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São Paulo promove ‘guerra política, financeira e econômica’ com onda de privatizações

Denúncias apontam aumento de tarifas, precarização e autoritarismo institucional

No podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, desta semana, diferentes vozes críticas à política de privatizações no Brasil, especialmente em São Paulo, apontam os riscos do avanço desse modelo para os serviços públicos, a democracia e a população.

O ex-deputado federal José Genoino (PT-SP) fez duras críticas às privatizações em curso e alertou para o que chamou de “ditadura do capital”. Segundo ele, “necessidades essenciais para o povo não podem estar submetidas à ditadura do capital e do mercado”, e a entrega de estatais representa uma forma de apropriação privada de recursos públicos, um modelo que, na sua visão, leva à precarização dos serviços e ao autoritarismo institucional.

Genoino traçou paralelos entre o atual cenário e o auge das privatizações durante os governos tucanos nos anos 1990. Ele lembrou o escândalo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na era Fernando Henrique Cardoso (FHC), denunciou a atuação das agências reguladoras como “força auxiliar dos interesses privados” e criticou a captura do Estado por fundos de investimento e CEOs invisíveis à população. “A próxima crise vai ser a crise dos serviços públicos privatizados”, afirmou, citando apagões na Europa como alerta. Para ele, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, está “raspando o tacho”, com privatizações que incluem escolas, presídios, água e segurança pública.

O ex-parlamentar defendeu que a resistência deve ocorrer tanto no campo institucional quanto nas organizações populares. “Se não combinarmos essas duas vertentes, não temos como controlar porque o poder do capital é muito grande”, disse. E concluiu com um alerta: “Estamos diante de uma guerra política, financeira e econômica. Ou resistimos com participação popular e radicalização democrática, ou caminhamos para uma catástrofe”.

‘Destruição do Estado’ e avanço autoritário

O deputado estadual Guilherme Cortez (Psol-SP) também foi incisivo ao criticar o governo Tarcísio, classificando-o como um projeto que intensifica a “destruição do estado” iniciada pelo PSDB nos últimos 30 anos. Segundo Cortez, a gestão atual tem como objetivo transferir para a iniciativa privada serviços públicos essenciais, como saúde, educação e transporte, além de fortalecer a repressão militar para controlar a população. “O PSDB só consegue conjugar dois verbos: privatizar e militarizar”, afirma o parlamentar.

Cortez também denunciou a forma autoritária como o governo atua dentro da Assembleia Legislativa paulista, apontando que, diferente do passado, a base do governo usa “compra de apoio parlamentar” e repressão para aprovar medidas impopulares, como a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Ele relembrou a votação tumultuada da venda da empresa de saneamento, marcada pela expulsão da imprensa, da população e até de parlamentares opositores do plenário, sob uso de gás de pimenta e violência policial.

Sobre os impactos da privatização da Sabesp, que completa um ano em julho, o deputado alerta para o aumento abusivo das tarifas e a queda na qualidade do serviço. “Tem gente que recebeu conta de R$ 10 mil. Tem gente que recebeu conta 600% mais cara. E os acionistas privados pautaram o aumento do salário deles em 600%”, afirmou. Cortez finalizou destacando que o governo pretende estender a privatização ao metrô e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos  (CPTM), o que, segundo ele, agravaria ainda mais a precarização e os riscos para a população usuária.

Extrema direita recicla mitos já superados

Para o economista Marco Antonio Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a atual onda de privatizações impulsionada por governos de extrema direita no Brasil retoma discursos e práticas que o mundo já superou. Ele lembra que, diferente da década de 1990, quando havia um “mantra” ideológico em torno da redução do Estado, hoje já existe um balanço crítico sobre os impactos negativos das privatizações. “O mundo está revendo esses processos. […] No Brasil, parte da extrema direita recuperou isso como se resolvesse todos os problemas relativos à economia”, observa.

Rocha destaca três mitos recorrentes que ainda pautam o debate: o da suposta maior eficiência da gestão privada, o da promoção automática da concorrência e o da despolitização dos serviços públicos. “Na Europa, companhias de saneamento e de eletricidade foram reestatizadas porque os cidadãos perderam completamente a capacidade de fiscalizar, fazer cobrança sobre essas empresas. […] No final das contas, esses mitos da da privatização foram se desfazendo”, pontua.

Casos recentes, como o da Enel em São Paulo, ilustram as consequências da privatização no setor elétrico. Para o professor, “criou-se o mito de que o serviço seria mais eficiente e as tarifas reduzidas”. Mas o que vemos são apagões, aumentos de tarifa e baixa capacidade de fiscalização. Isso acontece, ele explica, porque empresas como a Enel operam com foco no lucro e pouca transparência. Ele alerta ainda que mesmo as agências reguladoras, responsáveis por acompanhar essas empresas, são alvos fáceis de desmonte e captura política.

O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 11h ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.

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