COLUNA

Opinião: Sociedade civil precisa construir bases sólidas entre BRICS

Colunista sul-africano discute importância da solidariedade no Sul global para enfrentar o imperialismo

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Líderes dos BRICS com a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2015
Líderes dos BRICS com a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2015 - Roberto Stuckert Filho/ PR

Em meados de maio acontece a Cúpula dos Brics [grupo de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] da sociedade civil, evento paralelo à Cúpula dos Brics 2018, prevista para acontecer em julho, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul.

Os Brics surgiram como BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – em 2001, às margens de um debate na Assembleia Geral da ONU [Organização das Nações Unidas]. A África do Sul se uniu ao grupo em 2010, quando, então, o bloco passou a se chamar BRICS. O projeto passava, assim, a abarcar cinco continentes e a ter uma chance real de mudar as relações globais de poder.

Desde a Conferência de Bandung, realizada na Indonésia em 1955, discute-se que a solidariedade no Sul global é a melhor forma de enfrentar o imperialismo.

No ano seguinte àquele encontro, foi fundado o Movimento Não Aliado na antiga Iugoslávia. A ideia era unir o Sul global para além das divisões da Guerra Fria e pressionar por uma ordem global mais justa.

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Essas intervenções ofereciam uma promessa, e personalidades como [o Ex-Presidente da República Socialista Federativa da Iugoslávia Marechal Josip Broz] Tito, na Iugoslávia, e [o pan-africanista e ex-presidente] Kwame Nkrumah, em Gana, inspiravam verdadeira autoridade e respeito em âmbito global.

Mas quando a União Soviética ruiu, em 1989, esse projeto também se desfez. A crise da dívida do fim dos anos 1980 arruinou o Terceiro Mundo como projeto político.

Os Brics representaram uma tentativa de reviver esse projeto. Desde o início, o grupo enfrentou um problema crucial, no sentido de que o Estado chinês é visto como extremamente autoritário e o russo, como defensor de uma forma de capitalismo gângster de direita, enquanto a Índia oscilava entre o neoliberalismo ortodoxo do Congresso e o fascismo do ex-primeiro-ministro Shri Narendra Modi e do BJP [Partido do Povo Indiano, de direita].

[Na África do Sul, o ex-presidente e sucessor de Nelson Mandela] Thabo Mbeki tinha uma visão internacional progressiva, mas Jacob Zuma [também ex-presidente, correligionário e rival de Mbeki] nunca se interessou por muita coisa além de saquear o país.

O único Estado consistente entre os Brics em termos de governos progressistas foi o Brasil, que, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, adotou uma pauta a favor dos pobres e da classe trabalhadora.

Foi a aliança de Estados latino-americanos após a eleição de líderes de esquerda em todo o continente que garantiu um enfrentamento real à hegemonia das potências ocidentais, em especial dos Estados Unidos. Mas esse projeto, agora, está despedaçado.

Em 2018, há dúvidas sobre se os Brics conseguirão oferecer um embate convincente contra o imperialismo global.

A China é comandada por uma forma extremamente autoritária de capitalismo de Estado. A Rússia e a Índia têm governos de direita que seguem um capitalismo predatório. O Brasil está sob total controle neoliberal e a África do Sul está se livrando agora do capitalismo gângster.

A China e, em menor grau, a Rússia, são autoritárias demais para permitir o desenvolvimento de movimentos sociais. Mas existem movimentos progressistas em alguns Estados dos Brics.

O Brasil é lar do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, maior movimento social rural do planeta. Além disso, conta também com um sindicato dos metalúrgicos forte.

A África do Sul, apesar de assolada pela desindustrialização, ainda tem um sindicato forte da mesma categoria e um dos maiores movimentos populares urbanos do mundo, o Abahlali baseMjondolo [movimento de moradores de favelas que luta por moradia social].

A Índia tem um movimento gigantesco de agricultores e foi, recentemente, palco de greves de trabalhadores.

Para além das clássicas organizações não governamentais, são esses movimentos nesses três países que oferecem esperança para que os Brics ou, pelo menos, parte do grupo, se mantenha como uma força progressista.

Por esse motivo, é fundamental que a sociedade civil sul-africana participe do encontro que ocorrerá em maio e faça pressão para o desenvolvimento de conexões horizontais entre a sociedade civil dos vários países, em especial entre Brasil, África do Sul e Índia.

Nós, na África do Sul, estamos vivendo ainda os efeitos da primavera [do presidente Cyril] Ramaphosa. Aos poucos, os conselhos de empresas estatais estão passando por uma limpeza e, embora ainda tenhamos bandidos no partido que está no poder [o Congresso Nacional Africano, principal partido do país desde o fim do apartheid] e nos ministérios, nossa política está dando uma guinada mais estimulante.

Há uma sensação de que estamos conseguindo superar a corrupção dos anos de Zuma e que também o Estado autoritário e repressor do período ficou para trás.

Isso significa que temos mais liberdade que a Índia de Modi e que o Brasil do governo golpista de direita liderado por Michel Temer.

É nossa obrigação moral usar nossa nova liberdade para prestar solidariedade de fato aos movimentos sociais do Brasil e da Índia.

Também há muito valor na conexão com intelectuais dos Brics.

O movimento de descolonização das nossas universidades foi muito influenciado pela política identitária estadunidense. Mas, se afastar da centralidade da Europa é muito mais do que simplesmente voltar essa centralidade para os Estados Unidos.

Os Brics não são o mundo todo – mas são um mundo mais amplo do que aquele que nos é apresentado pela hegemonia cultural norte-americana. Nossos intelectuais também devem participar da conferência dos Brics das próximas semanas.

Mas, no fim das contas, o imperialismo só poderá ser derrotado quando uma massa crítica de Estados do Sul global tiverem governos genuinamente progressistas.

Para que a sociedade civil tenha um papel frutífero nesse cenário, é essencial reconhecer que são os movimentos sociais populares e os sindicatos que formarão a base da política progressista do futuro.

O papel das ONGs não é liderar, mas, sim, dar apoio.

Há um motivo para o fracasso imenso, rápido e dispendioso da longa lista de iniciativas tocadas por ONGs para unir a esquerda na África do Sul – como a “Awethu”, “Democracy from Below” [“Democracia a Partir da Base”], etc.

Nesse sentido, muitas das ONGs da Índia e do Brasil estão à frente de nós. Elas aprenderam a atuar com sindicatos e movimentos populares de forma respeitosa e profícua. O componente popular do encontro dos Brics será importante para a sociedade civil da África do Sul prestar solidariedade a quem vive em sistemas repressivos.

* Imraan Buccus é colunista político na África do Sul, pesquisador do instituto de pesquisa política aplicada ASRI, bolsista da Universidade de KwaZulu-Natal (UKZN) e diretor acadêmico de um programa de estudos em transformação política.

Edição: Tradução: Aline Scátola | Revisão: Pedro Ribeiro Nogueira