No Jardim da Política

Ana Estela Haddad: "Mulher brasileira não cabe no modelo machista que tentam vender"

Em entrevista exclusiva à Rádio Brasil de Fato, a dentista e professora da USP fala sobre política e gênero

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Ana Estela Haddad, dentista, professora e militante
Ana Estela Haddad, dentista, professora e militante - Foto: Reprodução/Facebook

A dentista e professora da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Ana Estela Haddad, concedeu, nesta semana, entrevista exclusiva ao programa No Jardim da Política, transmitido todas as quintas-feiras, às 14h, pela Rádio Brasil de Fato

No bate-papo, Ana Estela falou sobre o seu trabalho no governo federal e na prefeitura de São Paulo, seu interesse pelo cuidado com a primeira infância, o papel das mulheres na política contemporânea e sua história de companheirismo com Fernando Haddad, candidato a presidente pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições gerais deste ano. 

Confira abaixo alguns trechos da entrevista com Ana Estela Haddad: 

Brasil de Fato -- Você coordenou o programa São Paulo Carinhosa, que focava na atenção à primeira infância. De onde vem esse seu interesse pelo tema?

Ana Estela Haddad -- De fato esse é um tema que me mobiliza muito. O meu interesse veio de dois caminhos, dois aspectos diferentes. Um deles é pessoal. Dentro da odontologia, minha especialidade é a odontopediatria. Eu sempre me interessei e trabalhei com a questão do crescimento, do desenvolvimento da criança e sei da importância dessa fase da vida.

Por outro lado, dentro das políticas públicas, duas questões que me impactaram bastante na época em que eu estava no governo federal: o lançamento do Brasil Carinhoso - e São Paulo Carinhosa é fortemente inspirado nesse programa; e a segunda é que, acompanhando o trabalho do Fernando (Haddad) como Ministro da Educação, eu o vi trabalhando de forma sistêmica na educação como um todo, desde a educação infantil, até a pós-graduação.

Uma das realizações importantes foi a inclusão das crianças de zero a três anos de idade na educação infantil, criando o financiamento, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). E isso não tinha chegado a São Paulo. 

Diante dessa realidade de volta do crescimento da mortalidade infantil e do retorno da fome, qual a importância de transpor esse projeto para o país todo?

Tem uma importância fundamental, até porque, o governo de Michel Temer criou o “Criança Feliz” por um lado, e, do outro lado cortou metade do orçamento do Bolsa Família. Não existe uma política focada em um tema se a gente não pensar a questão social de uma forma mais ampla.

A criança não é um ser que está descolado da sua situação familiar. Então nós sabemos os resultados que o Bolsa Família teve, são imensos. Há hoje publicações internacionais importantes em revistas como a The Lancet, que é a revista (em inglês) mais respeitada do mundo na área da saúde, que publicaram artigos mostrando os impactos do Bolsa Família na redução da mortalidade infantil, e até na estatura das crianças.

Então a garantia de uma renda e condição mínimas que tirem as pessoas da extrema pobreza tem uma importância fundamental. Tem crescido no Brasil essa compreensão da importância das políticas públicas para a primeira infância e a gente precisa trazer isso de volta ao Governo Federal e fortalecer essas ações. 

Como você avalia os ações nesse último período da prefeitura de São Paulo sob o governo de João Dória e Bruno Covas?

A impressão que eu tenho é que a população já pode comparar a gestão do PT, com o Haddad, e os dois anos de gestão Dória na cidade de São Paulo. As diferenças são imensas em relação ao que a gente acredita que devam ser as políticas públicas. Há que se colocar o interesse público social em primeiro lugar, priorizando as pessoas de maior vulnerabilidade, reduzindo iniquidades, pensando em uma cidade amigável para todos, para as crianças, como um espaço de convivência, como também parte da nossa casa.

A nossa casa é a cidade. Construir uma cidade com qualidade de vida, com ciclovias, corredores de ônibus, que as pessoas gastem menos tempo utilizando o transporte público, que o coletivo seja priorizado em detrimento do individual, para mim é pensar no futuro, em algo contemporâneo, em uma cidade boa de se viver. 

Nessas últimas semanas você tem viajado o país inteiro. Que povo você tem encontrado?

Tem sido uma experiência única, extremamente desafiadora, cansativa, porque os dias são longos e são muitas viagens. O Brasil é um país continental, mas é um país tão lindo, com um povo tão maravilhoso, acolhedor, que tem recebido a gente com um carinho, um entusiasmo.

Como você e a família Haddad se relaciona com essa diversidade regional que existe no nosso país?

São Paulo é uma cidade que congrega todos os povos do Brasil e do mundo. Os imigrantes, nordestinos e estrangeiros, ajudaram a construir essa cidade. Norte e Nordeste são regiões completamente distintas, assim como cada estado do Brasil é um estado totalmente distinto. Cada estado tem a sua cultura, suas características, sua história, sua culinária, sua composição, e isso é o que tem de mais bonito no Brasil.

