Perseguição

PM promove clima de tensão após assassinato de dois sem-terra

Acampados e assentados da região de Quedas do Iguaçu são constrangidos todos os dias desde as mortes, no dia 7 de abril

Quedas de Iguaçu (PR) |
PM e batalhão de choque tensionam protesto contra a morte dos sem-terra, neste sábado (10)
PM e batalhão de choque tensionam protesto contra a morte dos sem-terra, neste sábado (10) - Joka Madruga

Na manhã desta segunda-feira (11), um comboio de oito viaturas da polícia militar, puxado pelo “caveirão” (carro blindado da tropa de choque), passou lentamente pela portaria do acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu (PR). A cena se repete desde a última quinta-feira (7), quando uma ação da Polícia Militar (PM), do grupo de operações especiais da corporação e de seguranças da empresa Araupel terminou no assassinato de dois moradores do acampamento, os trabalhadores rurais Vilmar Bordim e Leonir Orback. Seis pessoas ficaram feridas.

Integrantes da ocupação relataram que o trevo de Salto Osório chegou a ser fechado pela PM na manhã de domingo (10). O trecho é próximo à usina Salto Osório, entre a área do acampamento Dom Tomás Balduíno ocupada em junho de 2015 e a segunda parte do terra, ocupada desde 9 de março deste ano. "Estamos muito indignados por tudo que aconteceu. O clima aqui está muito tenso. As famílias estão revoltadas pelo que a PM está fazendo com o nosso acampamento, logo depois da morte de nossos companheiros", relata um integrante do acampamento, que não quis se identificar.

Na sexta-feira (8), um casal de agricultores foi parado duas vezes em um bloqueio da polícia na estrada que liga o acampamento à cidade. O procedimento indica a relevância dada pelos agentes de segurança ao local de moradia dos cidadãos abordados. Primeiro, o motorista precisou descer, passar por uma revista pessoal e no automóvel e, em seguida, responder à pergunta: "Onde vocês moram?". O homem, que vive há dez anos com a família no assentamento Celso Furtado (próximo ao acampamento ameaçado), emociona-se ao reconstituir o diálogo. "A gente sente muita discriminação. Não só quem é acampado, no assentamento também".

Antonio Miranda, Rudmar Moeses, Fabiana Braga, Tiago Ferreira e Cláudio Braga são os cinco integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que têm recebido ameaças diretas via ligações anônimas e redes sociais, principalmente em páginas do Facebook que apoiam a madeireira.

Ainda no dia 7, a organização de direitos humanos Terra de Direitos e os advogados do movimento oficiaram o Ministério Público do Paraná (MP-PR), pedindo a atuação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, e o Ministério da Justiça para que garantisse a segurança das famílias acampadas. No sábado, o ministro da Justiça, Eugênio Aragão, determinou à Polícia Federal a instauração de um inquérito para apurar os assassinatos.

O MST pediu em nota divulgada neste domingo (10) que o Governo Federal “garanta a imediata segurança das famílias acampadas no local diante das sistemáticas ameaças que têm sofrido por policiais militares do Estado do Paraná e jagunços na região”. A Terra de Direitos irá denunciar a situação à Corte Interamericana de Direitos Humanos ainda nesta semana.

Apesar de não haver, até o momento, informações sobre agentes de segurança feridos, a postura da corporação se mantém ofensiva. O tenente-coronel da PM Washington Lee Abe declarou, em entrevista coletiva na noite do crime, que a polícia "não vai se curvar, não vai tolerar nenhum tipo de represália e não vai tolerar nenhum tipo de infração às leis”. “Nós estamos lá exatamente para manter a lei e a ordem”, afirmou. Ainda na entrevista, o oficial deslegitimou a atuação do MST e de movimentos sociais.

Ney Strozak, advogado do MST, avalia que não é papel da Polícia Militar ficar fustigando e incentivando a violência. “Pelo contrário: a PM precisa ter autoridade suficiente pra compreender a luta dos movimentos sociais dentro do Estado Democrático de Direito e cumprir o seu papel, que é o de garantir a segurança pública”, completa.

Na sexta-feira à tarde, em reunião convocada pelo prefeito do município, Edson Jucemar Hoffmann do Prado (PP), e pela Câmara Municipal de Quedas do Iguaçu, diversas autoridades públicas e representantes do MST discutiram o protesto que aconteceria no dia seguinte, no centro da cidade. Estavam presentes o secretário especial para Assuntos Fundiários do Paraná, Hamilton Seriguelli, o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Paraná (INCRA/PR), Nilton Bezerra Guedes, o coronel da PM, Lee Abe, além de outros policiais, advogados, vereadores e promotores de justiça.

Segundo Strozak, os representantes da PM assumiram uma postura agressiva e tentaram responsabilizar os advogados por qualquer problema que pudesse ocorrer durante o protesto. De acordo com o advogado, os representantes da PM resgataram em suas falas a morte de três policiais, ocorrida em 1993, no município de Campo Bonito (PR). Teriam afirmado que a corporação não aceita essas mortes e que sempre usará de toda a força necessária para combater esses crimes, custe o que custar. “Espanta ver que a Polícia Militar atue numa espécie de vingança, não para cumprir a lei e garantir a segurança pública, que é a sua missão”, afirma o advogado.

