Mobilização

Demissões nas Fábricas de Cultura em SP são retaliativas, diz advogado

Nesta segunda, educadores e aprendizes realizaram ato contra os desligamentos e as prisões na sede da Poiesis

São Paulo (SP) |
Contra sucateamento das Fábricas de Cultura, manifestantes de reúnem em frente à organização que gerencia espaço
Contra sucateamento das Fábricas de Cultura, manifestantes de reúnem em frente à organização que gerencia espaço - Norma Odara/Brasil de Fato

Cerca de 60 aprendizes e educadores das Fábricas de Cultura realizaram, na tarde desta segunda-feira (4), um ato unificado na sede da Poiesis, organização social (OS) que tem contrato com o governo estadual para gerenciar cinco unidades desses centros culturais na cidade.

A manifestação teve como objetivo denunciar sucateamento e as demissões em massa que ocorrem na instituição. O advogado que acompanha o processo grevista dos arte-educadores, Danilo Corregliano, considera as ações da OS "retaliativas".

Os docentes entraram em greve no dia 23 de junho, após a OS admitir corte de funcionários. Eles paralisaram de forma independente, ou seja, sem a liderança ou interferência do Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de São Paulo (Senalba). Desde a renovação do contrato com o governo, no início do ano, a instituição vinha negando a medida. 

Antes disso, há 40 dias, os aprendizes do Capão Redondo ocuparam o prédio da instituição de forma autônoma, contra o sucateamento e por mais transparência de gestão.

Demissões por telegrama

Após o anúncio da greve, 15 docentes receberam um telegrama comunicando seu desligamento. Segundo o advogado, em um universo de 120 trabalhadores, esses afastamentos já podem ser caracterizados como demissão em massa -- o que, sem negociação com o sindicato, pode ser considerado "abusivo". O problema se agrava ao se constatar que as pessoas demitidas foram lideranças do movimento. 

"Acreditamos ser demissões retaliavas. Foi somente por terem conduzido movimento grevista que aquele ou aquela trabalhadora foram demitidos. Isso ensejaria, inclusive, reparação de dano moral”, disse Corregliano.

Ana Sharp foi a primeira demitida. Ela era educadora de dança contemporânea no Jardim São Luís e fazia parte do Comando de Greve. "Recebi um telegrama da Poiesis dizendo que eles não tinham mais interesse em me ter como funcionária".

Depois dela, outras 14 pessoas receberam a mesma orientação. "Todos questionadores, ligados à luta e que têm um perfil de ser uma liderança ou se expor mais em suas Fábricas", denunciou.

Ela reitera que a greve foi a última medida tomada depois de inúmeras tentativas de diálogo contra assédio moral, por equiparação salarial, contra redução das oficinas e pela reintegração dos funcionários demitidos.

"Lançamos um manifesto em um encontro anual das Fábricas de Cultura no ano passado. E, já nessa época, os educadores que tinham uma postura mais questionadora e militante não foram convocados para apresentar trabalhos neste seminário", conta Ana.

Segundo ela, o movimento queria, a princípio, apenas a confirmação das mudanças para que os funcionários estivessem a par das alterações. "A gente só queria saber quais seriam mudanças para se preparar, arranjar outro emprego, inclusive. Oferecemos estar juntos para pensar soluções. Mas até dia 20 de junho eles não admitiam os cortes", disse.

Sem fundamentações

O advogado afirma que as duas reuniões de negociação realizadas até agora com a instituição foram "a mesma coisa que nenhuma". “Nós ouvimos sempre o mesmo, sobre uma crise econômica da qual não temos papéis", afirmou.

A crise econômica relatada pela Poiesis e que argumentaria os cortes não tem fundamentação, de acordo com o advogado. Na renovação de contrato com o Estado de São Paulo, o repasse previsto permaneceu o mesmo do ano anterior, de mais de R$ 16 milhões, para que a Poiesis ofereça gratuitamente cursos e atividades de iniciação artística e programação cultural.

Com as demissões, a organização espera "socializar os riscos", explica o advogado. "Os trabalhadores não têm nada a ver com a crise econômica. Eles têm que receber o salário que foi pactuado inicialmente. O que eles querem é promover alterações lesivas", disse Corregliano.