O Fernando teve a oportunidade de conhecer muito o Brasil com o presidente Lula. Juntos, eles inauguraram, 126 campis universitários, todos no interior pelo Brasil afora. Escolas técnicas foram 200, todas interiorizadas. E ele viajou o Brasil apresentando e pactuando com os governadores o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Onde ele passa consegue citar um campus, uma nova universidade, uma nova escola técnica que foi inaugurada. E cada curso criado foi pensado na vocação de desenvolvimento da região.

Então eu acho que o conhecimento com a diversidade regional existe. Eu, pelo Ministério da Saúde, também viajei bastante e conheço pelo menos todas as capitais e alguns lugares do interior. 

Quem é a mulher brasileira que Ana Estela Haddad encontra pelo país afora?

Eu vejo uma mulher muito forte, nos diferentes extratos sociais, não importa as características, se menos estudada, mais estudada. Mas acima de tudo eu vejo uma mulher que não cabe no modelo machista que alguns segmentos da sociedade estão tentando vender.

Semana passada nós estivemos em Cidade Tiradentes [São Paulo] em um dos prédios do Minha Casa Minha Vida. É um conjunto habitacional que foi construído para 380 famílias, das quais 360 são chefiadas por mulheres. 46% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Mulheres que fazem a diferença, que têm que ser mãe e pai; têm que ganhar a vida, educar seus filhos, transmitir valores, dar amor. E elas fazem, acontecem e realizam. Acho que não é a toa que está acontecendo esse movimento suprapartidário “Ele Não”. Ele é resultado do fato da mulher contemporânea não aceitar mais certos tipos de estereótipos e rótulos.  

Nós vimos as fortes mobilizações contra as pautas regressivas de Eduardo Cunha, depois a resistência feminina durante o golpe, e agora toda essa mobilização contra o fascismo. Como você vê esse empoderamento feminino que veio crescendo nesse último período?

Quando esse tipo de questão aflora, como veio naqueles projetos de lei do Eduardo Cunha, que significavam um tremendo retrocesso, e agora de novo. Em um primeiro momento a gente quase que fica incrédulo, pensando que talvez estejamos voltando no tempo. Mas é como se o passado ameaçasse voltar, mas, de repente, vem o presente e se impõe. Eu acho que as mulheres estão fazendo a diferença e não estão deixando essas questões passarem batidas. Isso é muito importante. Isso consolida e amadurece certos valores na nossa sociedade e a gente espera que de uma vez por todas esses valores se imponham. 

Ana Estela e Fernando Haddad durante lançamento da campanha do PT à presidência. Foto: Ricardo Stuckert

Como você vê essa deficiência que o sistema político brasileiro tem de participação das mulheres nos espaços de poder institucionais?

Esse ainda é um grande desafio. É muito importante que haja ações indutoras para ampliar a participação das mulheres, das mulheres negras, dos negros, dos indígenas, de toda a diversidade. Política tem que ser o espaço de representação da sociedade e os diferentes grupos e minorias precisam se ver. E você se vê quando se identifica com quem está te representando, não pode ser que homens brancos representem toda a diversidade que a gente tem.

A gente ainda precisa ampliar a voz e a presença das mulheres na política, na cultura, em todos os espaços. Na educação superior, mesmo em cursos de alta procura, as mulheres já se tornaram maioria. Mas quanto mais alto na esfera de poder, maior é a barreira. E a voz feminina, na cultura, no cinema, na literatura, é diversa. É mais um olhar que precisa ser valorizado. 

Por último, você e o Fernando Haddad recém completaram 30 anos de casados. Quem é o político Haddad e quem é o Fernando, pai e companheiro?

Quando nós nos conhecemos eu tinha 14 e ele 17 anos. Ficamos amigos, sentimos uma afinidade, frequentávamos o mesmo clube, da colônica libanesa, pois nós dois temos descendência libanesa. A primeira coisa que chamou a atenção é que nós tínhamos o mesmo sobrenome. Então a gente começou a procurar se havia algum grau de parentesco entre nós, e quem a gente tinha em comum. E aquela convivência ficou. Quando a gente se reencontrou e a gente acabou namorando, já foi mais para frente, ele já estava se formando, eu fazendo faculdade.

Acho que uma das coisas que tivemos afinidade foi o fato de nós dois termos uma preocupação com a justiça social, com uma sociedade melhor, onde todos tenham boas oportunidades. Isso também esteve presente na nossa educação, nos valores que recebemos da nossa família. E o Fernando, na trajetória profissional dele, seja fazendo a graduação em Direito, o doutorado em economia e o mestrado em filosofia, ele teve um fio condutor único que foi pensar a sociedade, a questão do Estado.

Então ele construiu, de um lado, a militância estudantil, mas de outro uma trajetória acadêmica que teve sempre uma relação com a sociedade. Ter trabalhado com o presidente Lula deixou isso mais evidente. Nós dois tivemos uma trajetória profissional separada, mas o espaço político foi um espaço que, de alguma maneira nos aproximou no aspecto da militância e do trabalho social. E de repente os anos vão passando e a gente nem percebe.

Edição: Daniela Stefano