“Uma virada de carreira importante para ela”, destaca Roberta Martinelli, jornalista, apresentadora e escritora, ao falar sobre o disco Letrux em Noite de Climão, de 2017. O álbum é a inspiração central para o livro homônimo lançado em 2025 pela editora Cobogó, no qual Martinelli revisita histórias e detalhes do processo criativo em torno da obra. Apesar da insegurança inicial ao abraçar o projeto, ela reconhece: “meu encontro na arte se dá nessa vulnerabilidade”.
Em conversa com o apresentador Thiago França, no episódio 77 do Sabe Som?, Martinelli relembra a trajetória de Letrux e como o trabalho solo da cantora carioca reflete “uma curiosidade que ela tem com a palavra, e um jeito diferente de se colocar no mundo”.
Nascida em janeiro de 1982, Letícia Novaes tem forte envolvimento e vínculo com a música desde jovem. Apesar de produzir, compor e musicalmente figurar atualmente dentre os gêneros Pop brasileiro e MPB, ainda adolescente ela já se arriscava no rock e na música eletrônica.
O quarto disco lançado marca uma nova etapa na carreira de Letrux e também se apresenta como uma parte da história recente da música brasileira. Como aponta Martinelli, a artista sempre encarou suas obras como “ferramenta de luta”. E, mesmo trazendo “referências muito mais nos anos 70”, Em Noite de Climão “faz parte da vida dos jovens atuais”, observa a escritora.
Apesar de já ter lançado outros trabalhos, Martinelli destaca como, na fase atual, Além das referências, Letrux não esconde a importância de sua conexão astral na produção e no lançamento de seus trabalhos. Martinelli cita, por exemplo, a faixa inicialmente batizada de Alinhamento Inocente, que “acabou caindo por causa do pêndulo”, mas foi regravada por Fafá de Belém em seu disco Humana, sob o título Alinhamento Energético. Também lembra, de forma bem-humorada, que “o disco teve que ser astrologicamente lançado em 10 de julho, pois ele tinha que ser de câncer”.
O álbum representou a transição da cantora do cenário underground para o que Martinelli chama de “midstream”, um espaço intermediário entre o alternativo e o mainstream. Mas, como ressalta a escritora, “a Letícia nunca deixou de ser uma de nós”.
“Quem tem muito número importa, quem tem pouco, nem não tanto”
A conversa também toca em uma crítica ao mercado musical, cada vez mais guiado pela “lógica dos números”, como sublinha Martinelli. Segundo ela, essa lógica está totalmente ligada à audiência que um artista consegue alcançar, e não necessariamente à qualidade da sua obra. “Quem tem muito número importa, quem tem pouco, nem não tanto”, resume. Para ela, isso reduz a relevância de artistas que, mesmo sem alcançar quantidades estratosféricas de repetições, seguem fundamentais para a diversidade da música brasileira.
O disco, que alcançou o décimo lugar na lista da Rolling Stone de melhores álbuns brasileiros do ano, também foi fruto de esforço coletivo e de riscos pessoais. “Ela atingiu o midstream, mas sem esquecer que fez um disco através de um crowdfunding, gravou um DVD do próprio bolso, tinha um possível patrocínio mas acabou perdendo, porque consideraram ela uma artista perigosa por suas opiniões políticas”, relembra Roberta.
Ao refletir sobre o processo de escrita, a autora também fala sobre o desafio de se colocar no lugar de pesquisadora e cronista da cena musical. “Para mim, escrever esse livro foi uma ousadia, eu ultrapassei limites meus de insegurança. […] Eu acho que tem um lance da mulher escrever, que eu, e por, pode parecer que seja um lance de, de discurso e de não sei o quê, mas a insegurança que eu tenho realmente, assim, vem de um lugar assim, eu não sou capaz de fazer isso. […] Eu fico esperando o olhar do outro. E aí eu fiquei pensando: será que toda pessoa que coloca uma obra no mundo é tão vulnerável assim?”
Por fim, a escritora ressalta a autenticidade da obra e da própria artista: “Ela nunca deixou de fazer o que ela acreditava, é o trabalho que a Letícia acredita, e o processo de feitura do disco é tão ingênuo no sentido de não ter uma ambição de fazer isso ou aquilo, ou de chegar em algum lugar. Era ela fazendo o que ela sabia fazer, e estava apenas dando continuidade ao trabalho dela”.