Crise

Senado: Oposição deve obstruir MPs aprovadas de forma expressa pela Câmara ontem

Após deputados deixarem plenário em protesto contra governo, base aliada aprovou MP que compromete reforma agrária

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Senador Lindbergh Farias avaliou que Congresso Nacional não tem condições de continuar deliberando matérias deste governo
Senador Lindbergh Farias avaliou que Congresso Nacional não tem condições de continuar deliberando matérias deste governo - Jefferson Rudy/Agência Senado

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse, nesta quinta-feira (25), que a oposição vai tentar obstruir a votação das Medidas Provisórias (MPs) aprovadas na noite de quarta (24) pelo plenário da Câmara Federal. Cercada de polêmicas, a votação se deu após a oposição ter deixado o plenário da Casa em protesto contra o decreto que autorizou a ação do Exército no patrulhamento da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Os governistas aproveitaram a situação para votar, aos atropelos, as MPs 759, 760, 761, 762, 764 e 767. A mais polêmica delas é a MP 759, que trata da regularização fundiária e compromete a reforma agrária. Para Lindbergh, o Legislativo não teria legitimidade para apreciar essa e outras medidas impopulares, em especial diante da crise que se instalou no Planalto nos últimos dias.

“O Congresso Nacional não tem condições de continuar deliberando sobre matérias deste governo, que é um governo completamente desmoralizado e está caindo. Nós vamos enfrentar uma batalha na próxima semana”, afirmou o senador, encampando o discurso de obstrução das votações.

O petista reconhece a dificuldade de enfrentar a maioria governista no plenário, mas, com a crise em movimento, avalia que a resistência parlamentar pode ser fortalecida pela força das manifestações populares.  

“É fundamental que a gente consiga mostrar pra sociedade brasileira a gravidade do que foi aprovado ontem na Câmara. Garanto que aqui vai ter resistência, mas tudo vai depender muito das mobilizações de rua também. A crise é muito grande e não sabemos como vai estar o governo na próxima semana. Esperamos que esteja ainda mais fragilizado, pra gente impedir essas votações”, afirmou Farias.

Trâmite

A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) afirmou que a oposição deve se utilizar de todos os mecanismos regimentais para protelar ao máximo a votação das MPs. Ela levanta, no entanto, a preocupação com o descumprimento, por parte da base aliada, de acordos firmados anteriormente entre os dois grupos.  

As seis MPs foram lidas no plenário do Senado nesta quinta-feira (25). Pelo regimento da Casa, são necessárias duas sessões deliberativas ordinárias para que as matérias sejam colocadas em votação. “Nós fizemos um acordo, ainda na gestão Calheiros [Renan Calheiros, ex-presidente do Senado], de pelo menos uma semana [de prazo], para que os senadores possam estudar as MPs depois que elas chegam aqui, porque daí você cumpre o prazo regimental e dá mais alguns dias”, explicou a senadora.

O presidente golpista, Michel Temer (PMDB), se pronunciou, nesta quinta, nas redes sociais, a respeito das votações que foram realizadas nesta semana:

No entanto, depois da mudança de gestão, o acordo tem sofrido idas e vindas, em meio às tentativas da base aliada de aprovar as medidas governistas a toque de caixa, sufocando os debates com a oposição.

Segundo a senadora, na próxima reunião de líderes, que ocorre na terça (30), a oposição deverá cobrar o cumprimento do acordo. “Nós iremos antecipar o debate já a partir isso”, disse Graziottin.

Câmara

Em entrevista ao Brasil de Fato, a líder do PCdoB na Câmara, Alice Portugal (BA), criticou a iniciativa da base aliada de votar as seis MPs após os oposicionistas de quatro legendas (PT, PCdoB, PSOL, Rede) se retirarem do plenário. Ela aponta, entre outras coisas, que o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia anunciado a votação de apenas duas MPs.

“Tomamos a decisão de não concordar com a votação de qualquer MP e nos retiramos, em protesto contra o Estado de exceção que o Brasil viveu ontem. (...) Depois, nas nossas costas, ele muda de opinião e põe todas. Foi um golpe legislativo”, avaliou a deputada. Maia não se pronunciou a respeito das críticas e não concedeu coletiva de imprensa após a votação, que foi concluída na madrugada desta quinta.

Questionado se a oposição não teria facilitado a vida dos governistas, o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) argumentou que a gravidade da situação imposta pela violência das forças de segurança e pela convocação do Exército durante o movimento “Ocupa Brasília” justificaria a atitude.

“Considerando a situação de ontem, que se insere num contexto mais amplo, que é a gravíssima crise nacional e o fato de termos à frente do país um presidente moralmente desconstituído, nós entendemos que era um gesto pacífico para mostrarmos à população brasileira a nossa inconformidade com essa situação”, sustentou o deputado, acrescentando que o equacionamento de forças no plenário da Casa já anunciaria, de qualquer forma, a derrota da oposição nas referidas votações.

MP 759

Ex-ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Dilma, Ananias lamentou especialmente a aprovação da MP 759. A medida altera a forma como são outorgadas as terras públicas no Brasil. Em vez de uma concessão – dada, por exemplo, a agricultores – para que a terra possa ser usufruída com vistas ao cumprimento de sua função social e de forma hereditária, como ocorre hoje, o governo passa a dar uma titulação, que reduz os compromissos que o posseiro precisa assumir com a terra e permite que o lote seja vendido a terceiros.

A medida também concede anistia a desmatadores e grileiros. Movimentos populares do campo têm apontado que a MP invalida a reforma agrária e tende a aprofundar os problemas relacionados ao uso do território brasileiro.  

“É um retrocesso lamentável que se insere num contexto mais amplo, em que os direitos fundamentais, sociais e os direitos dos pobres estão sendo totalmente agredidos no Brasil”, avaliou Ananias. Ele acrescentou que a MP está sintonizada com outras iniciativas governistas que visam à entrega das terras brasileiras ao grande capital, incluindo o projeto de lei que prevê a venda ilimitada de terras rurais para estrangeiros.

“É um conjunto de ações que nós só vamos conseguir superar com a efetiva mobilização do povo brasileiro”, finalizou o deputado.

Edição: Vanessa Martina Silva