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‘Zema lançou candidatura fora de hora e apanhou dos dois lados’, afirma cientista político

Professor da UFMG Leonardo Avritzer conversou com o Brasil de Fato MG sobre o lançamento de Zema à corrida presidencial

O lançamento da pré-candidatura do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à presidência da República pautou o Visões Populares entrevista desta quarta-feira (16).  Para dialogar sobre a decisão, anunciada no sábado (16), em São Paulo, o Brasil de Fato MG entrevistou Leonardo Avritzer. Ele é  cientista político, escritor e professor do departamento de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por mais de 30 anos.

O especialista foi ainda presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e coordenou, durante 8 anos, o Instituto da Democracia, que pesquisa a forma como os brasileiros enxergam o sistema democrático. 

“Romeu Zema é um simplório, ou seja, uma pessoa com baixíssima capacidade intelectual e quase nenhuma capacidade política”, avaliou, durante o episódio, o professor. 

A conversa percorreu também o cenário político brasileiro, a organização da extrema direita para as eleições e a atuação de Zema como governador até o momento. 

Confira a entrevista na íntegra. 

Nesta semana, o governador de Minas Gerais lançou sua pré-candidatura à presidência da república. Muito foi questionado acerca da decisão de lançar sua candidatura em São Paulo e não no estado que ele governa. Além disso, durante suas falas no evento Zema criticou o presidente Lula e o Supremo Tribunal Federal (STF), prometeu adotar uma agenda neoliberal e voltou a defender que o Brasil saia dos Brics. Como você avalia este lançamento de campanha? Zema tem alguma chance na disputa pela presidência?

Eu começaria dizendo o seguinte: Romeu Zema é um simplório, ou seja, uma pessoa com baixíssima capacidade intelectual e quase nenhuma capacidade política. Ele chegou ao governo de Minas por um acaso. Descobri que ele era candidato, em 2014, dentro de um táxi, onde o taxista falou: “vem aí uma pessoa desconhecida, muito boa”. Realmente ele era desconhecido, o taxista só estava errado sobre ele ser muito bom.

De fato você imagina, uma pessoa que vem de uma família empresarial do Triângulo Mineiro, teve as oportunidades educacionais que as pessoas de alta renda no Brasil têm e dá demonstrações diárias que ele não fez nenhum uso delas. Ou pelo menos nenhum bom uso delas.

Ainda durante a campanha de 2018, no segundo turno, ele dizia não saber o que era a Fundação Ezequiel Dias, principal fundação da área de biologia e zootecnia do estado de Minas Gerais. Ele tem problemas graves com a língua portuguesa,  parece que tem um conflito muito grande com ela. E por último, faz um governo absolutamente medíocre no estado de Minas Gerais.

Ele é incapaz de equacionar a dívida do Estado de Minas, que é, de fato, alta

Ele é incapaz de equacionar a dívida do Estado de Minas, que é, de fato, alta. Ele a recebeu alta, mas diversos governadores anteriores equacionaram de alguma maneira a dívida. Ele tem, podemos dizer, sentimentos contraditórios em relação à ordem democrática. A princípio não confirmou sua ida, no dia 9 de janeiro de 2023, na ocasião da chamada que o presidente Lula fez, depois daqueles atos de vandalismo do 8 de janeiro. Ele a princípio pensou em não ir. Como seria o único, no final acabou indo. Mas em seguida foi feita uma carta em defesa da democracia que ele optou por não assinar. Ou seja, ele tem uma visão contraditória, ou impulsos contraditórios, em relação à democracia. 

Com tudo isso, ele quer ser presidente do Brasil, talvez apenas ele saiba o porquê, quais são os motivos que levam ele a querer isso. Nós só sabemos de três coisas: ele não tem capacidade, não tem conhecimento e parece que também não tem apoio político, mas espera que fazendo concessões ao bolsonarismo e ao antipetismo, ele tenha essa condição. É assim que eu vejo a candidatura dele à presidência da República.

Assim como no evento de lançamento da sua candidatura, Zema tem, ao longo dos últimos meses, subido o tom nas redes sociais, de forma a se aproximar da base bolsonarista. Ao longo do último período ele chegou a comer banana com casca e utilizar inteligência artificial para emular um bebê reborn ironizando o presidente Lula. Em resposta às tarifas impostas ao Brasil pelos EUA, a fim de fazer pressão política pela anistia aos golpistas do 8 de janeiro, Zema culpou a postura do presidente Lula, do STF e até da primeira dama Janja pelas tarifas. Como você avalia a comunicação de Zema no último período e a reação do governador ao tarifaço?  

