Violência

Condepe vai analisar ações da PM de Alckmin sem mandado judicial contra secundaristas

São Paulo é único estado que adotou a autotutela, realizando reintegrações nas escolas à revelia do Judiciário

Rede Brasil Atual |
Estudante do Centro Paula Souza, durante tentativa de reintegração de posse pela Polícia Militar
Estudante do Centro Paula Souza, durante tentativa de reintegração de posse pela Polícia Militar - Rovena Rosa/Agência Brasil

A truculência da Polícia Militar do Estado de São Paulo contra estudantes em manifestações ou para garantir a desocupação de escolas, sem mandado judicial,e o direito de manifestação constantemente violado no estado serão debatidos à luz de aspectos jurídicos pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe-SP). A discussão será realizada em novembro, em data a ser definida.

Como ocorre em outros estados, secundaristas têm ocupado escolas e outros espaços educacionais contra a Medida Provisória 746, que fragmenta o ensino médio e desobriga o ensino de disciplinas como filosofia, sociologia, artes e educação física, e contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela investimentos do governo federal e penaliza sobretudo a área social, como saúde e educação.

Segundo o coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe-SP, o advogado Ariel de Castro Alves, São Paulo é único estado da federação que adotou a chamada autotutela, realizando despejos e reintegrações nas escolas à revelia do Judiciário. "Todo despejo e reintegração precisa ser antecedido de ordem judicial. Os agentes do estado só poderiam agir para evitarem de as ocupações se consolidarem. Depois de consolidadas, só poderiam reintegrar a posse com ordens judiciais. São ações totalmente abusivas e ilegais."

A autotutela tem respaldo num parecer da Procuradoria-Geral do Estado que orienta a gestão Alckmin a fazer reintegração de posse sem autorização da Justiça para "garantir a liberdade de manifestação sem ofender o direito daqueles que querem estudar”.

Ontem, cerca de 30 estudantes, de 16 anos, tentaram ocupar a Diretoria de Ensino Guarulhos Norte. De acordo com o secretário da Coordenação da subsede Guarulhos do Sindicato dos Professores da Rede Oficial de Ensino de São Paulo (Apeoesp), Luciano Delgado, a manifestação durou pouco mais de uma hora. “Assim que deflagrada a ocupação, em menos de 20 minutos, o aparato policial chegou, inclusive com a Força Tática. Havia muitos policiais. Não houve violência, mas ameaças”, disse. Uma estudante, que estava no local no momento, relatou ao sindicato a ação (leia abaixo).

Na madrugada do dia 13, sem mandado, os policiais desocuparam a Escola Estadual Newton Pimenta Neves, ocupada desde o dia 11, véspera do feriado. “Encheram um ônibus da polícia com alunos e quatro adultos que acompanhavam a ocupação e levaram para o 2º Distrito Policial”, disse o professor Eduardo Martins Rosa, diretor da Apeoesp em Campinas.

No mesmo dia 13, a PM reprimiu estudantes que tentaram ocupar a Diretoria de Ensino da Região Centro-Oeste (Deco), na capital paulista, em protesto contra a PEC 241 e a MP 746. Jornalistas também foram agredidos pelos policiais.

Dois dias antes, estudantes foram retirados da Escola Estadual Ossis Salvestrini Mendes, em Sorocaba. Com 25 viaturas, quatro cães farejadores e ajuda da guarda civil municipal, os policiais arrombaram o portão e ordenaram que os estudantes deitassem no chão, onde apontaram armas para a cabeça. Encaminhados ao distrito policial, todos foram fichados. Os maiores de idade vão responder por corrupção de menores e os menores vão responder por ato infracional.

No último dia 8, a Força Tática se posicionou diante da Escola Estadual Caetano de Campos, no centro da capital paulista. Diante do clima tenso, que poderia se acirrar se a PM promovesse a reintegração, mesmo sem mandado, os estudantes decidiram terminar a ocupação para evitar confronto. Aos Jornalistas Livres, um policial afirmou não se tratar de reintegração, e sim para garantir o acesso de servidores à direção da escola.

Ariel ressalta que os estudantes vítimas dessas ações violentas devem denunciá-las em órgãos de imprensa, à Defensoria Pública, Ministério Público, Ouvidoria de Polícia e também no próprio Condepe. "Reintegrações envolvendo adolescentes deveriam ter ordem judicial e ser acompanhadas pelos conselhos tutelares. Em SP,direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e direitos dos adolescentes, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estão sendo totalmente desconsiderados pelo governo do estado", afirmou.

"E é assim nas ruas em nossos protestos, é assim nas esquinas da nossa quebrada. E agora estamos a mercê deles" - Relato de uma estudante que estava na ocupação da DE Norte, em Guarulhos

“Entramos na D.E. por volta de 16 horas. O local não tinha muito movimento e os funcionários pareciam colaborar (com a ocupação), se mostravam receptivos e sorridentes. Até que a polícia apareceu. Aí nós viramos violentos nos seus relatos ao policial; sugeriram uma falsa reunião de acordo só pra encurralar a gente, e tudo planejado com a policia!!! E a cada hora mais viaturas chegando, os policiais nos cercaram, quebrando nossas correntes, cercados. Estudantes em meio de cassetetes e armas e sacos de bombas nas mãos. 
Fomos inocentes em pensar que quem disse "aqui não entra advogado, nem conselho tutelar. Se vocês quiserem direitos, vão ter que sair e procurar lá fora" ia nos dar um mínimo de dialogo. Empurraram meninas e meninos menores de idade com a coesão da sua força. Ameaçaram: "ou sai ou vai pro DP, sem advogado, sem nada" . Quando a representante do Conselho Municipal da Educação, (estava) em contato com a promotora da Vara da Infância e da Juventude, e ex-conselheira tutelar chegou pra nos orientar sobre nossos direitos, o policial só apontou pra ela e deu ordem de prisão. 
Isso nos deixa claro, na verdade, ‘enegrece’ nossa visão do estado, que age com o uso da força, usando a polícia pra nos dividir, sem tempo pra pensar. E é assim nas ruas em nossos protestos, é assim nas esquinas da nossa quebrada. E agora estamos a mercê deles, com os nossos nomes e RG pra fazer sabe lá o que, com a vontade de gritar por justiça, mas estamos amordaçados! Precisamos resistir! Somos ainda massa pequena de revoltados que gritam pelos nossos direitos! Mas não estamos sozinhos! Todas e todos ao nosso redor também estão revoltados, em silêncio. Não sabemos o que acontecerá com as informações cedidas pros policiais dos menores. Alguns tiveram que passar até o endereço. Torcemos e devemos cuidar pra que nada de ruim aconteça com nossos irmãos. Fiquemos alertas!

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