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Plano Brasil Soberano mantém estratégia iniciada em 2003 e rebate discurso de que ‘agro é pop’, avaliam economistas

Especialistas relembram histórico de diversificação de mercados e criticam 'chantagem do mercado' contra governo

Para os economistas Juliane Furno e Fábio Sobral, o Plano Brasil Soberano, lançado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira (14) para conter os impactos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos, é mais do que uma reação pontual: ele dá continuidade a uma estratégia iniciada em 2003, que visa reduzir a dependência das exportações brasileiras para o mercado estadunidense.

“É uma resposta conjuntural de uma longa política inaugurada em 2003, em que o Brasil vai se tornando independente das exportações para os Estados Unidos”, diz Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ele destaca que, desde o seu primeiro mandato, Lula buscou diversificar mercados e estreitar laços comerciais com países como China, movimento “ridicularizado pela imprensa tradicional” à época, mas que hoje se mostra estratégico.

Furno, por sua vez, compara o pacote a respostas anteriores do Estado brasileiro diante de choques econômicos, como a crise de 2008 e a pandemia do coronavirus, em 2020, ressaltando que o plano atual aciona instrumentos como crédito subsidiado, adiamento de impostos e compras públicas. “O plano está correto e vai ao encontro de outras iniciativas que o Estado brasileiro desempenhou em momentos em que houve um choque externo importante para a economia brasileira”, relembra.

Os entrevistados defendem que as medidas mantenham um caráter emergencial, evitando que se tornem benefícios permanentes incorporados ao lucro empresarial. “É um risco, principalmente porque nós temos um Congresso, em sua maioria, defensor desses setores extremamente ricos”, alerta Sobral.

Sobre as críticas do “mercado” a possíveis riscos fiscais, Furno aponta que se trata de uma “chantagem” para limitar o papel do Estado. “Não acabou o dinheiro. O Estado brasileiro hoje é constrangido pelo arcabouço fiscal e pela chantagem do mercado a executar um orçamento muito inferior do que ele poderia e deveria”, critica.

Fábio Sobral elogia, no entanto, a atuação do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (PSB) nas negociações, comparando seu papel de articulação empresarial ao que José Alencar exerceu, então com o mesmo posto, no primeiro governo Lula. “Ele é uma figura ativa, representa nessa conjuntura complicadíssima uma confiança do presidente Lula em relação ao vice-presidente e ministro. Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a aliança com Geraldo Alckmin, ela se dissipou agora”, observa.

“Não é agro que é pop, mas o salário”

As críticas de setores do agronegócio que não foram diretamente contemplados, como pecuaristas e produtores de frutas, também foram rebatidas pelos dois economistas. Furno explica que “uma ajuda lá na ponta vai contribuir para que não haja interferências e rupturas na cadeia produtiva como um todo”. Já Sobral acrescenta que esses segmentos já recebem subsídios expressivos por meio do Plano Safra e que o foco deve estar no “setor final de exportação”, onde o impacto do tarifaço é mais imediato.

O professor também questiona a centralidade do agronegócio no discurso político. “Ao contrário do que diz a propaganda, não é o agro [que sustenta o Brasil]. O agro se arvora o direito de dizer que sustenta o Brasil. Eu diria que quem sustenta o Brasil é o consumo interno, o consumo das camadas trabalhadoras, assalariadas, que respondem por cerca de 60% do Produto Interno Bruto. Então é esse consumo interno que deve ser estimulado. […] Não é o agro que é pop, é o salário que é pop”, afirma.

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