Filha de pais chilenos, nascida e criada em Minas Gerais, Brisa De La Cordillera, conhecida artisticamente como Brisa Flow, fala sobre sua transculturalidade e a forma como “faz rap mineiro” no episódio 69 do Sabe Som?. Em conversa com Thiago França, a cantora e compositora diz que suas obras são fruto de sua herança chilena, de suas experiências de vida no Brasil, e explica: “o [meu]rap é herança dessas costuras, né, que me atravessam e que me formam”.
Enfatizando a maneira como se expressa musicalmente e como se identifica, não só com o Chile, mas também com sua cidade natal, Belo Horizonte, Brisa se declara “uma mapuche mineira”, em referência ao legado indígena que carrega por parte dos pais, refugiados da ditadura de Pinochet, e à sua ligação com a cultura mineira.
“Na época da ditadura, minha mãe e meu pai foram pra Santiago ainda jovens, mas ficou insustentável morar lá também e acabaram vindo pro Brasil. Nossa herança, nosso DNA cultural, estão presentes ali dentro de casa. Mas também tem tudo que eu vivi em Minas Gerais com o Congado”, conta
Brisa conta que a vontade de se manifestar por meio da música era um desejo antigo, desde a infância. “O rap me atravessou com uns 13 anos de idade. Eu queria aprender a escrever, porque entendia que era a minha forma de comunicar o que estava me atravessando”, relembra. Foi por meio dessa mescla cultural que ela encontrou sua identidade artística.
Além das dificuldades comuns da vida e da criação artística, Brisa chama atenção para as complexidades de representar um “corpo indígena” dentro da música, somadas à resistência ao machismo ainda presente na sociedade. “Detesto quando me colocam em lista de rap exclusivamente feminina. Obviamente gosto de estar ali com as minhas companheiras, mas quero estar nas listas gerais de rap. Eu sei que eu bato igual com os caras.”
Com três discos lançados, além de singles e EPs, e com uma carreira internacional em expansão, impulsionada pelo álbum Janequeo, de 2022, a compositora destaca como suas raízes seguem no Brasil e como são uma “herança forte e pulsante”, especialmente ao abordar pautas indígenas e sociais em suas letras e composições.
Portunhol mineiro pelo Sul da América
Com o desejo de compartilhar sua arte com diferentes culturas, Brisa lembra que, mesmo tendo passado por festivais como Rock in Rio e Lollapalooza, fez questão de incluir na agenda uma breve turnê por países vizinhos ao Brasil. “Gravar disco é legal, mas tocar ao vivo é outro bagulho!”
Com apresentações em países como Bolívia, Argentina, e Chile, ela destaca que a intenção dessa turnê ia além de divulgar um novo disco, e que a ideia era, sim, apresentar à outras sociedades e etnias seus raps combinados aos sons tipicamente originários, mesmo em contextos politicamente hostis.
“Na Argentina foi essa loucura. Tava com muito medo de tocar lá, já que é um país onde o neoliberalismo anda tão aflorado, assim como aqui com todos os reacionários. Fiquei com um pouco de medo, mas fui muito bem recebida pela galera do hip hop em La Plata. Fizemos um show lá, outro em Quilmes e uma jam em Buenos Aires, e foi bem legal”, conta.
Apesar das adversidades que cercam uma turnê independente, a cantora relembra a forma única de cada apresentação, ora adotando diferentes instrumentos ao seu concerto, ora com a participação de artistas regionais, sempre valorizando a cultura do país. “Quero continuar e tocar em todos os lugares que eu puder!”, afirma, não apenas como estratégia de divulgação, mas como gesto de resistência contra o preconceito e o racismo ainda presentes.
“Vi tantos amigos bolivianos passarem racismo, que chamavam de xenofobia, mas que hoje a gente entende que é uma xenofobia ligada ao território e aos fenótipos. Uma pessoa de outro país, mas que seja branca e europeia e venha visitar o Brasil, é completamente diferente de um irmão boliviano. Quando comecei a entender essa proximidade com os Andes, com os bolivianos, os peruanos — o porquê das pessoas me chamarem de boliviana — eu lembrei que foi essa consolidação de imagem racista que as pessoas viam e reproduziam pra mim. Me viam como uma boliviana que tocava flauta. E eu não queria reforçar esse estereótipo.”
Por fim, Brisa afirma que, apesar da batalha permanente contra a discriminação ou por mais incentivo à arte, ela seguirá levando sua música por onde for, com raízes bem firmadas. “Quando vou pra um lugar que eu conheço ou pra algum desconhecido, sempre tenho um lugar pra voltar. Às vezes você vai e toca alguma coisa, mas se der errado, você volta pra um lugar seguro.”
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