produtor é ajudar o artista a chegar onde ele quer, e muitas vezes ele tem dificuldade. Diferente do que muita gente pensa, que é dar minha cara para o trabalho, é lapidar”, explica. Ganjaman se orgulha de poder transitar por universos diversos — do Muqueca de Rato a Ivete Sangalo — sempre com respeito à identidade de quem está à frente do palco.
“Otto, Sabotage, Criolo tinham algo muito comum nesse lugar, de serem a matéria-prima perfeita, bruta. Um negócio que me dava muito subsídio, para poder chegar… Para mim é ouro, né?”.
Talvez por isso o produtor ainda hesite em lançar um disco solo. Para ele, a realização está no processo coletivo, na escuta e na organização do caos criativo. “Eu gosto do resultado que eu chego. Eu me sinto muito seguro fazendo direção musical. Organizar músicos que eu sei que são muito superiores a mim tecnicamente. Pra mim, tá tudo bem. Isso já cumpre, de certa forma, esse papel de realização pessoal.”
Trajetória musical
“Tem um momento na vida em que você olha para si e se pergunta: é isso mesmo que eu sou?”. Foi assim que Ganjaman descreveu a virada de chave que o fez se reconhecer como produtor musical — e não apenas alguém envolvido com música. A provocação veio de uma adolescente que desacreditou da sua profissão. E o que parece uma cena corriqueira de dúvida juvenil virou um divisor de águas para o artista.
O produtor relembra o episódio que o ajudou a afirmar sua identidade no cenário musical e fala sobre como esse reconhecimento é, muitas vezes, subjetivo e solitário. “A música tem um pouco dessa subjetividade, né? De você também estar ali, é, não tem um algo que te ateste, né? Antes tinha a carteira da OMB [Ordem dos Músicos do Brasil], que era uma palhaçada, mas era algo. Hoje é você com você mesmo”, diz.
Esse processo, para ele, foi atravessado por experiências marcantes, como a de produzir músicos para tocar para mais 40 mil pessoas no Lollapalooza 2013. Foi ali que começou a perceber que grandes palcos nem sempre combinam com certas sonoridades e propostas artísticas. “Tem projeto que simplesmente não funciona nesse tipo de espaço. Eu já vi show de banda que eu adoro, principalmente nesse ambiente mais do rock, que sempre tocou em clube pequeno, e quando foi pra um festival grande o som era ruim. Porque aquilo não pertence àquele lugar, entendeu?”, lembrou.
Para ele, a dimensão íntima e a escuta atenta ainda são o que dão sentido à música. A dicotomia entre os grandes festivais e os shows intimistas, aliás, permeou boa parte da conversa. Ganjaman é direto ao afirmar que, em eventos gigantes, “a música já não é mais a protagonista”.
Para ele, o espetáculo muitas vezes se sobrepõe ao som. “Hoje em dia, todo show grande tem base pré-gravada. E quando não tem, soa estranho para o público”, refletiu. Ainda que reconheça a grandiosidade e o impacto de artistas como Lady Gaga ou Madonna, confessa: prefere o músico no palco, “tocando de verdade, com erro e tudo”.
‘A gente não pode mais ser independente de verdade’
Ganjaman também comenta os impactos da transformação do mercado musical sobre o cenário independente. Se antes bastava prensar um CD e vendê-lo na noite, hoje o jogo é dominado por plataformas de streaming e redes sociais que impõem filtros, ranqueamentos e métricas cada vez mais sufocantes. “A gente não pode mais ser independente de verdade. Divulgar um som significa estar nas mãos de bilionários”, critica.
Ele ainda sugere a busca por alternativas de libertação diante desse cenário. “A gente precisa pensar muito nessa alternativa, a forma da gente não estar o tempo todo refém dessa estrutura. Que a gente possa ter uma independência de fato, não só financeira como filosófica.”
O produtor não se exime da contradição e reconhece que o streaming deu visibilidade a artistas de periferia e ajudou o rap a alcançar públicos antes distantes. Mas vê com preocupação a maneira como esse movimento tem deixado pouco legado. “Isso tem feito com que os artistas que têm essa natureza, que eu acho revolucionária, quando ocupam esse espaço mais mainstream, eles acabam virando parte dessa estrutura. Ao invés de tentar hackear essa estrutura para trazer uma nova realidade para dentro desse espaço”, afirma.
Na sua visão, a era dos coletivos e das colaborações espontâneas cedeu espaço a um ambiente competitivo e ranqueado. “Você não vê mais banda, grupo de rap. Todo mundo é artista solo. É (só) o feat, e tem que ser se ganha-ganha, porque se não for, não adianta. E é o que está ditando, inclusive, a produção musical”, lamenta.
O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, nas principais plataformas, como Spotify e YouTube Music.