A única coisa que a gente pode dizer a favor do Zema, é que ele sabe que tem que usar a inteligência artificial, porque a dele mesmo parece muito limitada, para aquilo que ele se propõe. Mas fora isso, tentando responder a sua pergunta, eu diria o seguinte: nós estamos em um momento grave politicamente, na história do Brasil. O Brasil está sendo atacado, sem ter provocado, por um país com o qual ele sempre teve relações muito boas. E não teríamos porque deixar de ter relações muito boas com os Estados Unidos, sendo o Brasil um parceiro histórico dos EUA.

Estamos sendo atacados por motivos político-partidários. De fato, o presidente dos Estados Unidos resolveu defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, independentemente do fato, e esse é o único fato relevante aqui, de que o Bolsonaro cometeu crimes contra a ordem democrática. O Brasil tem uma lei de defesa da ordem democrática, lei essa, por sinal, assinada pelo próprio ex-presidente, Jair Bolsonaro. 

O Bolsonaro infringiu essa lei em diversos momentos e existem evidências. Ele não está condenado e não é culpado até esse momento, ele é réu. Vai ter um julgamento, no mês de setembro. Mas, diante disso, os Estados Unidos  colocaram um conjunto de tarifas em relação às exportações brasileiras. O Brasil não só tem o direito, como os políticos brasileiros têm o dever de defender o país e a sua soberania nesse momento. Romeu Zema acha diferente. Num primeiro momento, ele nem ao menos defendeu o país e atacou o presidente Lula. 

Supostamente, o problema dessa tarifa seria o BRICS. Bom, os países fazem as alianças políticas que eles acham mais convenientes com outros países, dependendo da correlação de forças internacionais, nenhum país é obrigado a apoiar outro. O Brasil também, independente do fato de ser parte dos BRICS, desde o seu momento inicial, é importante dizer, que ele nunca deixou de ter boas relações com os Estados Unidos por causa disso, o nosso segundo maior parceiro comercial. Então, não existe um motivo para o Brasil ser retaliado por causa dos BRICS, e não existe motivo pelo qual o Romeu Zema critique o país ou o governo por isso.

Ele voltou atrás, parece que ele, e isso temos que reconhecer em relação a ele,  sabe que não sabe nada. Já é uma virtude, em se tratando do Romeu Zema. Em relação à candidatura dele, é uma candidatura mal pensada, de uma pessoa que não tem condição e não está à altura do cargo de presidente do Brasil.

Zema tem passado grande parte do tempo fora de Minas Gerais numa agenda já de candidato a presidente e o Estado foi entregue a gestão de Mateus Simões, atual vice-governador e pré-candidato ao cargo de governador nas eleições de 2026. Como você avalia os dois governos de Romeu Zema a frente do estado de Minas Gerais? E como a postura mais recente do governador tem impactado o Estado?

Não sei se para o estado de Minas Gerais é melhor o Zema presente ou o Zema ausente. Claro que ele tem uma certa obrigação de estar presente no estado, porque ele foi eleito governador, mas não parece que as principais questões ligadas ao estado tenham sido bem equacionadas.

Nós estamos em uma negociação da dívida do estado com o governo federal, há muitos anos, negociação essa que é fundamental para Minas. Ele não parece levar essa negociação a bom termo, está quase esgotando seus 8 anos de governo sem tê-lo feito. Então essa é a primeira coisa. Não parece também que ele fez bom uso dos recursos que entraram no estado devido ao acordo com a Vale do Rio Doce, relativo aos dois acidentes que ocorreram em Mariana e Brumadinho. 

Ao mesmo tempo, ele tem alienado importantes lideranças do estado. Dando um exemplo: ele falou algumas coisas absurdas em relação ao presidente Lula e ao PT, e na segunda-feira seguinte, dois dias depois, ele tinha uma agenda com a prefeita de Contagem, Marília Campos. Ele devia saber disso, antes de se lançar prematuramente, devia ter olhado, ou alguém devia ter avisado, qual era a agenda dele.

Era uma agenda importante para o Estado de Minas,  especialmente para os municípios da região metropolitana, ligada à despoluição de algumas das bacias hidrográficas do estado. Chegando lá, ele pediu que a Marília Campos não participasse da da fotografia do evento,  o que a ofendeu e ela se retirou do evento. Isso é um resumo dos problemas do Romeu Zema.

