Primavera secundarista

Em São Paulo, reintegrações e perseguição a estudantes freiam ocupações

Ação em escolas no estado, que já chegou a ter mais de 200 ocupadas, está praticamente bloqueada por repressão

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Estudantes no Centro Paula Souza, em São Paulo, ocupado em maio nos protestos contra a "merenda seca"
Estudantes no Centro Paula Souza, em São Paulo, ocupado em maio nos protestos contra a "merenda seca" - José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato

A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM), sem qualquer autorização judicial, reintegrou quatro escolas ocupadas no município de Campinas, interior do estado de São Paulo, na última quinta-feira (27). Os estudantes da Escola Estadual (E.E.) Hugo Penteado Teixeira, E.E. Ruy Rodriguez, E.E. Carlos Alberto Galhiego e E.E. Antonio Carlos Neumann foram detidos por algumas horas e encaminhados a duas delegacias no município. A escola com o movimento mais estruturado estava ocupada há apenas três dias.

Também na última semana, os estudantes da E.E. Professor Silvio Xavier Antunes, primeira efetivamente ocupada na cidade de São Paulo contra a Medida Provisória 746, que prevê a reforma do Ensino Médio, e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que define um teto para os gastos do governo com Saúde e Educação, também foram retirados da escola. Localizada no bairro de Piqueri, zona norte da capital paulista, o ato na escola durou menos de 24 horas. Os alunos que ocuparam o prédio na noite da segunda-feira (23) foram levados ao 87º Distrito Policial na terça-feira (24).

No dia seguinte, em Piracicaba, interior do estado, os alunos da E.E. Pedro Moraes Cavalcante entraram e foram obrigados a sair do prédio no mesmo dia.

Pontapé inicial das ocupações de escolas por todo o Brasil no ano passado, São Paulo tem encontrado resistência para conseguir efetivar com sucesso as ocupações. O estado participa da chamada "primavera secundarista" - na qual já aderiram mais de mil escolas, 80 universidades e dezenas de institutos federais pelo país - com apenas quatro edifícios ocupados. No auge da luta contra a reorganização escolar proposta pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo semestre de 2015, primeiro ciclo de ocupações dos secundaristas paulistas, este número ultrapassou 200.

No dia 8 de outubro, os estudantes da E.E. Caetano de Campos fizeram a primeira tentativa de ocupação na cidade de São Paulo do período. A Tropa de Choque da PM retirou os estudantes do edifício no mesmo dia. Em Campinas, a E.E. Newton Pimenta também foi ocupada e desocupada no mesmo dia, em 14 de outubro. Em todo estado de São Paulo, restam agora apenas uma escola estadual em Cubatão e três institutos federais - em Sertãozinho, São Paulo e Avaré.

Sem mandatos

A estudante secundarista Maria Eduarda Silva, de 15 anos, participou dos primeiros protestos em Campinas em 2015 e também nesta semana na escola Ruy Rodriguez, desocupada após três dias, onde ela cursa o Ensino Médio. Ela conta que a polícia chegou sem mandato no prédio às 6h da manhã. Os estudantes decidiram não resistir, com receio de que se repetissem as agressões já vistas há meses. "No ano passado, já havia invasões da Polícia Militar. Mas a gente ainda conseguia se articular, reocupar e conseguir mandato para que eles não pudessem tirar a gente. Esse ano está muito difícil", explicou.

A PM informou à reportagem que a decisão pelas desocupações ocorreu baseada em parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que garante a autotutela do Estado na reintegração de prédios estaduais e que a intervenção policial em Campinas esta semana foi acompanhada por integrantes do Conselho Tutelar.

Na visão de Jonas Medeiros, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos autores do livro "Escolas de Luta" (Editora Veneta), o movimento secundarista em São Paulo está de "mãos atadas" por conta da escalada repressiva do governo estadual. Para ele, o ponto central é a liberação das reintegrações de posse sem mandato judicial — possível graças a uma interpretação jurídica que o pesquisador enfatiza ter sido feita pelo próprio Executivo.

Em maio, a PGE deu parecer favorável às reintegrações de posse de prédios públicos sem autorização judicial com o objetivo de evitar a "banalização de ocupações" com "forte cunho político". A medida proposta por Alexandre de Moraes, então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e atual ministro da Justiça, possibilitou maior agilidade para a PM, que agora consegue reintegrar edifícios públicos em menos de 24 horas, sem esperar os juízes de primeira instância e a ordem da Central de Mandatos do Judiciário.

"Foi a PGE, que é o advogado do estado e não é uma instância deliberativa. Não é que o judiciário permitiu que o executivo não entrasse no judiciário. É o próprio executivo falando que eles estavam liberados e não precisavam entrar na Justiça", pontuou.

Para ele, a interpretação é uma tese "bastante frágil" porque faz um paralelo entre o direito privado e o direito público. "Evidentemente a pessoa física e o Estado, que tem o monopólio da força, não são a mesma coisa. E corremos o risco de ações arbitrárias, ilegítimas e ilegais, que é o que estamos vendo hoje", analisou. Em junho, o PSOL entrou com uma apelação no Supremo Tribunal Federal (STF) para expor a inconstitucionalidade da prática do governo estadual e questionar sua legalidade. A ação aguarda elaboração de um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Medeiros pontua que a prática da PM fragiliza não apenas a tática dos secundaristas, mas quaisquer outros movimentos sociais que vislumbrem a ocupação de prédios públicos como ação política.

