Cidadania

Violência e ódio na política afetam diretamente população LGBT, diz pesquisador

Em entrevista, Cleyton Feitosa diz que debates como o de "ideologia de gênero" criam pânicos morais na população

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Cleyton Feitosa é pesquisador do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB)
Cleyton Feitosa é pesquisador do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB) - Mídia Ninja

O atual avanço conservador no Brasil tem como um de seus alvos a população LGBT. É o que aponta o pesquisador Cleyton Feitosa, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), que recentemente lançou livro sobre políticas públicas para o segmento. Feitosa é ex-consultor das Nações Unidas e ex-membro também do Conselho Nacional de Combate à Discriminação.

A batalha contra o preconceito — em especial, contra o "pânico moral" criado por setores religiosos — continua sendo, segundo ele, pano de fundo da luta LGBT. Uma batalha que clama não só pelo direito à vida, mas também pelo acesso a todos os serviços públicos que garantam cidadania.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador assinala ainda que o combate à violência e a luta pelo retorno democrático no país devem ser focos do movimento de agora em diante. Ouça a seguir os principais trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Havia, até pouco tempo, uma demanda da população LGBT no sentido de cobrar do Estado brasileiro políticas que fossem além da questão da prevenção de DST's, por exemplo. O que mudou com o tempo, na história recente do país?

Cleyton Feitosa: Até os anos 1980, começo dos anos 1990, a gente viveu uma epidemia do vírus HIV/aids, que afetou diretamente a população LGBT. O movimento LGBT  surge no cenário público, na esfera pública e na interação com o Estado muito a partir das lutas contra essa doença em duas frentes: tanto do ponto de vista da prevenção quanto do ponto de vista do tratamento das pessoas já infectadas pelo vírus. 

Com o passar do tempo, com avanço das tecnologias de prevenção, de tratamento e várias conquistas nesse campo e com uma organização cada vez maior e também com a consolidação da democracia brasileira, o movimento pôde pautar outras demandas, outras agendas que também eram importantes, como era a da violência, e aí ela passa a ser o centro da agenda política. 

O movimento passa a interagir com o Estado no sentido de institucionalizar ações, serviços e políticas públicas voltadas pra essa promoção da cidadania. E aí a gente vê isso com ênfase a partir de 2003, no governo Lula, quando ele lança o programa Brasil sem Homofobia. De lá pra cá, em 2004, o Brasil avança e, cada vez mais, institucionaliza políticas voltadas pra essa população. 

Nesse processo, quais foram os principais entraves colocados pelo Estado brasileiro na hora de lidar com as demandas LGBTs em especial?

O Estado brasileiro, nesse momento histórico em que o movimento LGBT passa a emergir com mais força, tem uma prioridade governamental de redução da miséria, então, as ações identitárias crescem bastante nesse período, mas ainda ocupam um lugar um tanto quanto secundário. Para além disso -- e aí eu considero, sim, um entrave, dos governos petistas --, houve a organização política de setores religiosos e contrários opositores à agenda LGBT. Houve muita dificuldade de implementar políticas mais sólidas, visíveis e robustas, justamente por conta dessa dificuldade no presidencialismo de coalização, porque o governo também precisava de votos que eram barganhados por esses deputados. 

Olhando para o atual momento e considerando que o país vive um contexto de avanço conservador e arrocho fiscal, que ameaças rondam a população LGBT?

Têm crescido a violência e o ódio como instrumentos da disputa política no Brasil, e isso tem interferido diretamente na população LGBT. Um exemplo é a construção, pela Igreja católica, absorvida pelos setores evangélicos, de um conceito falso da ideologia de gênero, que visa estimular pânicos morais na população. Do ponto de vista econômico, o Estado brasileiro cada vez mais expressa um projeto político neoliberal.

A gente tem uma dificuldade de empatia, solidariedade e reconhecimento dessa violência e, do ponto de vista econômico, tem dificuldades porque a população LGBT também precisa de serviços e ações de qualidade do Estado brasileiro, ou seja, o acesso à saúde, à educação, à segurança pública, à assistência social, ao trabalho. E todos esses direitos também se refletem na cidadania LGBT. 

E, pensando no horizonte de luta, quais os principais desafios a serem enfrentados para a consolidação da cidadania dos grupos LGBTs no Brasil?

Continuar na luta contra a violência, porque ela é o primeiro fator que nos impede de exercer a nossa vida, nossa liberdade. E uma outra agenda que precisa ser central é pelo resgate da nossa democracia, porque só no regime democrático é que a gente pode avançar no exercício dos nossos direitos. 

Edição: Vanessa Martina Silva