Não sei se para o estado de Minas Gerais é melhor o Zema presente ou o Zema ausente

Também vale a pena lembrar que ele foi muito atacado também pela própria extrema direita e pelo bolsonarismo, depois de lançar a sua candidatura. Como é próprio do bolsonarismo, eles usaram termos bastante contundentes e que expressam o baixo nível educacional da família e chamaram todos os governadores de ratos. Esse episódio mostra o seguinte: o Zema, na verdade, pelo jeito lançou a candidatura dele fora de hora, precipitadamente e apanhou dos dois lados do campo político, além de ter sofrido críticas muito fortes dentro do seu próprio estado. Não parece que foi um lançamento adequado de candidatura.

Para além de Romeu Zema, outros governadores tentam disputar o espólio eleitoral bolsonarista, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) de São Paulo; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; e Ratinho Jr. (PSD) do Paraná. Esse processo se dificulta uma vez que o próprio ex-presidente Bolsonaro segue alegando que participará do pleito, ainda que esteja inelegível até 2030. Na segunda-feira, Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, acusou os governadores que se posicionam como possíveis candidatos de ‘ratos e oportunistas’, em publicação no X, antigo Twitter. Diante disso, como, na sua visão, a extrema direita parece estar se organizando para as eleições de 2026? Qual a estratégia de Bolsonaro ao postergar a escolha de um sucessor? 

A extrema direita brasileira tem um problema grave para 2026: o Brasil tem uma extrema direita, em diferentes partidos, com diferentes pessoas que querem disputar esse espólio. Mesmo ontem eu vi uma resposta do governador Ronaldo Caiado, de Goiás, dizendo sobre o Carlos Bolsonaro: ‘ai, coitado, eu vou desculpá-lo, porque o pai dele está passando por uma situação muito difícil’. Mas o problema da extrema direita no Brasil, independentemente do fato que ela tem muitos candidatos, é que todos os votos estão concentrados no bolsonarismo. 

Se pensarmos que esse campo sempre existiu, mas  não tinha votos para uma eleição presidencial, não tinha capacidade de comunicar com o eleitorado de baixa renda, e, na verdade, não tinha performance, seja para a Câmara, seja de candidaturas presidenciais. O Democratas, por exemplo, que eram o principal partido dessa base de direita, era declinante ao longo dos anos 1990 e 2000, no começo do século. 

O Bolsonaro mudou esse cenário, ele de fato tem votos. Ele conversa com uma ampla base eleitoral no Brasil, principalmente na região Sul e Sudeste, com foco em alguns estados da região Sudeste, não necessariamente o nosso, mas o Rio de Janeiro e São Paulo. E outros lugares também da região Sul, como Santa Catarina e o interior do Rio Grande do Sul.

Então, esse é o problema da extrema direita brasileira. Ela quer se livrar do Bolsonaro, mas não pode. Quer se livrar, porque para ter votos ao centro, dado tudo que o Bolsonaro fez, pensando aí em joias vindas da Arábia Saudita, reuniões para minuta do golpe, 8 de janeiro, onde a gente suspeita que exista muita participação dele, por mais que não existam provas muito claras a esse respeito ainda. Tudo isso sugere que uma certa classe média mais politizada, especialmente da região Sudeste, não quer um candidato apoiado pelo Bolsonaro.

Então, para o próprio Tarcísio de Freitas, faria muito sentido tentar se movimentar em relação ao centro, mas ele não o faz. Porque ele sabe que a base fundamental de votos, com a candidatura presidencial de direita no Brasil, estão na mão do bolsonarismo. Como Bolsonaro também sabe disso, ele não quer resolver esse problema. Ele não tem porque resolver esse problema, que é do Zema, do Tarcísio de Freitas, do Caiado e do Ratinho Júnior. 

Todos eles têm o mesmo problema e o Bolsonaro não vai resolver até o último momento a transferência de votos que ele vai fazer. Se é que ele irá fazer, essa transferência vai ser fortemente condicionada a certos acordos com ele, que a gente ainda não sabe quais irão ser. Então, nesse momento, esse é o dilema da extrema direita no Brasil.

Em entrevista recente à BBC, o governador de Minas Gerais sugeriu, quando perguntado sobre como lidaria com a questão das mais de 300 mil pessoas em situação de rua no Brasil, guinchar moradores de rua em uma comparação com carros abandonados. Nesta mesma fala, ele propôs uma lei que impeça as pessoas de dormirem em espaços públicos. Essa não foi a primeira declaração do governador que desrespeitou os direitos humanos. O que poderíamos esperar de uma possível presidência de Romeu Zema?     

Olha, nessa questão dos moradores de rua, existe um certo americanismo da extrema direita brasileira. Essa questão faz parte de uma crise que existe em um dos estados dos Estados Unidos, a Califórnia, onde existe uma enorme crise habitacional e recentemente foi proposta uma lei proibindo pessoas de morarem na rua, ou dormirem na rua.