A estudante Tereza, de apenas 15 anos, foi agredida por policiais em SP / Christian Braga

A estudante Tereza, de apenas 15 anos, foi agredida por policiais em SP / Christian Braga

Perseguições

Outro obstáculo que barra a ação dos adolescentes em São Paulo é a criminalização dos estudantes que participaram das ocupações desde 2015. Mães que integram o Comitê de Mães e Pais em Luta dos Secundaristas vem denunciando perseguições da PM contra estudantes. Segundo elas, alguns foram até mesmo vítimas de torturas físicas e psicológicas.

Rosana Cunha é mãe de um estudante que ocupou o Centro Paula Souza no início deste ano, durante as ações dos secundaristas contra a "merenda seca". Seu filho foi expulso da ETEC em maio e até agora não conseguiu transferência para outra escola pública. Ele também foi um dos 18 detidos antes de uma manifestação pelo "Fora, Temer", no dia 4 de setembro em São Paulo. A detenção dos estudantes só foi feita após estratégia de vigilância de um capitão do Exército infiltrado Willian Pina Botelho, identificado como Balta Nunes.

"A Polícia nunca foi tão agressiva. Eu acho que existe uma surpresa muito grande não só da polícia, mas dos políticos de se depararem com estudantes tão bem preparados politicamente. Eu acho que isso assusta. E a forma de lidar com isso é na agressão. Eles não imaginavam que os estudantes, apesar da pouca idade, soubessem brigar tão bem pelos seus direitos e lutarem", disse.

Para Jonas Medeiros, o estado passou por um processo de "aprendizado repressivo" para lidar com as ocupações e as perseguições aos estudantes ocorrem em diferentes níveis. "Tem coisas um pouco mais visíveis, como perseguição dos grêmios e uma estigmatização do ex-ocupante, (...) até questões mais complexas de perseguições na rua, de ligações e ameaça", pontuou.

O pesquisador lembra também que os atos de rua puxados pelo secundaristas este ano têm sido "duramente" e "desproporcionalmente" reprimidos pela Polícia. Em agosto, por exemplo, ao menos 15 secundaristas foram detidos e três publicamente agredidos e violentados pela PM, em ato durante o Dia do Estudante.

Rosana confirmou que pais dos alunos entraram com um pedido de representação no Ministério Público do Estado de São Paulo contra as ameaças e retaliações. O processo tramita em sigilo na Justiça.

"Hoje, do jeito que está, as ocupações que estão se formando e eles [policiais] simplesmente tiram os alunos de uma hora para outra, de forma agressiva, e acaba todo mundo na cadeia sem ter motivo. Todo mundo tem direito de fazer ocupação na escola, está determinado por lei na constituição. Não sei como, mas ninguém vai desistir", apoiou a mãe do secundarista.

A secundarista Maria Eduarda também acredita que, neste ano, um cerco da imprensa sobre a pauta dos estudantes dificulta o diálogo com a comunidade. "Ano passado estava mais simples explicar para as pessoas o porquê das ocupações. Esse ano as pessoas estão com a mente muito fechada e a própria mídia está induzindo isso, que a PEC [241] é boa e as pessoas não estão se informando direito", apostou.

Ofensiva

O temor é que o cenário de São Paulo possa se repetir em outros estados como o Paraná, onde calcula-se que já se alcançou 800 escolas ocupadas. Após a morte do estudante Lucas Mota, de 16 anos, em Curitiba (PR), o governador Beto Richa (PSDB) pediu que os alunos desocupem todas as escolas do Estado.

Mesmo sem qualquer relação entre o crime e o movimento dos estudantes, a E.E. Santa Felicidade foi desocupada na terça-feira (24), após 11 dias de ocupação. No Paraná, as reintegrações de posse ainda tem que passar pelo rito no judiciário.

A socióloga Antonia Campos, também autora do livro "Escolas de Luta", descreve, no entanto, um crescente movimento em oposição ao movimento dos estudantes de intimidações e difamações, vista em escala menor em São Paulo no ano passado e consolidada no Paraná por uma aliança entre governo estadual, imprensa e organizações da sociedade civil, como o Movimento Brasil Livre (MBL).

"Em São Paulo havia uma micro-divulgação contra as ocupações, com ligações de diretores para os pais, com difamações. Já [o governador] Beto Richa convocou para uma reunião públicas professores e pais contrários ao movimento e membros da sociedade civil de direita. O que eles estão fazendo, que está sendo até certo ponto efetivo, é espalhar boatos e mentira, sobretudo com relação ao Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]", afirma a socióloga.

Logo após o assassinato de Lucas, Beto Richa e o líder do MBL, Kim Kataguiri, usaram as redes sociais para condenar as ocupações e perpetuar, como aponta a socióloga, uma sensação de insegurança aos pais e alunos.

"Quando o governo não consegue que o judiciário aja, ele vai agir por fora da Justiça, por métodos ilegais. Então ocorre todo o tipo de coisa obscuras", analisou.

Em Tocantins, a PM também desocupou o Centro de Ensino Médio Dona Filomena Moreira de Paula na quinta-feira (27). Cerca de 26 estudantes foram encaminhados ao Distrito Policial, alguns deles algemados. Segundo pessoas que acompanharam o caso, a ação ocorreu sem ordem judicial.

Edição: José Eduardo Bernardes

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