Na manhã de sábado (9), havia grande concentração de carros da PM na praça onde seria realizado o ato. Mas, antes do início da atividade, os carros foram retirados. Já no período da tarde e da noite, as viaturas passaram em frente à portaria do acampamento, em baixa velocidade. Alguns policiais pararam, desceram do carro de armas das mãos e ali ficaram por cerca de 10 minutos.

Repressão do município e do Estado

O respaldo para que as instâncias municipais tratem as ocupações como assunto de segurança pública veio da postura dos órgãos estaduais. Uma semana antes do crime, no dia 1º de abril, diversas autoridades se reuniram em Quedas do Iguaçu para discutir as ocupações. Via Facebook, o deputado estadual Paulo Litro (PSDB-PR) caracterizou o assunto como "questão da segurança pública”. Estavam presentes o secretário-chefe da Casa Civil do Paraná, Valdir Rossoni, o secretário de Estado de Segurança Pública, Wagner Mesquita, o subcomandante da Política Militar do Paraná, coronel Arildo Luiz Dias, o delegado geral da Polícia Civil, Júlio Reis, e o delegado de Policiamento do Interior, Valmir Soccio. Autoridades municipais, promotores e representantes do Ministério Público Estadual também participaram.

Rossoni, que oficialmente registrou no Tribunal Superior Eleitoral o recebimento de R$ 50 mil da madereira Arapuel em sua campanha para deputado federal, afirmou: “Quem não tiver problemas com irregularidades pode ficar tranquilo. Agora, quem estiver agindo fora da lei que se preocupe, pois terá que responder por seus atos. As ações do Estado serão efetivas para fazer com que as pessoas cumpram as leis”. Na época, o deputado e o secretário de segurança pública ordenaram "reforço nas ações policiais e a ampliação da fiscalização de órgãos estaduais em Quedas do Iguaçu e região", segundo informações da Agência Estadual de Notícias.

Ameaça prévia

Um fato ocorrido em 4 de abril, três dias antes do assassinato dos dois sem-terra, dá indícios de uma ofensiva da corporação contra trabalhadores rurais sem-terra. Conforme o boletim de ocorrência (B.O.) aberto naquela segunda-feira na delegacia de Quedas do Iguaçu, os agricultores Sebastião Faria e Emerson Sachet teriam sido intimidados pela polícia, supostamente por uma denúncia de ocupação de terras.

Os dois haviam contratado a empresa Verdes Campos, representante de sementes, para a retirada dos pendões de milho em um sítio localizado à beira da rodovia 473, no município de Espigão Alto do Iguaçu. A retirada é uma das fases da colheita para uso em semente e, para a execução do trabalho, a empresa contratou cerca de 40 pessoas.

De acordo com o B.O., duas viaturas da PM com pelo menos oito policiais pararam no acostamento, subiram no teto das viaturas e falaram que ali se tratava de uma "invasão dos sem-terra". Era aproximadamente 9h30 da manhã. Emerson tentou explicar que estavam trabalhando, mas os agentes não acreditaram e chamaram o comandante da corporação. Ao chegar ao local, o superior foi levado pelos trabalhadores até a roça, onde explicaram o tipo de serviço que estavam fazendo. "É isso que vocês estão fazendo mesmo?", gritou o comandante com uma metralhadora nas mãos. Segundo a denúncia, os agentes apontaram armas para os agricultores em alguns momentos.

Sebastião conta que ele e os outros trabalhadores viram e ouviram tudo. Após algum tempo de conversa tensa, os PMs ordenaram que tirassem os carros do acostamento sob pena de serem guinchados. O trabalho continuou até que, perto de 13h30, ouviram cinco estouros parecidos com tiros, quatro com som mais baixo e um mais alto, como um estrondo. "Daí paramos de trabalhar. Nos sentimos ameaçados", conta no documento. Subiram até o asfalto onde havia duas viaturas da PM um caminhão guincho. Questionado sobre o barulho de tiros, um dos PMs falou que o barulho vinha de dois pneus da viatura haviam estourado. "Nós falamos que dois pneus não dão cinco tiros, e começamos uma discussão". Neste momento, uma técnica da empresa Verdes Campos chegou e os trabalhadores se retiraram, revoltados.

Sebastião e Emerson foram até a prefeitura e conseguiram que o secretário do prefeito ligasse para o chefe da PM, que argumentou ter recebido uma denúncia de "invasão" no local. No retorno à lavoura, o grupo de trabalhadores responsáveis pela coleta do milho, que trabalhava mais perto do asfalto no início da tarde, disseram ter visto policiais colocarem "as armas para fora da janela da viatura, apontando nas cabeças de funcionários que trabalham ganhando R$ 100 por dia", conforme relato descrito no B.O..

Para Claudio de Oliveira, advogado do MST, esta situação revela uma tragédia anunciada. “A PM vinha agindo há dias com truculência e desrespeito com os trabalhadores sem-terra, em um clima de ódio e provocações”, lamenta.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Edição: ---