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‘Guerra às drogas é instrumento ideológico para polícia matar gente pobre’, diz Sidarta Ribeiro

Declarações foram feitas no videocast Três por Quatro, que discutiu uso da cannabis medicinal

A política de drogas no Brasil segue alimentando desigualdades e reforçando a violência do Estado contra populações negras e periféricas, segundo o neurocientista Sidarta Ribeiro, vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “A guerra às drogas é um instrumento ideológico para que a polícia, as forças de violência do Estado possam matar gente pobre. É assim no mundo inteiro”, disse em entrevista ao videocast Três por Quatro, do Brasil de Fato.

“O Brasil vive uma situação curiosa: cerca de três quartos da população apoia o uso medicinal da maconha, mas essa mesma quantidades de pessoas acha não deveria ser legal utilizar maconha para ouvir música, por exemplo. É um contrassenso: para lidar com a dor, pode; para ouvir Maria Bethânia, não pode”, observa. Para o pesquisador, esse debate é marcado por preconceitos morais e racismo estrutural.

Ribeiro lembra que a criminalização da maconha no Brasil, em 1830, tem influência dos Estados Unidos e raízes históricas na repressão de minorias. “São hábitos que estão associados à capoeira, ao candomblé, ao samba, a várias práticas afro-indígenas que foram criminalizadas na mesma época. A guerra às drogas não é de fato uma guerra contra substâncias, mas uma guerra contra pessoas que usam substâncias. É uma guerra contra certos tipos de pessoas”, destaca.

O neurocientista aponta que essa discriminação pode ser observada pela forma desigual como a legislação antidrogas é aplicada. “Uma pessoa branca, de classe média, flagrada com quilos de maconha, dificilmente enfrentará qualquer tipo de punição severa – costuma ser tratada como usuária. Enquanto isso, até recentemente, antes da definição de critérios objetivos para diferenciar usuário de traficante, uma pessoa preta e favelada com apenas dois baseados podia passar anos na prisão. Isso acontece todo dia, ou pior, com casos de tortura e até morte”, afirma.

O STF descriminalizou, em 2024, o uso pessoal de maconha e fixou a quantia de 40 gramas para diferenciar usuários de traficante. No entanto, a decisão do Supremo não legaliza o porte de maconha. O porte para uso pessoal continua sendo considerado comportamento ilícito, ou seja, permanece proibido fumar a substância em local público.

Política de drogas no Brasil é ‘tragédia humanitária’

Comentarista do programa, o historiador e cientista político Valério Arcary também questionou os efeitos da atual política de drogas no país. Para ele, trata-se de uma “tragédia humanitária”, que coloca o Brasil entre os cinco países que mais encarceram no mundo, com mais de 750 mil pessoas presas atualmente.

Arcary ressalta que o modelo de proibição é insustentável. “A criminalização é um arcaísmo. É uma anomalia histórica que precisa ser superada.” Para ele, essa política não apenas ignora a realidade do uso, mas também contribui para a perseguição da juventude negra, que acaba sendo cooptada por organizações criminosas que existem para sustentar o mercado ilegal.

“É a demonização do comércio de uma substância que é consumida por milhões de pessoas para diminuir a sua dor para porque estão em sofrimento psíquico intenso. O outro lado dessa tragédia social é a perseguição da juventude negra que é manipulada por organizações criminosas que têm o monopólio de um produto proibido”, lamenta.

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