Ninguém dorme na rua porque quer, as pessoas dormem na rua porque elas não têm um lugar melhor para dormir. E, evidentemente num país que tem a crise habitacional que o Brasil tem, especialmente em relação à população de baixa renda, claro que cabe ao Estado brasileiro dar uma solução, dentro de uma perspectiva da proteção social.

O Estado, na verdade, tem um papel da proteção social, da proteção dos vulneráveis, o Romeu Zema não sabe disso, como ele não sabe de muitas outras coisas. Esse deve ser um dos motivos pelos quais dificilmente ele vai ser presidente, o presidente deve ter informação sobre essas questões.

O Estado, na verdade, tem um papel da proteção social, da proteção dos vulneráveis, o Romeu Zema não sabe disso, como ele não sabe de muitas outras coisas.

Se ele tirar as pessoas da rua, onde que vai colocar? Essa seria uma boa pergunta para fazer para ele. Elas estão na rua porque não tem aonde ir, não escolheram ir para a rua. Então, o que se pode esperar é que essa, como uma série de outras ideias que ele tem, não vá ser implementadas por falta completa de praticidade. 

O presidente nunca faz o que quer,  faz o que é possível fazer, dentro da legislação existente e nas condições postas. A população de rua brasileira só vai deixar de existir quando o Brasil tiver uma uma política habitacional acessível para a população de baixa renda.

O estado de Minas Gerais é um colégio eleitoral bastante disputado, pelo tamanho e pelo simbolismo de ser uma fotografia do quadro nacional. Como a candidatura de Zema à presidência da República mexe com o tabuleiro eleitoral de Minas Gerais em 2026? Sua candidatura dificulta que Lula e o PT tenham melhor desempenho no estado? 

O estado de Minas Gerais é bastante representativo do Brasil. Eu que mexi muito com pesquisas na área de ciências sociais, falo que frequentemente, quando você faz uma pesquisa em Minas, consegue ter uma visão do quadro nacional. Porque o triângulo é muito parecido com São Paulo, o Norte de Minas é muito parecido com algumas partes do Nordeste, a região da Zona da Mata também é muito parecida com o interior do Rio de Janeiro.

Então, Minas de fato é um estado que apresenta bem diversas características do Brasil, é  muito heterogêneo e representa bem o país que também é muito heterogêneo. Nesse sentido, Minas virou um símbolo, de que quem ganha aqui ganha a eleição. Na verdade, as eleições se tornaram muito disputadas no Brasil, em 2006. Até ali, Fernando Henrique ganhou em praticamente todos os estados,  94 e 98. Lula também ganhou em praticamente todos os estados em 2002 – mas a partir de 2006 tem uma divisão no eleitorado brasileiro por estados e as eleições são de fato disputadas.

Nesse novo quadro, quem ganhou em Minas ganhou no Brasil. Foi verdade para Lula, foi verdade para Dilma, foi verdade para o Bolsonaro e foi verdade de novo para o Lula. Interessante que o governador de Minas disputou algumas dessas eleições.  Aécio Neves, por exemplo, disputou a eleição presidencial, mas perdeu a eleição presidencial e perdeu em Minas também. 

Romeu Zema ganhou a reeleição, mas quem ganhou a eleição em Minas foi o presidente Lula, embora Zema tenha apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro. Tudo indica que em Minas, eleição estadual e presidencial não são casadas. Pelo menos é o que esses dados mostram. Se é assim, pode ser que a candidatura do Zema tenha alguma influência sobre o eleitorado mineiro, mas dificilmente ela vai decidir a eleição presidencial.

O que vai decidir a eleição presidencial será, em primeiro lugar, o presidente Lula ter um bom palanque no estado de Minas. Isso que Fernando Haddad não teve, por exemplo, no segundo turno das eleições de 2018. Se ele tiver um bom palanque, que provavelmente pode ser constituído ou pelo Rodrigo Pacheco ou por algum outro candidato desse campo, eu não vejo grandes problemas em Minas, para uma possível candidatura à reeleição do presidente Lula. 

Eu também não vejo grande sucesso eleitoral, posso estar errado, já que eleição a gente nunca sabe o que vai acontecer, mas tudo que sabemos sobre Romeu Zema e sobre a eleição presidencial no Brasil sugere que essa candidatura não vai ser forte. Então, a performance do presidente Lula vai depender de um palanque forte e não de existir ou não a candidatura Romeu Zema.

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