“Essa crise está rebatendo em todos? Na diretora e nos arte-educadores? Só embaixo que se aperta o cinto?”, questionou o advogado. 

A Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que terceiriza o serviço, vem se desvinculando da resolução dos problemas. "De fato, a relação trabalhista é com a Poiesis. Mas do ponto de vista social, a Poiesis presta um serviço público e a secretaria deve explicações para a sociedade, mas até agora permaneceu inerte", disse Corregliano.

Para ele, a postura da instituição em relação à movimentação política nas Fábricas reafirma e legitima o movimento grevista e de ocupação. “Em vez de conversar e entender suas motivações, a Poeisis adotou a mesma postura histórica do governo do Estado: criminalizar o movimento. Preferem tratar uma questão social como uma questão de polícia”, concluiu o advogado.

Prisões

Os manifestantes, sejam eles aprendizes ou educadores, uniram-se também nesta segunda-feira para denunciar as prisões de 22 aprendizes da Fábrica de Cultura de Brasilândia no último final de semana.

Ariane Fachinetto, de apenas 14 anos,  foi levada ao 72º posto policial no último sábado (2) após a ocupação da Fábrica de Cultura da Brasilândia na noite anterior. 

A estudante, que mora no Jardim Elisa Maria e participa das atividades desde a abertura da unidade, em 2014, afirma que ficou bastante assustada ao estar em um camburão. "Os policiais estavam fazendo um jogo psicológico forte e não tínhamos muita noção do que ia acontecer. As crianças menores de 12 choravam muito. E nós, quando vimos o pessoal lá fora, choramos também pelo apoio", disse.

A ocupação na noite de sexta havia sido "um sucesso", conta a garota. Com a chegada Polícia Militar (PM) na manhã do sábado, os  aprendizes decidiram que não desocupariam o edifício até que a base jurídica fosse acionada e estivesse presente. No entanto, os policiais prenderam os 22 adolescentes, sendo 11 menores de 18 anos, sem a presença do Conselho Tutelar. Depois de 12 horas e de prestar depoimento, os mais novos foram liberados e, apenas após 24 horas, todos estavam em liberdade.

“Antes a gente poderia andar de skate lá, agora não. Mudaram o lanche, os passeios pedagógicos. A piora nas Fábricas é muito notável", afirma a jovem.

Para o advogado, a ação da PM no domingo é uma herança do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Baseado no argumento de autotutela, o ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo fez um pedido à Procuradoria Geral do Estado (PGE) de que reintegrações de posse poderiam ser feitas sem a necessidade de decisão judicial. A decisão foi acatada. 

"Agora ocupou, imediamente já vão mobilizar a polícia, sem precisar do Judiciário. Este é o jeito de fazer política do Estado", disse Ariane.

Outro lado

A Poiesis afirmou estar aberta ao diálogo, mas que não houve acordo com os grevistas. "A organização fez o possível para amenizar ao máximo o impacto da necessidade de reajustes de pessoal por causa da crise que afeta todo o país, inclusive o segmento da cultura", afirmou a instituição por meio de nota.

A reivindicação dos aprendizes do Capão de uma hora a mais no funcionamento da biblioteca foi atendida no dia 7 de junho, mas eles não desocuparam o local.

A instuição afirma ainda que considera o acontecido na sexta-feira passada na Brasilândia "uma invasão, não uma ocupação". "Parte das pessoas pulou o muro, portas foram arrombadas e cadeados colocados. Os funcionários foram impedidos de entrar no local. A Polícia agiu dentro da lei, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral do Estado", disse.

Já a Secretaria do Estado de São Paulo, também através da asssessoria, afirmou que a reestruturação no quadro de funcionários é uma "adequação administrativa" e não afetaria "nem a qualidade nem a quantidade de atividades oferecidas ao público".

"Os ajustes administrativos adotados a fim de garantir a gestão responsável dos recursos existentes não trouxeram nenhum prejuízo aos aprendizes e frequentadores dos equipamentos", diz a nota. 

Segundo a secretaria, a desocupação foi promovida por via administrativa, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral do Estado e a decisão foi tomada para garantir o funcionamento da unidade e o acesso ao público aos serviços oferecidos pela Fábrica.

Edição: Camila Rodrigues da Silva
Fotos: Norma Odara

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